sexta-feira, abril 14, 2006

Amarcord: One last song about summer

Quando comecei o Fabito's Way me impus o desafio de não escrever somente sobre música/cinema/literatura por aqui, numa tentativa de não fazer desse blog um desajambrado espaço de crítica. Também havia me prometido que fugas ao passado seriam reduzidas, embora reconheça que os limites entre passado, presente e futuro sejam os mais difusos, e que um parece pertubar o domínio do outro constantemente. Ainda assim, por medo da nostalgia, prometi-me uma estrada reta em direção ao horizonte, e por alguns momentos me deixei admirar o brilho do sol refletido nas pedras incrustada no asfalto. Levei pouco tempo para admitir a idéia de que seria biografado dos mais tediosos, e que se não falasse sobre música/cinema/literatura por aqui, acabaria não falando sobre nada.

Foi aí que topei com esta tradução de "One last song about summer" e, após me encantar com a flexibilidade de meu ego ao perceber que alguém havia separado um tempinho de sua vida para traduzir minhas palavras (e, sim, fico absolutamente lisonjeado com isso), comecei também a perceber como algumas frases ganharam traduções para mim inesperadas, e daí passei a puxar da memória todo o processo de criação da canção, que, como nos melodramas baseados em estórias reais que vimos dublados na televisão, parecia ter caído em um poço enquanto brincava inocentemente em um ensolarado quintal.

E de tal parágrafo monofrásico me peguei lembrando de como havia escrito cada uma das minhas canções... que parte surgira primeiro, onde estava quando fui tomado pela melodia, qual verso havia definido o espírito da canção para mim, etc. Percebi que me recordo como escrevi rigorosamente todas elas, e como cada palavra ainda traz os questionamentos que me perturbaram à época. E, claro, pensei na idéia que martela minha fruição toda vez que pego para ler uma edição nacional de algum livro estrangeiro de que todas as traduções são reinterpretações, e de como a palavra que leio em "O trópico de Câncer" não foi exatamente a escolhida por Henry Miller, e que o livro que leio, portanto, é outro, não o seu.

Lembro-me que, quando escrevia uma das canções que acabaria em Hollywood, conversei com a minha Clarissa sobre como a palavra "summer" parecia querer se embrenhar em todos os versos possíveis. Clarissa, em um raro momento onde deixou a admiração de lado e pôs-se como crítica, disse que a palavra estava se tornando uma saída esperada pra mim e que acabaria perdendo a força se a usasse de forma indiscriminada. Convencido, segui o conselho e me esquivei de todos os ataques que a palavra desferia a cada verso, chengado a uma canção sem ecos diretos do verão. Acredito que a chuva que a Clarissa fez cair sobre o meu desfile apenas o fez mais belo, e agradeço-a eternamente por isso.

Poucas semanas depois, descendo da casa de minha chuva (trajeto onde escrevi mentalmente boa parte de minhas canções), comecei a montar uma nova canção na cabeça, com uma levada Weezer que progressivamente desapareceria da canção como a conhecemos. A melodia do verso e do refrão surgiu quase naturalmente, e sentia-me positivamente rondado por uma frase da canção "In the summer's when you really know", do Jets to Brazil, onde Blake Schwarzenbach cantava "you're the only summer that I think I'll ever know". Nunca tive pela palavra "verão" a empatia que sinto pela palavra "summer". Nunca o pensei como uma estação do ano, mas sim como um estado de espírito. Nunca pensei em escrever uma canção sobre um "amor de verão", porque nunca vivi um. Não vejo o amor como uma estação, e não vejo o verão de forma tão substantiva. Guardei a poesia daquele dia no bolso e cantarolei mentalmente a melodia até chegar em casa, para que ela não rumasse para o esquecimento como tantas outras canções que comecei a conceber em meu eterno caminhar.

Escrevi a letra que adornaria a melodia alguns dias depois, durante uma aula perdida na faculdade. Com as palavras vieram também o solo e as duas partes finais da canção, sendo a última delas um agradecimento claro à personificação da estação feita na canção do Jets to Brazil que me inspirara. Desta vez não tentei fugir do verão, mas fiz do título um quase pedido de desculpas à minha primeira leitora por ter fraquejado. A introdução instrumental - como bem me atentaria o Pablo, mais tarde - é quase idêntica à linha de piano de "Thirty three", dos Smashing Pumpkins. E escrevo isso tudo para justificar o tal música/cinema/literatura lá de cima, e, consequentemente, todos os posts que podem acabar por aqui. Até em meu mais íntimo sou derivado, e só por isso eu me recordo. Minha biografia seria assustadoramente parecida com uma lista telefônica.

6 comentários:

Anônimo disse...

eita...

comparar tua biografia a uma lista telefonica eh um tanto qto exagerado...

mas.. sempre tive a mesma impressão a respeito da palavra "summer".. nunca consegui dar a tradução "verão" à ela..

humpf!

Anônimo disse...

Há uma proposição do Borges sobre algo do gênero. Imagina a beleza da palavra "moon", que se alonga gerando uma sensação, enquanto a correspondente, que ele diz não ser correspondente (luna) não lhe causa a mesma impressão. Algo assim....

Anônimo disse...

porq noa tenta escrever musicas em portugues fabio?:D
eu sei q a melodia do ingles é muito mais facil ... mas, uma tentiva (além de "faixa escondida" q é um tento bizarra - mais ainda sensacional...)
ou talvez trasnformaria o estilo de musica?;D
se algum dia for fazer eu iria querer ouvir.

e continue com seu summer, todos os dias ao acordarbem cedo, ao deitar bem confortavel e ao poder tomar um bnaho trnaquilo.


estou ansioso pelo EP:D~~ abraços

Anônimo disse...

Fábio,

Ao colocar a palavra Amarcord no título, eu só consegui lembrar do velhinho com o punho indo pra frente e pra trás, com aquele assovio maroto.

Luiz, claro que Faixa Escondida é bizarra e sensacional. Afinal, é de minha autoria. (Na verdade, foi o Fábio quem fez, mas ele ficou com vergonha e deixou eu ficar com os créditos).

Beijos

Rubinho

Fábio Andrade disse...

Luiz Otávio: Compor em inglês é parte do meu universo. Possíveis canções em português (que não componho simplesmente por falta de vontade... não tenho nenhum interesse em fazê-lo, e se não sinto vontade não irei tentar me convencer do contrário) seriam tão distantes de tudo que faço que pareceriam de outra pessoa. Sei que isso é uma questão muito delicada, mas universos são universos e eu não conseguiria sobreviver fora do meu. Em alguns casos a língua é importante (Fellini, por exemplo, se negava a filmar em qualquer outra língua que não o italiano, pois era a língua do seu universo artístico), mas em outros simplesmente não é uma questão (pra ficar nas referências cinematográficas, a maior parte dos grandes diretores hollywoodianos não era americana). Gosto da explicação borgiana do Capilé: "estrela" para mim nunca terá o mesmo efeito de "star".

Rubão: Sabia que você só se lembraria dessa cena, afinal você não seria você se isso não acontecesse. Mas só pra justificar a existência do título para além da punhetagem (que já é motivo nobre o suficiente) no dialeto falado no filme do Fellini (siciliano, acredito) a palavra "amarcord" significa "eu me lembro".

Anônimo disse...

uhn.. entendo:D

summer pra vcs!