terça-feira, março 28, 2006

Se for, já era

Antes mesmo que você consiga dizer “pagoupravertcharrôladrão” eu sou capaz de pensar em uma dúzia de discursos razoavelmente estruturados que podem ser usados como uma defesa de Chorão, o dono do Charlie Brown Jr. Falemos de sua capacidade de se comunicar, e até mesmo se tornar modelo para uma fatia considerável da população; ou de sua facilidade em transitar por quase todo e qualquer meio, tendo sua opinião ouvida com igual atenção no programa da Hebe Camargo ou em uma mesa redonda da Mtv; ou mesmo fazendo uma defesa roqueiro-intelectual, clamando que Chorão está trazendo para o rock nacional uma agressiva espontaneidade que só encontra paralelo nas cadeiras arremessadas por Axl Rose ou na inspiradora inconseqüência de Kurt Cobain, e que estamos todos satisfeitos por o rock nacional não parecer mais algo de todo inofensivo.

Já ouvi tudo que escrevi acima dito com alguma seriedade por cabeças absolutamente respeitáveis, mas nada disso é suficiente para convencer qualquer pessoa razoavelmente esperta que Chorão é muito mais do que um chimpanzé que sabe rappear. Chorão é um erro, é o nosso Fred Durst (por mais que o cara do Tihuana tente roubar a vaga), e sua banda é a síntese perfeita do rock brasileiro. Pince todos os clichês de rock alternativo que deram razoavelmente certo nas duas últimas décadas (seja ska, hardcore melódico, funk-metal, rapcore, besteirol, etc), jogue todos em uma bacia de merda e o que temos é um resumo da história do rock nacional. Sim, o rock nacional, em geral, é motivo de vergonha. Tirando algumas raras exceções, o que conhecemos como rock por aqui faria o termo negar veementemente a paternidade de tão deformadas criaturas. Sem entrar no mérito que boas canções são eventualmente escritas, nossas bandas de rock (ou a estrutura que as mantém, o que, a rigor, não é muito diferente) têm vergonha de guitarras, de freqüências que não são médias, de produções que não tenham cara de novela das 8.

O que faz do Charlie Brown Jr um sucesso é, provavelmente, a sagaz percepção de que se eles juntassem elementos de todas as bandas de rock de sucesso dos últimos tempos eles não seriam considerados charlatões desinibidos, mas sim se tornariam a maior banda de rock do país! E isso, claro, só seria possível se à frente do esquema estivesse uma figura que falasse a língua da juventude, das ruas, aquele dialeto complexo que nasce só para ganhar capas periódicas na Veja. Não estou aqui insinuando que Chorão é quem parece ser por má fé - longe de mim. Acredito plenamente que nosso marginal alado é uma figura autêntica e que, por mais que pareça impossível, acredita em tudo que fala e faz. Chorão não é um gênio do marketing que soube identificar um filão nunca antes explorado; ele é apenas um produto do meio. É um jovem senhor preso na pior fase da adolescência, aquela que as pessoas esquisitas costumam recordar como a melhor época de suas vidas.

É, portanto, absolutamente esperado que Chorão cometa todas as típicas besteiras primaveris. Seja surrupiando trechos de músicas das bandas que ele acredita ser o único conhecedor (quantos de nós não compramos discos do Black Train Jack ou do Seaweed em saldões de usados, entre outros desperdícios das Roadrunners da vida como Sister Psychic, God’s Favorite Band e outras bandas que nunca tiveram relevância em lugar algum do mundo?) e agredindo seus desafetos imaginários; ou mesmo crescendo publicamente, com cenas doces com bichanos e fãs mirins em documentários familiares pra televisão, compondo canções comoventes sobre “entender melhor a vida”, Chorão vive tropeçando em si mesmo. O fato de ele o fazer de forma genuína não faz dos tropeços passos de dança, por mais comovente que a puberdade tardia possa nos parecer.

Que Chorão é a síntese da vergonha, portanto, não é nenhuma surpresa. O que invariavelmente derruba teses de indignação é perceber - por entre erros de português, melodias emprestadas de bandas não lá muito maiores, e gírias inventadas que nos atingem como baldes de constrangimento - que nosso meninão possui de fato algum talento. Invariavelmente somos sacudidos por um refrão, uma linha melódica, uma levada que nos faz imaginar como seria legal se o Charlie Brown Jr não fosse um equívoco tão grande. Seja no inegável carisma do refrão de “Proibida pra mim”, na simplicidade de “Te levar”, ou na excelente melodia de “Papo reto”, Chorão nos faz reavaliar nossa capacidade de relativização, de convivência com a diferença. Mais que isso, prova que a maioria de nós tem qualidades, mas acaba deixando-as de lado porque não usar sapatos parece algo mais relevante. Mas quando o vemos desfiando impropérios em horário nobre, com um skate na mão e uma calvície na cabeça, é difícil não pensar que se, por algum dos seus tropeços, ele não acabar atrás das grades, pode muito bem virar um gênio.

quinta-feira, março 23, 2006

Um grande passo para a humanidade

Sim, eu sei que sempre fui o maior detrator dos blogs. Por anos consegui passar à margem dessa internetice, mantendo-me íntegro em minha implicância. Mas, claro, o tempo passa, e uma coisa que aprendi logo cedo é que agarramos a primeira oportunidade de nos tornarmos tudo aquilo que criticávamos. E, confirmando a máxima, criei um blog.

Há alguns meses decidi postar no site do Invisibles um diário da gravação do nosso último projeto, o ep Hollywood. Na época não sabia que o "último" ganharia uma conotação para além de "o mais novo", mas se as linhas do mundo são tortas resta-nos aguardar para que o escrito seja realmente certo. Com o fim da banda, o diário foi interrompido e levou consigo um retorno que realmente não esperava ter. É claro que quando decidi riscar o tal diário eu acreditava ter algo a dizer, mas realmente não esperava encontrar pessoas dedicadas a ouvir. Ouvir é uma capacidade tão cara quanto rara nos dias de hoje, e por isso a surpresa. A democratização dos meios de comunicação é de fato maravilhosa, mas o que é surpreendente é que, com o aumento do número de emissores, houve uma diminuição muito clara do número dos receptores. Estamos no meio de uma falação muda generalizada, onde a platéia não é surda, ela simplesmente inexiste. E se ao postar isso em um blog, me tornando mais um dos tais emissores que menciono acima, você se pergunta se não sinto a ironia mordendo minha canela, solicito que retorne ao primeiro parágrafo. Mas deixo aberto um espaço de comentários, para que todos os leitores tenham um merecido espaço para libertar a autoria.

O fruto de tudo isso é que gostei de ser ouvido. E agora, decretado o óbito, sinto vontade de continuar. Por ora, não falo mais pelas canções. Elas continuam cantando como cantam os bons defuntos, mas defuntos têm uma preguiça tremenda de procriar. Ainda amo música, e esse foi um dos motivos que levaram ao fim da banda. Sei que, cedo ou tarde, farei as pazes comigo mesmo e me permitirei entrar novamente nesse mundo cheio de beleza e frustração no qual vivi pelos últimos 10 anos. Agora, porém, mantenho-me como espectador, embora do tipo inconveniente que fala alto no cinema. E como os falastrões morrem se calados, bem-vindos ao Fabito's Way. Meu blog.