terça-feira, novembro 04, 2008
Postado por Fábio Andrade às 1:54 PM
Top 5 da semana
Pra compensar a calmaria da semana passada, volto acompanhando a retrospectiva do gênio F.W. Murnau, e o CurtaCinema. De quebra, ainda deu pra ver o simpático Eu, Meu Irmão e a Nossa Namorada, e o péssimo Quase Irmãos.
Filmes
1 – Aurora (Sunrise: A Song Of Two Humans)
de F.W. Murnau (EUA, 1927) – 10/10
O mundo se divide entre as pessoas que discutem qual seria o mais belo filme já feito, e aqueles que viram Aurora. Revisão emocionada em uma esplendorosa cópia em 35mm; facilmente, um dos grandes programas cinematográficos do ano.
2 – A Última Gargalhada (Der Letzte Mann)
de F.W. Murnau (Alemanha, 1924) – 10/10
Na revisão, bateu como um surpreendente tratado sobre o enquadramento cinematográfico: saltam na tela as janelas, as portas, os espelhos, e todo tipo de moldura, tirando o quadro do estaticismo, tornando-o tanto mais complexo visualmente (a sobreposição de camadas em profundida gera grafismos absolutamente impressionantes) quanto narrativamente (a personagem de Emil Jannings – em uma das mais brilhantes atuações da história do cinema – enxerga o mundo sempre por meio das instituições, justificando, assim, a mediação visual na construção dos planos). Até mesmo o rosto de Jannings se torna uma declaração estética, tomando todo o quadro em sua pluralíssima elasticidade, como se a própria tela do cinema fosse moldada e remoldada por Murnau a cada fotograma. Além disso, tem aquela intevenção final – um dos poucos casos que me furto a contar, por confirmar na reação das pessoas na sessão que a surpresa faz, de fato, uma grande diferença – que entra, fácil, entre as coisas mais geniais e sorridentes que eu já vi na vida.
3 – Nosferatu (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens)
de F.W. Murnau (Alemanha, 1922) – 10/10
Se eu fosse curador de alguma cinemateca, programaria um dia com sequência de Nosferatu, O Bebê de Rosemary, do Polanski, O Intruso, da Claire Denis, e A Vila, do Shyamalan. Idéia a se desenvolver, em um texto pra Cinética.
4 – Abraçar (Ni tsutsumarete)
de Naomi Kawase (Japão, 1992) – 9/10
Há tempos o primeiro filme de Naomi Kawase me aguardava na pilha de DVDs, mas a bela cópia em 16mm exibida pelo CurtaCinema se revelou a melhor condição possível para o primeiro contato com este emocionante trabalho. Se, por vias improváveis, Naomi Kawase sempre filmou a memória (as figuras que, após saírem de cena, seguem rondando os espaços de seus filmes), Abraçar é, literalmente, sobre a construção de uma. A busca pelo pai é o atestado final dessa construção, com aquele último plano em que finalmente vemos seu rosto; em que ele, enfim, se torna parte de suas lembranças. Para além do sempre admirável mergulho contemplativo de Kawase, ficam aqueles belíssimos planos das velhas fotografias habitadas, sobrepostas aos mesmos espaços que, já no presente, aparecem esvaziados. Nessa simples construção, Naomi Kawase faz uma das mais belas traduções visuais para as lacunas deixadas pelo tempo.
5 – Fausto (Faust – Eine deutsche Volkssage)
de F.W. Murnau (Alemanha, 1926) – 8/10
Nunca li o texto original do Goethe, mas o filme me parece dançar entre imagens e construções belíssimas (Murnau era homem de grandes finais) e mudanças constantes de tom que nem sempre se equilibram bem.
Canções
1 – “Runaway Wind”
Paul Westerberg (14 Songs, 1993)
Gênio de cabeceira favorito e terceiro sujeito mais cool do mundo (atrás só de Bob Dylan e Bruce), Paul Westerberg fronteou uma das bandas mais roqueiras da história (Replacements) e voltou pra casa com uma carreira solo ainda mais extraordinária. Como se não fosse suficiente, passou os últimos 5 ou 6 anos lançando discos de gravações caseiras, deixando muito claro de que bastam um SM-58, uma guitarra e uma bateria eletrônica para ele ser mais legal do que qualquer pessoa viva. 14 Songs foi seu primeiro disco solo, com produção limpinha e uma lista nada desprezível de parceiros de estúdio. 15 anos depois de lançado, mantém a cabeça fora d’água como o melhor disco de sua carreira, desfilando rockões malvados como “World Class Fad” e “Knockin’ On Mine”, funkões mega-dançantes como “A Few Minutes Of Silence”, e baladões (sim, tudo nesse disco deve ser chamado no aumentativo, e há boa razão para isso) como essa “Runaway Wind”. Acho incrível como ele começa cantando com voz de caixão, e na última estrofe sobe o registro vocal com precisão técnica e emocional de fazer qualquer roqueiro partir em lágrimas.
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2 – “Gold In Them Hills”
Ron Sexsmith (Cobblestone Runway, 2002)
A melhor parte de se encantar tardiamente com um sujeito como Ron Sexsmith é poder explorar, de uma vez só, discografia tão vasta e descobrir que, conectando as diversas pérolas, há um tecido tão impecável de canções que quase inviabiliza os destaques. Melhor ainda é ir reconhecendo, uma a uma, as canções vistas ao vivo, quando se conhecia apenas um dos seus dez discos, até que a memória começa a misturá-las às novas favoritas e, no fim das contas, já não se sabe bem qual foi mesmo a primeira paixão. “Gold In Them Hills” aparece duas vezes em Cobblestone Runway, mas a versão limpa e mais clássica é a que mais me toca. Não tenho lá grande desejo de fazer filmes, mas “Gold In Them Hills” é o tipo de canção que me deixa com vontade de produzir imagens para acompanhá-la. Poderia ser um filme de merda, mas certamente seria mais interessante do que o clipe da versão remix - tão cafona que traz até o Chris Martin, do Coldplay, fazendo bico.
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3 – “Someone, Somewhere”
The Wannadies (Wannadies, 1997)
Além de ter o nome de banda mais legal da história, os suecos do Wannadies lançaram uma meia-dúzia de belos discos de power pop em 10 anos. Aqui no Brasil, emplacaram dois semi-hits entre os indies (“You & Me Song” e “Might Be Stars”), e tiveram Before & After, seu último álbum, lançado às lixeiras dos saldões de tudo que é loja de cd. “Someone, Somewhere” é o terceiro hit que não chegou a ser, e, além de single, pode ser encontrado nos discos Bagsy Me, e no álbum homônimo compilado para o mercado norte-americano. A canção faz lembrar o Weezer quando o Weezer ainda era bom de verdade (até o Pinkerton, claro), com uma escaleta afogada em fuzz, e uma emulação dos Cardigans em um refrão bossa nova de sotaque engraçado. Esta é a versão do single, mais curta, sem o final estendido que aparece nos discos. Todas elas são igualmente incríveis.
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4 – “Missed The Boat”
Modest Mouse (We Were Dead Before The Ship Even Sank, 2007)
We Were Dead… talvez não traga o gosto de novidade do genial Good News For People Who Love Bad News, mas tem, muito provavelmente, a canção mais bonita que os malucos do Modest Mouse já escreveram (e, vá lá, passado um tempo ele começa até a se mostrar um álbum mais bacana de se ouvir). “Missed The Boat” valoriza as guitarras com delay de Johnny Marr (ex-Smiths, efetivo na banda desde a gravação desse disco), que trazem ao som da banda texturas melodiosas estrangeiras. À canção, sobrevive um pouco do clima corsário que fez fama à banda, mas até ele é tomado de uma resignação agridoce absolutamente comovente. De esquisitice bem sacada de produção, só uma harmonização de voz várias oitavas abaixo, colorindo a quinta estrofe, e um bumbo com um grave mágico. Além da beleza sonora, tem uma letra devastadoramente suave. Basta passar o olho pela primeira estrofe:
While we're on the subject
Could we change the subject now?
I was knocking on your ears
Don't worry, you were always out
Looking towards the future
We were begging for the past
Well, we know we had the good things
But those never seemed to last
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5 – “Rebel In You”
Supergrass (Diamond Hoo Ha, 2008)
O Supergrass é uma das bandas mais legais do mundo, e é uma satisfação enorme vê-los escolher a canção mais fácil de Diamond Hoo Ha como primeiro single. Satisfação porque Road To Rouen - belo disco em sua sombra particular - parecia um mergulho sem volta na psicodelia noturna que já apontava em todos os trabalhos da banda desde In It for the Money. A questão é que ninguém compõe canções coloridas e britânicas tão bem quanto o Supergrass e, embora Diamond Hoo Ha não seja tão florido quanto a obra-prima Life on Other Planets, é ótimo ver que a fé da banda nesse seu transbordante talento em tons maiores segue inabalada. “Rebel In You” lembra David Bowie para além de ter “rebel” no título, é cheia de backing vocals em falsete, e nas primeiras audições salta como destaque fácil dentro de um disco que, no geral, parece uma mistura do In It for the Money com White Stripes. Se isso é ou não um elogio, só mais algumas audições poderão dizer.
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