segunda-feira, junho 29, 2009

Party
Manoel de Oliveira, 1996

É claro que não se sai de um filme de Manoel de Oliveira sem um punhado de momentos inesquecíveis (a ventania; Leonor Silveira em silhueta, secando os cabelos; os brilhantes últimos cinco minutos; o peixe sobre a mesa; etc.) , mas, nesse primeiro contato, Party pareceu-me estranhamente pesado. Fui encontrar o motivo para a minha impressão em um trechinho simples e preciso na confluência com a leitura de ABC da Literatura (ótima recomendação do André), do Ezra Pound, quando ele fala sobre o uso do texto no teatro:

Em última análise, penso que todo homem animado de uma razoável curiosidade literária há de ler o Agamenon, de Ésquilo. Mas se ele pensar no teatro como meio de expressão, verá que enquanto o veículo da poesia são PALAVRAS, o veículo do teatro são pessoas em movimento sobre o palco usando palavras. Isto é, as palavras constituem apenas uma parte do veículo e as lacunas entre elas, ou as deficiências dos seus significados, podem ser preenchidas por "ação".

Pessoas que examinaram o assunto com critério e isenção estão absolutamente convencidas de que a máxima carga de significado verbal não pode ser usada no palco, exceto por breves instantes. "Leva tempo para que ela seja apreendida", etc.


O volume do texto em Party é um problema, pois Manoel de Oliveira não preenche sempre tão bem as lacunas entre as palavras. Há muita fala, mas o problema não é tanto esse, quanto a sua distribuição pelo quadro, pelos espaço, pelos gestos. Com isso, muita coisa acaba se anulando, se perdendo, se esvaziando. É precisamente a diferença de pesos de um texto como o de Party, para o de Um Filme Falado.

domingo, junho 28, 2009

2008 em 10 discos

05 - The Hold Steady -
Stay Positive


Ouvir Stay Positive sem um par de headphones é como passar pelo Hold Steady sem se atentar para o que Craig Finn está cantando. Em falantes que não estão grudado aos seus ouvidos, Stay Positive parecerá tanto mais um disco como outros do Hold Steady, quanto o Hold Steady parece uma banda de rock qualquer se não prestamos atenção nos salmos entoados por Finn. "I went to yr schools, I did my detention, but the walls are so gray I couldn't pay attention. I heard yr gospel. It moved me to tears, but I couldn't find the hate and I couldn't find the fear. I met yr savior, I knelt at his feet, and he took my ten bucks, and he went down the street. I tried to believe all the things that you said, but my friends that aren't dying are already dead", canta o monge vadio em "Constructive Summer". Canta sobre Charlemagne, Gideon e Holly; jovens já não tão jovens que se entregam, igualmente, aos prazeres do mundo terreno, e à culpada salvação projetada sobre o céu. Nas letras de Finn, os momentos realmente extraordinários (como o pinçado acima) são os que melhor se sustentam entre essas duas tensões. Questão de equilíbrio; questão de mixagem.

É preciso ouvir
Stay Positive com fones de ouvido, pois a soberba mixagem de John Agnello e Ted Young capta, literalmente, esse tênue espaço pela maneira como é configurado o espectro estéreo. Se as convenções de mixagem - que regem, inclusive, os discos passados do Hold Steady, basta lembrar como se alternam as guitarras em "Chips Ahoy" - normalmente abrem as guitarras cada uma a seu canto (uma na caixa esquerda, outra na direita), aqui, seguir a regra seria como tirar a cruz das letras de Finn. Seria aniquilar justamente o que faz do Hold Steady uma banda única. Daí que é praticamente excluída toda a segunda guitarra (e quem já viu a banda ao vivo sabe que Finn mal encosta em seu instrumento), e o estéreo se abre de maneira mais particular: de um lado, a guitarra certeira de Tad Kubler; do outro, o teclado multiforme de Franz Nicolai. Saturação/pureza; homem/mulher; inferno/céu; um copo de cerveja para o alto, um crucifixo que puxa os joelhos ao chão. Uma cabeça, um coração e dois ouvidos - o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A guitarra sempre altiva ("Lord, I'm Discouraged" deixaria Slash orgulhoso), e o teclado em constante transformação: um cravo solene; um sintetizador esquizofrênico; pianos de Asbury Park, e órgãos de catedrais. Por vezes as coisas fogem do controle, e um riff de guitarra se joga para a outra caixa como um tapa é dado em momentos de pouca clareza; mas logo as palpitações passam, e as coisas voltam para seus devidos lugares.

Se existem particularidades em
Stay Positive que o separam do quase impecável Boys And Girls In America (há mais pecados aqui), são mudanças de produção. Pois Boys And Girls In America marcava o ponto alto da estratégia usada pela banda em todos os seus discos até aquele momento: fazer com que seu andamento se aproximasse o máximo possível de um show, com canções e arranjos por vezes mal acabados que traziam, nessa precariedade, um necessário senso de urgência. Stay Positive já não pensa as canções como fragmentos de um todo, e as trabalha como obras individuais. No caso do Hold Steady, isso produz algumas de suas mais perfeitas jóias ("Sequestered In Memphis", "Constructive Summer", "Magazines" - mesmo com Ben Nichols, do Lucero, soando completamente fora de lugar - "Yeah, Sapphire", "Slapped Actress" e as extraordinárias faixas bônus "Ask Her For Aderall" e "Two-handed Handshake" - duas das melhores canções da banda, presentes apenas na versão em digipak do cd), mas também faixas que giram em certa alto-indulgência ("One For The Cutters", "Both Crosses", alguns momentos de "Navy Sheets" - que tem a seu favor um Drive-by Trucker, e uma ótima letra) e acabam nunca virando coisa alguma.

O que não muda, porém, é a destreza com que Finn constrói um dos universos mais fascinantes e particulares da música atual. Ele aprende com Bruce Springsteen a dedicar o olhar para os
underdogs, mas percebe que o drama hoje não está mais no proletariado, mas sim na potência de apatia dos jovens de classe média. Pois se em "Thunder Road" havia o desejo de sair da cidade para vencer, em "Constructive Summer" há apenas a consciência de que se morrerá nela. Temos o sujeito de meia idade moldado por Joe Strummer, "Youth of Today and the early 7 Seconds"; a garota que é sempre encantadora pela manhã, mas nunca à noite; as canções cantaroladas entre lábios que se beijam; o sangue derramado; os jovens que saem de casa virgens, e voltam vampiros; as suturas e os hematomas; a vida como performance; os garotos que ficam mais novos, e as bandas que soam mais altas (e sabem que nunca se tornarão estrelas); o dinheiro que custa sonhos; os rapazes que mal tentam, e as garotas que em nada ajudam. "I hope you'll still let me kiss you". Corpos que se esbarram e, donos do tempo que preferem ver passar, se entregam intensamente à vida que são capazes de inventar. "I'll be Ben Gazarra, You'll be Gena Rowlads (...) I'll be John Cassavettes, let me know when you're ready".

For Dummies
Álbuns do Hold Steady em ordem de preferência

Boys And Girls In America (2006)
Stay Positive (2008)
Almost Killed Me (2004)
Separation Sunday (2005) 

sexta-feira, junho 05, 2009

Tipo Eisenstein

E o tal jogo do Adriano para Playstation, ao menos a versão vendida na Itapirú, ganha uma capa redux. Nela, o gigante Adriano - que toma toda a extensão da capa - esnoba uma foto menor, sobreposta, de Ronaldo com a camisa do Corinthians, as mãos na cintura e um sorriso amarelo no rosto.