segunda-feira, julho 20, 2009

A produção da distância

Untitled (1988/90), de Zoe Leonard;

em exposição em The Female Gaze - Women Look At Women, na Cheim & Read Gallery



A artista que vê o conceito "mulher" por meio da arte. Fotografar um quadro. Ressaltar, com isso, as camadas deformadoras de distância e de discurso. Tirar a cor da tinta. Reenquadrar. Colar-se à tela. Alterar a matéria - a cor, o recorte - mas, principalmente, seu estatuto. Fotografar um quadro é fotografar a tinta seca, porosa, rachada pelos anos. Produzir textura. Produzir pele. Como Chantal Akerman, Pedro Costa, ou Grindhouse, perceber o meio como gerador de sentidos. Revitalizar o antigo; transformar pelo simples deslocamento da reprodução. Pensar, sobretudo, o espaço intransferível e intransponível entre os olhares - quem olha a foto, de quem olhava a pintura, de quem olhava a mulher. A tela é a pele, é o tema, é o centro de interesse. Ao mesmo tempo, a pele é a tela, a mulher é a matéria do discurso. A mulher feita obra de arte; a obra de arte feita mulher.

sábado, julho 18, 2009

Like a hurricane


Se os shows do Wilco são tão virtuosamente perfeitos que parecem ter me colocado em uma eterna suspensão, as outras bandas vistas por aqui pareciam sempre passar por debaixo de meu corpo flutuante. Conor Oberst faz um redondo show à americana, o que significa que sua carreira solo não é mais que um sub-Tom Petty; o Yo La Tengo parece ter alcançado status de veterano só para dar um mínimo de dignidade àquela bundamolice toda; o Pains of Being Pure At Heart tem músicas boas, mas precisa rodar muito para construir um show minimamente engajador; as bandas que abriram para eles (Ribbons e Zaza) são tão conscientes de sua mediocridade musical que tentam se destacar com formações incomuns (só guitarra e bateria, no Ribbons, para músicas que claramente precisam de um baixo; baterista tocando em pé, no Zaza, que é uma chatice de qualquer maneira).

Até que ontem veio o Superchunk - banda que acompanhei sempre à distância, e que nunca cheguei a ver no Brasil - e me puxou lá do alto, rachando minha cabeça contra o chão. 50 minutos de pancadaria - "Detroit Has A Skyline", "Water Wings", o murro final com "Slack Motherfucker" - com uma mínima pausa para respirar ao som da linda "Driveway to Driveway". Faltou "Hyper Enough" - o rockão dos rockões - mas, naquele ambiente inóspito que é o South Street Seaport, o Superchunk me jogou ao chão. Era exatamente o que eu precisava.

sexta-feira, julho 17, 2009

Orkut, Twitter, Facebook


E agora, Flickr.

quarta-feira, julho 15, 2009

Notas infundadas sobre o envelhecimento


É oportuno que o calendário tenha feito coincidirem, em Nova York, as exposições Avedon Fashion, no ICP, e a retrospectiva de James Ensor, no MoMA. Pois, em ambos os casos, o que vemos é o enfraquecimento latente de armaç ões internamente subversivas na medida em que elas se tornam mais claramente conscientes para seus realizadores, virando leitmotif auto-evidente de trabalho.

Logo em sua primeira foto de moda de sucesso, Richard Avedon já deixava claro que sua preocupação era sempre problematizar a imagem. The New Look of Dior trazia a modelo Renée de costas para a câmera, em composição que combina a pose estudada à impressão de instantâneo de um Cartier-Bresson. Em seu contraplano (o plano da foto), porém, temos um homem que não olha para a modelo, mas sim diretamente para a câmera. Mais do que exibir um modelo (a roupa, ou a pessoa), Avedon insere esse olhar problematizador que pensa a imagem dentro da própria imagem.


Que essa primeira foto sirva como guia de aproximação: nos primeiros dez anos cobertos pela exposição como fotógrafo de moda (do final da década de 1940, ao final de 1950), Richard Avedon invariavelmente coordenava os elementos em cena de forma a produzir uma auto-crítica não só a seu trabalho, mas principalmente ao meio em que ele se inseria. Quando não construía um onirismo absolutamente irreal, escancarando a fantasia que a publicidade sempre tenta escamotear, Avedon misturava suas modelos a performers de toda natureza - em coreografia com elefantes de circo, ou em uma mesa sobre um palco onde se apresentam dançarinas de cancan.




Com a simples composição da cena, Avedon estabelecia um complexo discurso de auto-ironia, onde a imagem não só era construída buscando força plástica, mas também um bem articulado jogo de camadas político. As mulheres não apareciam como mulheres; mas sim como performers que viviam do corpo, da imagem, da sedução (em sua série de fotos de Sunny Harnett em cassinos, em 1954, temos a impressão de que os prêmios apostados são as próprias modelos).

A mulher aparece reduzida a cabide; a manequim, como vemos em associação literal na belíssima Workroom - tirada no ateliê de Dior, em 1947 (infelizmente, não encontrada na rede) - em que o enquadramento coloca, lado a lado e em poses igualmente esvaziadas, os corpos inanimados de uma modelo viva e de uma boneca que serve como molde para o costureiro. Esse conceito ele repetiria em 1998, ainda com bastante força, em foto cujos nomes das modelos (Carmen Kass e Audrey Marnay) aparecem como marca, descolados de possível identificação.


De certa forma, a busca por ironia coberta em Avedon Fashion só irá ser retomada em In Memory of the Late Mr. and Mrs. Comfort - série de fotos realizadas para a New Yorker em 1995. Claramente inspirada pela iconografia da pintura madura de James Ensor, Mr. and Mrs. Comfort traz uma modelo (Nadja Auermann) contracenando com um esqueleto.



Tanto em Avedon como em Ansor, a inserção do artifício (o esqueleto) só faz ressaltar o empalidecimento de uma crise que, antes disfarçada, já perdera sua força. Há uma diferença brutal em se compor a ironia a partir do momento, e inseri-la como signo externo à diegese; em Avedon e em Ansor, a necessidade da inserção ergue a cabeça para fora d'água, como buscando um último gole de ar que não é suficiente para manter a pulsação dos pulmões.




O universo dominante da maturidade de Ensor é frustrante, pois traz para o terreno figurativo questões que já eram plenas quando subcutâneas em seus primeiros trabalhos. A ambivalência em relação à vida aparece tão mais bem expressa em suas pesquisas gestaltistas da relação figura/fundo (e é uma grande ironia que um de seus mais belos quadros se chame The Domain of Arnheim, e seja muito anterior aos estudos de Rudolph Arnheim dos fundamentos da gestalt), onde a figura (pois nem sempre é o ser) aparece tencionada entre a vontade de se ver integrada ao m(f)undo, e a necessidade pessoal de se destacar dele - algo que, talvez, atinja maior nível de clareza em suas gravuras a carvão.




Onde termina o chão? Onde começa o rosto? Um se projeta sobre o outro, e a imagem se torna esse espaço indiscernível, imprecisável, incomensurável. A fase madura de Ensor é por demais auto-consciente, e o auto-retrato não é mais movido pelo drama do desaparecimento, mas sim pelos limites que os separam de suas criaturas. Há, aí, algo de carnavalesco, e não é à toa que o carnaval tenha adotado o termo "alegoria"; há necessidade de clareza, pois o meio (o rapaz que olha para a câmera, naquela foto de Avedon) não é mais o centro de discussão. É apenas um meio, de fato.

Quando constrói sua iconografia de caveiras e máscaras, Ensor deixa de se expressar com as particularidades inerentes ao seu craft, como o uso da cor em Fireworks; ou o brilho quase lautreciano - e, por isso mesmo, subversivamente incomum - que ele aplica a The Drunkards, com personagens que parecem prestes a serem absorvidos pelas cores das paredes. Quando Avedon produz um ambiente absolutamente impalpável em In Memory of the Late Mr. and Mrs. Comfort (não bastasse a mão pesada com o título), reduz sua ironia a mensagem. Pois a ironia da ironia é que ela, mesmo quando calculada (como toda composição é), precisa aparentar espontaneidade. Caso contrário, ganha-se em clareza, e perde-se em tensão. E quando alguém evidencia sua intenção de ironia, normalmente ela não é mais que cinismo.

Moscou ne crois pas aux larmes

Não é que eu não acredite em lágrimas. Chorei de tensão quando meu avô faleceu, e de tristeza quando meu peixe morreu - o que, acredito, não pinta de mim contorno dos mais favoráveis. Choro um pouquinho ao final de Sonata de Tóquio, e na cena musical de Em Paris, principalmente porque hoje as antecipo, e me encanto antes de elas acontecerem. Há diversas músicas que me emocionam, mas nunca a ponto de abrir os olhos (embora "Claire de Lune" e "Avant La Haine" mandem nas lágrimas acima). Já chorei algumas vezes de vergonha, em silêncio, sem nota ou vibração.

Até que saiu o disco novo do Wilco e, como acontece com as cenas dos dois filmes aí em cima, chorei lágrimas antecipadas, incestuosas pela familiaridade impossível com a desconhecida "You And I". Mais do que uma grande canção, ela me fez acreditar que existe alguma ordem por trás das coisas; ou, ao menos, de algumas de minhas coisas. Para um ateu, é como perceber Deus. E aí vejo o encontro de novo - o encontro de fato - na noite dessa segunda-feira. Como as epifanias servem para desvelar o mundo, pude ouvir a canção novamente pela primeira vez. E percebi que não é tanto uma dificuldade de chorar; 

mas sim que as lágrimas preferem
evaporar logo
a escorrer.   

sexta-feira, julho 10, 2009

Once a sailor, always a sailor

Foto brilhantemente fanfarrona de Richard Avedon, parte de Avedon Fashion, exposição no International Center of Photography.

quinta-feira, julho 09, 2009

Cinema Argentino

É bastante expressivo que o brasileiro Curumin tenha fechado sua apresentação de ontem, no Central Park, com uma versão para "Beat It", do Michael Jackson - e ainda mais gritante que tão pouca gente tenha comprado a adulação. Expressivo, pois sela a minha impressão de que o problema mais grave dessa tal nova música brasileira é a vontade excessiva de agradar. Sua música é bem tocada, com boas referências, e tudo mais; mas é simpática demais, redondinha demais. Com isso, se torna inofensiva, inócua, estéril.

Há, no trabalho de Curumin, uma coordenação clara que agrupa muito da música brasileira que funcionou fora do Brasil (de Jorge Ben ao funk carioca), mas que tira delas o fator de risco que lhes era originalmente revigorante. O mesmo acontece com a relação com a música alternativa contemporânea, do que o sampler de violão é o grito mais alto (por que não tocá-lo ao vivo, se o sampler, em si, nada acrescenta?). É Tim Maia sem peso, samba sem a iminência do descontrole, Karnak feito óbvio (em vez de "O mundo caquinho de vidro" temos "A esperança é a última que morre"), Animal Collective como tocador de playback. Falta uma ponta de algo que, talvez, só seja perfeitamente expresso em inglês: edge. Algo que estava lá até mesmo no pior de Caetano, Chico, João Gilberto, ou nos momentos mais auto-indulgentes dos Hermanos.

O show do Curumin fez lembrar o do Ludov que vi no Curitiba Pop Festival (ano do Pixies), em que a vocalista parecia ter medo de deixar dissipar o sorriso constante, como se toda pessoa na platéia fosse um executivo de gravadora em potencial. E poucas coisas são tão repulsivas quanto o sorriso forçado, a simpatia obrigatória.

Juana Molina, por sua vez, foi exatamente o oposto disso. Dá seu boa noite cheio de doçura (mas sempre meio tímido) em vestido xadrez amarelo, e começa logo a impressionar pela destreza e criatividade com que pilota seus aparatos (dessa vez escorados por dois outros músicas - baixo e bateria). Não é pro meu gosto, mas é sempre bom, instigante e sólido. Vi umas cinco músicas (lembrando que eu já tinha visto seu show no ano passado), mas aí ja era tarde para recompor a pau molência proporcionada por Curumin e o dj El G - que animava os intervalos com overdoses de raggaton (vulgo: o ritmo mais chato do mundo, a não ser pela abertura do Beau Travail).

quarta-feira, julho 08, 2009

Contrabando de Formigas

5. The Everlasting Youth


Perto da Washington Square, um jovem aproveitava o raro dia de vento no verão. Naquele breve cruzamento, nada sobre ele importava muito, a não ser o fato de ele ser jovem. E, como quase todos os jovens do país, tinha algo de roqueiro. A camisa azul clara fazia menção a um festival de 2002. No centro dela, um desenho de traços à New Yorker de um homem de perfil, com os cabelos penteados para trás, e o rosto sério como o de um jovem Leonard Cohen. Logo abaixo, o nome da estrela aparecia todo em caixa alta, feito ELVIS, BEATLES ou RAMONES:

MAHLER.

domingo, julho 05, 2009

Those Lovely Seaside Girls



É esse o nome do ep que traz "Chorus" e "Rain or Shine", as duas mais novas canções do Driving Music. Passei os últimos meses (mesmo com alguns longos intervalos) trabalhando pesado nas duas filhotas, e agora elas estão aí, pelo mundo, esperando que você as escute. Você pode fazer o download direto do novo site do Driving Music, ou escutá-las primeiro (para ver se vale a pena) no MySpace. Passe para quem você acredite que possa se interessar, e não deixe de depositar seus dois tostões de prosa nos comentários

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Hoje parto para Nova York para mais um mês de férias roqueiras. Como estarei devidamente conectável por lá, enviarei atualizações rápidas ou por aqui, ou pelo Twitter. Até Agosto!