quarta-feira, dezembro 27, 2006

27th

Nesta época do ano, todos fazem uso da internet para desejar boas festas. Ao redor de (quase) todo o mundo, as pessoas deixam de lado as agruras do cotidiano para celebrar o nascimento de um ser iluminado, cujos valores são base fundamental da sociedade em que vivemos. Tal ser - cuja perfeição despertou sentimentos nada nobres em seus pares menos esclarecidos - transformou o mundo como nenhum outro espírito, pois seu carisma e sua generosidade sintetizam, ainda hoje, tudo o que gostaríamos de ser. Seu nome se tornou sinônimo de integridade e justiça; seu semblante, ícone de bondade.

O que só os leitores deste blog sabem é que todo o resto do mundo comemora o nascimento desse inquestionável líder com dois dias de antecedência.

Sing me happy birthday.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

I wish I was him

A melhor coisa que li em 2006.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Aperitivo para qualquer coisa consistente

1 Estou de férias nas Barramas, na casa de papai e mamãe, e a irritante conexão discada explica a falta de atualizações nos últimos dias. Há muito não tinha tanto tempo de sobra, e todos sabemos que quanto maior o ócio, maior a vontade de não fazer nada. Nos primeiros dias cumpri todo o feng shui pré-virada: organizei meus cds, livrei-me, finalmente, de todas as minhas fitas cassetes, joguei meia floresta de papéis fora, desocupei alguns pares de gavetas, só para passar o resto das férias pensando em formas de ocupa-las novamente. Hoje, completando uma semana por aqui (e não tendo colocado o pé na calçada mais do que meia dúzia de vezes), já desisti de manter a aparência produtiva. Se descontarmos, claro, o gás nas leituras e a chance de ver filmes que há muito ansiava (re)ver. Em alguns dias, chega o Natal - os presentes - e, dois dias depois (dia 27!), meu aniversário - outros presentes. Dentre os planos de férias, ainda preciso me embebedar e encarar as 10 horas de filmes do Sergio Leone que me aguardam na gaveta (não necessariamente tudo isso em um mesmo dia). A vida é boa e fútil, e ainda estou longe de ficar de saco cheio disso.

2 Para 2007, porém, já incluo nas promessas de ano novo atualizações mais constantes. Como prova de boa fé, iniciarei (ok, tentarei iniciar) o ano com posts diários, revelando, dia após dia, milha lista dos 10 melhores filmes e discos de 2006. Afinal, fazer esse tipo de balanço foi o principal motivo que me levou a começar esse blog. A vida é boa e fútil, e ainda estou longe de ficar de saco cheio disso.

3 Todo mundo já deve saber do anúncio da MTV dizendo que, até 2007, deixará de exibir clipes em sua programação. Quem, como eu, achava que o MTVLab era um bom retorno à essência do canal (que, por um período, só exibia clipes para interrompe-los no meio), tem prova, mais uma vez, de que o mundo é caído e de que as pessoas sempre vão boicotar o potencial de maneirice da vida. Embora os índices de audiência sejam indiscutíveis, a declaração da emissora - de que as pessoas preferem ver clipes pela internet porque podem assistir somente aos de sua preferência - pode ser usada tanto pela defesa, quanto pela acusação. Com o fim da presença de videoclipes no canal e o excesso de VJs retardados, não tenho mais nenhum motivo para continuar assistindo à MTV (e, claro, o número de posts nesse blog diminuirá sensivelmente por carência de matéria-prima). Espero que algum sistema de TV por assinatura decida trazer logo para o Brasil o sinal da MTV2, já que o MTVHits (da Sky) só passa as mesmas coisas. O bordão dos dois primeiros tópicos nem encaixa aqui...

4 Falando em mesma coisa, o novo single do My Chemical Romance é bem mais interessante do que tudo que ouvi da banda no passado. Apesar da fofoca bisonha de que eles teriam gravado 150 canais para chegar à perfeição com "Black Parade", o refrão da música é bom, e a tentativa de imitar o Queen tem lá seu charme. As letras, o visual dos rapazes e todo o gestuário (agora querendo ser o Freedy Mercury) do tal Gerard Way continuam lamentáveis. Em um mundo perfeito, o próximo clipe do My Chemical Romance mostraria a banda toda pegando um bronze na praia - com sunguinhas coloridas, mas sem maquiagem - cercada por mulheres leiteiras, sendo uma delas o "cara" do AFI. E o Robert Smith faria uma ponta, pegando onda, de bermudão. Durante todo o clipe, imperaria o sentimento de que a vida é boa e fútil, e que estamos, todos, longe de ficar de saco cheio disso.

5 Trilha-sonora das férias: "All these things", do All Systems Go. A banda, do ex-Doughboys John Kastner (e que viria a contar com remanescentes do Big Drill Car e do Descendents na sua formação), passa longe de ser memorável, mas "All these things" é das músicas mais viciantes que ouvi em um bom tempo. Uma canção que impressiona por não ter, absolutamente, nenhum tempo morto.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Amarcord: Fale comigo Verão

Com que freqüência nos lembramos do nosso primeiro contato com uma obra-prima que viria a se tornar definidora em nossas vidas? Confesso que nem sempre sou capaz de perceber uma obra-prima assim que somos apresentados, mas não é sobre isso que quero falar. Lembro quando, em meados de 1996, um amigo me emprestou uma fita Sony UX (lembra como as fitas chromo tinham a melhor sonoridade, os melhores agudos?) de 90 minutos, e em um dos lados tinha o álbum Anthem for a new tomorrow, de uma banda da qual nunca ouvira falar, chamada Screeching Weasel. Não tenho a menor idéia de o quê tinha gravada no lado B da fita, mas o encanto com aquele álbum do Screeching Weasel foi tão imediato que até hoje ele é minha peça favorita na discografia da banda.

É comum vermos o Screeching Weasel jogado no tal saco de gatos que se convencionou chamar de bubblegum, mas confesso que a influência nítida de Ramones no som da banda nunca foi a raiz de minhas melhores impressões. É claro que ela existe e é, de fato, orgulhosamente assumida pelos próprios integrantes da banda, mas o que me fascina no Screeching Weasel (e que está especialmente presente em Anthem for a new tomorrow) é, além da simplicidade, a capacidade de criar melodias que parecem ao mesmo tempo ensolaradas e sombrias, sorridentes e melancólicas. Agridoce, diria. Nesses momentos, o Screeching Weasel se afasta de suas releituras ramônicas e se aproxima, estranhamente, da banda que talvez tenha melhor compreendido o pop punk (não fossem seus álbums terem tantas canções dispensáveis quanto hinos), o Descendents.

Existe algum cruzamento possível entre os Ramones e canções insuportavelmente belas como "Falling appart", "Thrift store girl" ou "Every night"? São canções que estão muito mais próximas dos momentos mais clássicos dos Descendents – como "Silly girl", "Sour grapes", "Get the time" ou a insuperável "Clean sheets" – do que da maior influência assumida pelo Screeching Weasel. Embora esses momentos não sejam predominantes na carreira da banda, é possível rastreá-los até mesmo em seus primeiros passos; lembremos de "Stupid over you", "Hey suburbia" e "Supermarket Fantasy", todas do segundo álbum da banda, Boogadaboogadaboogada. São canções que já tateavam o caminho, caminho esse que teria até mesmo ramificações (basta lembrarmos do Sludgeworth, banda formada pelo ex-Screeching Weasel Danny Vapid, e que demonstrava as mesmas intenções no interessante Losers of the year).

Existe, porém, em Anthem for a new tomorrow, uma canção-síntese que resume essas intenções. Trata-se de um número instrumental chamado "Talk to me Summer", faixa 5 do álbum. Os Ramones tiveram incursões instrumentais que mais pareciam bases onde a banda não soube encaixar vocais. Os Descendents (e principalmente o ALL) também se aventuraram várias vezes em canções sem vocais mas, embora boas canções, eram muitas vezes mais próximas de jam sessions de improviso do que de canções, tradicionalmente falando. Com "Talk to me Summer", o Screeching Weasel cria uma canção (a melodia base é perfeitamente assobiável – quase cantável, diria) instrumental com as poucas notas tão características aos solos de guitarra da banda, e resume o sentimento agridoce de suas melhores canções.

Em minha propensão ao epifânico, ruminei por anos a idéia de fazer uma canção-cumprimento a "Talk to me Summer". De uma maneira estúpida e auto-afirmativa, seria minha forma de dizer ao mundo que eu havia entendido o que Ben Weasel dissera em sua canção sem palavras, e que eu percebia o sentimento que distinguia o Screeching Weasel de suas influências assumidas e de seus daltônicos seguidores. Eu queria escrever uma canção instrumental, mas não tinha a menor idéia de como começar.

Alguns verões antes eu tinha criado um riff de guitarra do qual gostara muito, mas nunca fora capaz de criar vocais em cima (tentei algumas vezes, sem nunca ser propriamente bem sucedido). Descobrira à época como criar falsos tons menores pelo uso de sextas, e é possível que tal riff tenha sido minha primeira concretização dessa idéia (antes mesmo de "Waiting for tomorrow"). O que fiz, portanto, foi criar uma seqüência de acordes razoavelmente lógica (o riff seria o verso e, se não teríamos refrão, precisava criar ao menos uma ponte e uma terceira parte complementar), gravei em uma fita cassete e, com um double deck, coloquei-a para tocar enquanto gravava tentativas de solo em cima. Diferente de todas as minhas canções, "Fale comigo Verão" foi um trabalho de pesquisa e compreensão formal de um original, na tentativa de repensar seus elementos e criar algo novo. Sem chafurdar em tecnicalidades, percebia que o verso da canção do Screeching Weasel explorava notas mais próximas à primária, sua ponte subia e buscava notas um pouco mais graves, para depois culminar em um terceiro verso que trabalhava frações mais agudas.

Embora eu use, em "Fale comigo Verão", muito mais notas do que Ben Weasel usara, a estrutura é basicamente a mesma: após várias sessões de improviso, detectara uma parte que criara que trabalhava com notas próximas à primária (o verso), outra que buscava tons mais graves (a ponte) e uma predominantemente aguda (a parte final). Montando o quebra- cabeças, adicionei uma pausa e a tradicional batida surf na parte final para reverenciar os Descendents, como o subtexto que afirmava que eu havia compreendido as intenções por trás da canção, percebendo suas particularidades e reverências. Sim, parece bobo e juvenil hoje em dia, mas esse híbrido controlado ainda resume minhas crenças de que retrabalhar influências é arte legítima, de que podemos buscar elementos de artistas que gostamos, combina-los e torna-los nossos (afinal, eu aprendi a compor roubando – e estudando – músicas dos meus artistas favoritos). De que antes de artistas somos ouvintes, só que essa relação não é passiva, mas sim tem algo de antropofágica, de consciente referenciação que, se presente, melhor assumida.

Ainda acho que "Fale comigo Verão" é bastante bem sucedida em suas intenções. Não soa como uma cópia da original, mas sim como uma releitura livre, um complemento não autorizado. Surpreendo-me hoje com algumas notas mais ousadas que meu conhecimento formal de hoje talvez não permitisse, mas que eram encorajadas pela minha inconseqüente curiosidade da época. E, mais do que isso, acho um exemplo curioso de como nos apropriamos da criatividade dos outros e clamamos para si, tornando-a nossa de alguma forma. Não à toa, lembro de quando, anos mais tarde, o próprio Ben Weasel lançara a sua continuação para "Talk to me Summer" (a faixa "The first day of Autumn", de Teen punks in heat), e eu não consegui controlar a impressão de que ele não tinha, de fato, compreendido o espírito de sua canção original.