sexta-feira, novembro 27, 2009

2008 em 10 discos

4- Cut Copy – In Ghost Colours

Em época em que até o mau gosto dos anos 1980 parece em alta novamente – algo que pode ser visto tanto nas cores dos anúncios de uma American Apparel, quanto nas calças à MC Hammer que tomam as ruas da cidade – é fácil subestimar o feito realizado pelo grupo australiano Cut Copy em seu In Ghost Colours. Pois, embora esteja claramente conectado a um sentimento revivalista carnavalesco da década de 1980, In Ghost Colours se faz realmente impressionante por driblar a redução sempre assassina do kitsch, se relacionando com a cultura que lhe interessa com uma frontalidade convicta. Não temos, portanto, a ironia de ponta de língua de um Cansei de Ser Sexy, tampouco o clima cadavérico das festas cariocas que desenterravam Rosana e Sylvinho Blau Blau com traços nojentos de piedade. As referências, aqui, são convivas de uma mesma época; mas elas ganham uma vitalidade inegável justamente por esse diálogo ser direto, frontal e honesto.

In Ghost Colours parece, em diversos sentidos, combinar o que de melhor foi feito na dance music da década de 1980 em único disco. Temos a espinha dorsal mais clara de um New Order, mas apenas para segurar elementos pinçados de outros artistas do gênero: as guitarras lembram Jesus & Mary Chain e até Pixies (“So Haunted” é puro Joey Santiago), as linhas de vocal mais grave ecoam Information Society, a festividade dos tons maiores faz pensar em Erasure, e os teclados são tão marcantes quanto os melhores momentos dos Pet Shop Boys. Não há, portanto, espaço para gracinhas ou terceirizações; aqui, como em Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes, o que existe é a restauração dos sentidos de um universo que os aproveitadores sem paixão quase condenaram à insignificância. Mas aqui ele aparece vivo, pulsante e feliz. Em In Ghost Colours, o Cut Copy provoca uma ressurreição.

O milagre é mais impressionante pois não existe, no disco, qualquer tentativa de atualizar as convenções por meio de combinações com convenções mais recentes. Pois se há crença de que aquele corpo vive e respira por si só, não há necessidade alguma de amarrá-lo a aparelhos; basta lhe oferecer combustível para que ele saia novamente às ruas, caminhando com as próprias pernas. O Cut Copy consegue isso fazendo algo que nenhuma das bandas que lhe servem de inspiração mais direta parece ter conseguido, nem mesmo em seus melhores momentos (penso em um Technique, por exemplo): escrever um conjunto irretocável de canções. Pois sobra, aqui, uma percepção bastante simples que fugiu a todas as bandas da época: se o disco é para ser uma festa, é preciso que a avalanche de canções seja ininterrupta. Se não temos a genialidade que gerava “Regret”, “Being Boring” ou “Enjoy The Silence”, também não temos os momentos de auto-indulgência, o fascínio tecnológico com os eletrônicos; ou, mais simplesmente, não temos más canções. In Ghost Colours é de uma consistência rara, impressionante e rigorosamente coerente.

Por conta disso, pinçar faixas que se destacam acaba sendo tarefa bem mais difícil do que se espera. O que sobra ao fim da audição é, sobretudo, o prazer da absoluta fluidez do disco, com seus refrões fortíssimos (“Strangers In The Wind”, “Lights and Music”), a pulsação constante do baixo (“Out There On The Ice”), as melodias solares (“Unforgettable Season”, “Feel The Love”) ou simplesmente a firmeza irresistível das batidas (“Hearts On Fire”). São elementos que, apesar da raiz de referencialidade, empurram o disco sempre pra frente, nunca para trás. É um pouco a percepção de que a música de pista é algo que impulsiona ao movimento pelo simples prazer de se estar em movimento, e que para isso precisa – seja pela aproximação das batidas com o ritmo do coração, ou pela frequência rítmica que coordena também a respiração – se manter realmente próxima do corpo para permencer eficaz.


For Dummies
Álbuns do Cut Copy em ordem de preferência

In Ghost Colours (2008)
Bright Like Neon Love (2004)

quarta-feira, novembro 25, 2009

Retratos

Luís Miguel Cintra por João César Monteiro, em Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço, 1970.

terça-feira, novembro 24, 2009

Deixa eu brincar de Develly

Conversa com o amigo e gênio de plantão Daniel Develly, na época em que Aquele Querido Mês de Agosto estava em cartaz no Rio:

Eu: - Tenta ver o filme. É muito bom.
Develly: - E só porque é bom eu tenho que ver?

quarta-feira, novembro 04, 2009

File under hehehe

É no mínimo uma bela piada que, no catálogo da mostra A Elegância de Woody Allen, meu texto sobre Poucas e Boas venha logo depois de um texto do Bruno Medina (ex-tecladista dos Hermanos) sobre o mesmo filme, e que o dele se chame A Doce Dicotomia dos Gênios, e o meu, na página seguinte, comece com esta epígrafe de Ezra Pound:

"Se suas percepções são hipernormais em qualquer parte do espectro, ele [o artista] pode ser de grande utilidade como escritor - embora talvez não de grande 'peso'. Eis onde entra o chamado gênio da pá-virada. O conceito de gênio como próximo da loucura foi cuidadosamente fomentado pelo complexo de inferioridade do público".

Chacun ses três pontinhos.