sexta-feira, outubro 13, 2006

E o VMB vai para... mim!

Confesso que não vi o VMB. Não costumo sequer assistir ao Oscar, portanto não me sinto motivado o suficiente para aturar piadas sem sal contadas por convidados e residentes sob a pressão do figurino (que já não dão nenhum show de carisma em condições ideais), sobre clipes ruins de bandas que normalmente não gosto. Antes de dormir, porém, costumo dedicar minhas últimas piscadas à TV, e acabei acompanhando um trecho da festa pós-festa. Embora o VJ que curte Radiohead pra caralho tenha tentado dar uma animada mantendo os convidados do "Pânico na TV" o tempo todo no vídeo, meu sono chegou rápido. Enquanto buscava o controle remoto perdido sob o travesseiro, o VJ que curte Radiohead pra caralho entrevistava a banda Banzé (ou BNZ!, como eles parecem preferir), que com o clipe de "Doce ilusão" faturara o prêmio de melhor vídeo independente.

Não tenho maiores lembranças da canção vencedora, mas me recordo de, na única vez que vi "Doce ilusão" na MTV, ter passado 90% da duração do vídeo pensando estar diante de um raro caso de um videoclipe brasileiro que refletia uma compreensão maior do formato por parte do diretor (o estreante Paulinho Caruso). Os outros 10%, porém, seriam um exemplo perfeito de como os profissionais brasileiros falham em compreender o que existe de mais essencial no videoclipe enquanto expressão artística/veículo comercial. O clipe de "Doce ilusão" é uma curiosa combinação de síntese e paradoxo, expondo ao mesmo tempo o grande potencial e as maiores armadilhas de um nicho ainda tão subaproveitado da produção audiovisual no Brasil.

Caruso parte do bom princípio de que um clipe se sustenta em uma boa idéia visual. Recorre ao já manjado, mas ainda razoavelmente eficiente, plano-sequência aparente (escondendo dois ou três cortes no céu ou em rampas de edição) para brincar com a realização do próprio vídeo: em vez de a câmera enquadrar a banda, a produção se torna tão sofisticada que é a banda que tem de correr atrás da câmera (para a frente dela, na verdade). Além do bom-humor na metalinguagem (o clipe parece debochar de todos os recursos de que dispõe, construindo a narrativa de forma que ela aproveite tudo que a produção tem à mão - em vez de produzir os recursos para possibilitar a narrativa idealizada), a brincadeira com a construção da mise-én-scène gera situações insólitas (como os amplificadores sendo empurrados por contra-regras, e a bateria, que ora é puxada em um carrinho, ora e desmontada e remontada para acompanhar o movimento da câmera) e uma boa discussão sobre a própria relação banda x diretor na produção de uma obra que deve representar ambos artisticamente (no caso, a banda que precisa "se enquadrar", não só para corresponder a uma idéia do diretor, mas também para entrar no quadro, de fato). Uma idéia original, que rende boas situações visuais (todo o desenvolvimento narrativo parte de contradições geradas por essa única idéia-base) e que instiga o espectador sem descumprir sua função de peça de promoção.

O problema, porém, são os outros 10%: antes de começar a canção, o diretor sente a necessidade de introduzir com um prólogo satírico, explicando que o clipe deveria ser gravado às pressas por conta de um atraso de produção. Esse prólogo - cuja encenação remete ao constrangedor "Só por uma noite", de Johnny Araújo/Charlie Brown Jr.- não só arruína a estranheza em potencial da situação (tudo aquilo que interessava pelo inusitado se torna apenas manifestação do já anunciado), como reflete a patológica necessidade que o videoclipe brasileiro tem de buscar historinhas, de "fazer sentido". Em vez de aproveitar um campo que é pura potência estética, cria-se uma amarra que faz com que os clipes tenham que ser "entendidos" pelo espectador, o que acaba destruindo a fruição. Não acredito que videoclipes não possam ter estórias (o extraordinário "Coffee and tv" do Blur não me deixaria tomar essa posição); o que incomoda é quando as estórias são criadas para justificar opções estéticas originais. O clipe de "Big me" seria legal se antes fossemos avisados de que se trata de uma sátira dos comerciais da Mentos? E "Sabotage"? Não seria a historinha de "Coffee and tv" apenas uma desculpa para que caixinhas de leite circulem por aí? O que nasce primeiro, o sentimento visual ou o roteiro em "1979"?

A necessidade de se fazer entender - justa e necessária em qualquer obra - parece, na maioria dos videoclipes brasileiros, tomar sempre um mesmo caminho. O excesso de didatismo, e muitas vezes uma falta de consciência de mise-én-scène ("Quem já perdeu um sonho aqui", do Hateen; "Memórias", da Pitty; todos os clipes do Charlie Brown Jr.; a maioria dos clipes do CPM-22; etc) condenam o videoclipe brasileiro a um eterno amadorismo, pois pior do que não fazer bem é simplesmente não conhecer o meio pelo qual você busca se expressar. É claro que temos exceções, como o cromatismo quase sempre instigante de Oscar Rodrigues Alves, a originalidade do rapaz do Gram, as referências não raro interessantes de Andrucha Waddington, e um par de bons clipes de bandas como Pato Fu, Bidê ou Balde e Los Hermanos (que para cada "Todo carnaval tem seu fim" comete três "Cara estranho"). Via de regra, porém, estamos entregues a bandas mal enquadradas ("Além de mim", do NX-Zero), idéias que travam as rodas na esperteza ("Você", do Dead Fish), roteiros de novela indie ("Um minuto para o fim do mundo", do CPM-22), clichês de representação ("A minha alma", do Rappa) ou referências mal compreendidas (como "Consumado", de Arnaldo Antunes, que desperdiça uma boa idéia visual ao tentar emular o universo felliniano sem entender a estética do Fellini). Os clipes do "Fantástico" não são tão passado assim.

4 comentários:

Anônimo disse...

hmm...

assim como não assisto novelas, não gosto d videoclips!
sempre acabo me decepcionando, e a ideia q eu tinha a respeito da canção... vai pelo ralo!

Anônimo disse...

Fala Fábio! Aqui é o Bueno, de Sampa. Também não vi o VMB,estou com uma pressa dos infernos, mas preciso falar com você! Qual é teu e-mail atual? Por favor, envie seu contato para felipe.b.bueno@gmail.com. Fico no aguardo. Grande abraço!

Anônimo disse...

Alguém viu o VMB?
Didática a vídeo-aula... excelente. Fábio sempre um sur plus na estrutura blogueira.
Como você não ouve rap e acha que homens pretos não sabem rimar, cabe dizer que ali esteve a maior injustiça da premiação. Durante sua explicação, cada vez mais, justificava a falta de senso da maioria dos telespectadores da MTV. Pegando os clipes do INUMANOS e do Black Alien, não consigo, melhor, até consigo, entender porque o D2 levou, mais uma vez.

Anônimo disse...

Eu queria muito ter dito isso no ano passado.