sexta-feira, março 13, 2009

2008 em 10 discos

09 - Little Joy - Little Joy


O disco de estréia do Little Joy era aguardado ansiosamente por muita gente. Não por mim. As duas maiores credenciais da banda não faziam bem o lobby por aqui, já que, fora uma ou outra canção avulsa, tanto Strokes como Hermanos se perderam em meu interesse há bastante tempo (no caso do Strokes, depois do primeiro disco; dos Hermanos, após o segundo). Embora eu me simpatizasse com a escolha feita por Amarante de trocar um previsível solo mais firme por um vôo mais baixo, porém mais panorâmico, essa simpatia reduziria a banda a um fenômeno, o que seria o maior desserviço que eu poderia lhe fazer. Joguei de lado todas as comparações mexeriqueiras (bobagens do tipo "quem fez melhor, Camelo ou Amarante?"), e esperei, sem ânsia ou inquietude, que viessem as canções.

Até que, um dia, elas vieram, e não me pareceram nada geniais. Melhor: não me pareceram desejar aparentar genialidade. Desde a primeira audição, Little Joy se assume minúsculo, leve, aerado - palavras que uma vez já vestiram bem o Strokes (saudades de "Someday"), mas que nunca molharam os olhos dos Hermanos. Nada de hinos, grandiloquência ou iscas de salvação; apenas 11 canções tropicais, misturando Buddy Holy com ukeleles, letras que desejavam mais os fonemas do que as palavras, uns dedilhados de bossa nova pouco ou nada revisionistas, e uma moça de voz transparente. Um disco doce, mas um tantinho ácido; certamente com gosto de verão. Não soava como o céu; soava como um pedaço de areia, e isso era ótimo. Era um grupo formado por músicos que não exatamente precisavam se desvencilhar do passado, mas que pareciam querer respirar um pouco de brisa salgada - mudança de relação que, pelo show, os fãs antigos não parecem ter compreendido, deixando Amarante com cara de quem, após um primeiro encontro promissor, percebe ter passado a noite sentado de costas para a ex-mulher. Little Joy é, com toda a leveza da palavra, uma banda de férias.

Mas, após as primeiras audições, Little Joy logo se mostra bom o suficiente para deixar as menções às bandas matrizes apenas para parágrafos introdutórios. E, embora o disco ainda me pareça muito claramente dividido entre as canções principais e os (bons) fillers, sua passada é extremamente convidativa, mesmo quando algumas boas idéias parecem não ir a lugar algum (caso mais exemplar de "Unattainable", promessa que só faz girar em seu próprio eixo). Essa impressão é incorporada à letra de "The Next Time Around", que estabelece maravilhosamente o tom do álbum: "E onde a sorte há de te levar / saiba, o caminho é o fim, mais que chegar", canta Binki Shapiro, em português empapado de sotaque, com frase envergada pela fraqueza da rima. A alegria está na jornada, no durante, nas texturas de rádio AM que fazem tudo parecer imediato. É platitude que, em si, tem pouco de reveladora, mas que serve muito bem como motivação estética para o disco, pois mesmo quando há buracos no acabamento ("How To Hang A Warhol", ou mesmo o encerramento um tanto grosseiro da ótima "Brand New Start"), eles são incorporados à fruição do conjunto.

Fica, no disco, essa impressão de canções nativas de lugar algum, temperadas com toques tradicionais de regiões imprecisas: ao mesmo tempo brasileiro, caribenho, havaiano, californiano. Mais do que um apego a tradições (algo um tanto esperado de um disco que se assume vintage), há um interesse por determinados climas e paisagens: Little Joy é sempre solar, praiano, ágil, leve. Daí a canção mais deslocada no conjunto não ser exatamente "Evaporar" - a única totalmente em português - mas sim "With Strangers", exceção em tons menores de morosidade texana que faz lembrar o Cake (o solo de guitarra, aliás, é moldado pelas frases de trompete de Vince DiFiore). Os destaques, porém, são mesmo os mais óbvios: "The Next Time Around" e sua orquestra de pulgas; o irresistível refrão de "Brand New Start"; a levada recortada de "For No One's Better Sake"; o quase rock "Keep Me In Mind"; e as baladas "Shoulder to Shoulder" e "Don't Watch Me Dancing" - melhor momento de Shapiro, em que um belo recorte instrumental faz lembrar os intermezzos de "Sentimental" e "Todo Carnaval Tem Seu Fim".

E, como as férias, Little Joy acaba muito pouco depois de começar - ligeireza que dificulta a escrita, amarrando as palavras aos diários das jovenzinhas. Voltam os trabalhos, os cenhos franzidos e os shows de reunião. Tudo isso, por maior que possa vir a ser, sempre parece um pouco menor do que aquele mês; aquele pequeno e liso risco de despreocupação.  



For Dummies
Álbuns do Little Joy recomendados em ordem de preferência

Little Joy (2008)

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quarta-feira, março 11, 2009

Um parágrafo: Ben Lee - The Rebirth of Venus


É um tanto lamentável que Ben Lee não tenha dado um passo adiante, e convidado apenas crianças para compor o coro que responde seus chamados nas melhores faixas de The Rebirth of Venus. Lamentável, pois se Ripe parecia um álbum de adult contemporary pop for dummies, esse novo disco parece mesmo ser pop for kids (under the age of 5). Desde a primeira faixa, Ben Lee - de seu jeito igualmente simpático e meio mongolóide - parece uma espécie de Bia Bedran do novo milênio, cercado por seus aluninhos, aprendendo sobre a vida por meio de canções, repetindo sempre o que o mestre mandar. Esses ensinamentos começam por uma justa limpeza de culpa ("What's so bad about feeling good"), transmitem lições sobre lealdade ("Surrender" - a melhor do disco) e sobre o valor da música ("Sing" e "I Love Pop Music"); no meio tempo, tio Ben ainda fala sobre o orgulho de ser diferente ("Boys with Barbies"), e ensina até um palavrão, ao apresentar as crianças a "Yoko Ono" (dá até pra imaginar os risos abafados). A abordagem nem sempre funciona (casos de "Boys with Barbies" e "I Love Pop Music" - ambas embaraçosas demais até mesmo para os altos padrões de Ben Lee), e o disco perde bastante força quando esse conceito começa a se dissipar. Mas é difícil negar que a primeira metade de The Rebirth of Venus tem um vigor que Ben Lee talvez só tenha mesmo alcançado antes em Awake Is The New Sleep. Além disso, toda a atmosfera do disco - onde o Botticelli e o clipe de "I Love Pop Music", com seu cachecol de teclado, são o ápice - deixa claro que ouvir Ben Lee é um exercício de colaboração, simpatia e paciência muito parecido com o de se ouvir Daniel Johnston.