sábado, abril 29, 2006



Hanson - Underneath

Há muito venho fazendo uma defesa pública do Hanson. Passada uma rápida rejeição inicial pelo excesso de execução da simpática "Mmm Bop", comecei a perceber a injustiça feita pela imprensa musical em vender a banda como mais uma das boy bands que estavam tão em voga à época. Se não fosse o fato de ser um banda composta realmente por garotos, os pontos de convergência entre Hanson e os milhares de N Syncs se limitaria simplesmente ao público consumidor. Se em um primeiro momento a banda foi vendida visando justamente um público adolescente feminino (escolha duvidosa, pois era exatamente o tipo de banda que poderia agradar famílias inteiras), aos poucos tornaram-se perceptíveis intenções de real amadurecimento musical por parte dos três irmãos, coisa que sempre passou à margem do universo das boy bands.

Não que esse amadurecimento fosse de fato necessário. Desde "Mmm Bop" e "Where’s the love" o Hanson já aparecia como uma simpática versão caucasiana do extraordinário Jackson 5, coisa que ficava clara até mesmo nas canções da banda (seria forçar muito a barra imaginar o jovem Michael Jackson cantando "Mmm bop"?). Ainda assim, os três irmãos de Oklahoma pareciam teimar em deixar de lado a co-autoria de canções ao lado de compositores de renome para buscar um caminho mais pessoal. Aos poucos a ingenuidade calculada do primeiro momento começou a ceder espaço a canções pop mais maduras, e de single para single víamos os três garotos crescendo diante de nossos olhos.

A minha simpatia se tornou admiração à época do disco This time around (2000), principalmente por conta do single "If only". Lembro-me de ouvir a canção no rádio pela primeira vez e ter a nítida sensação do amadurecimento da banda toda condensada no ótimo refrão da canção (que depois viria a ser não tão discretamente surrupiado pelo Offspring em "Want you bad", justamente por essa safadeza uma das melhores canções da banda nos últimos anos). "If only" passou a figurar minhas coletâneas, e foi prontamente executada nas poucas vezes que fui convidado para discotecar em festas. Ainda assim, a admiração pelos Hanson era freada pela falta de interesse no material da banda para além dos singles. Embora "If only" e "Save me" tivessem me impressionado enquanto canções, só fui ouvir o This time around anos depois, quando já havia decidido colocar meu dinheiro em meu discurso e comprar, finalmente, um cd do Hanson.

Encontrei Underneath (2004) em um desses saldões de cd onde sempre me enfurno em busca de ar fresco barato. Mais uma vez os singles já haviam me interessado, e o bom gosto evidente em toda a parte gráfica do cd me convenceu a, definitivamente, abrir a carteira pelos rapazes. Embora Underneath não seja um disco perfeito, todo o seu contexto faz dele uma experiência extremamente agradável. Em primeiro lugar, trata-se de um disco de maturidade. Após o relativo fracasso de público de This time around, a banda rompeu com a gravadora Geffen e decidiu lançar seu novo disco de forma independente. Se a produção de Underneath ainda soa muito limpa para ouvidos roqueiros, já é possível perceber nas entrelinhas uma vontade de romper com a esterilidade pop e buscar sonoridades mais humanas, mais acústicas. Se somarmos a isso a bela predominância dos tons pastéis da arte, e até mesmo o caprichado trabalho de fotografia dos clipes desse álbum (em especial o de "Penny and me") começa a ficar clara a intenção da banda de se dissociar da imagem descartável do passado e de redirecionar seu trabalho para um público jovem-adulto. Em vez da ingenuidade das letras de outrora temos a rica criação de atmosfera em canções como a estonteante "Penny and me", que evoca imagens já de um universo adulto. Saem as harmonizações vocais em excesso para dar lugar a canções individuais dos três irmãos, deixando o evidente talento vocal familiar conjunto aparecer discretamente em refrões ou pontes.

Underneath não é um disco perfeito por dois motivos interligados: nem todas as canções são igualmente boas, o que faz o disco ser longo demais (passando de uma hora de duração, embora tenha algumas surpresas escondidas no final). Se em vez das 13 canções do disco tivéssemos dez, Underneath seria, sem muita dificuldade, um dos discos pop mais coesos dos últimos anos. "Strong enough to break" abre com ecos de Goo Goo Dolls e outras bandas competentes de rock de rádio. "Dancin’ in the Wind" e a dançante "Get up and go" fazem pensar em Superdrag, enquanto a balada "Misery" lembra os melhores momentos do Coldplay. As ensolaradas "Penny and me" e "Deeper" impressionam não só pelos inspiradíssimos refrões, mas também pelo cuidado de fazer música e letra trabalharem em harmonia. Além disso, temos "Lost without each other", canção composta junto com Gregg Alexander (do finado New Radicals), irresistível convite para dançar que traz à cabeça as canções mais inspiradas do Pretenders.

Embora exista em mim uma calculada preocupação em defender quebra de preconceitos artísticos, Underneath se sustenta tranqüilamente sozinho, para além de qualquer intenção ou discurso. Se artistas como Guster, Fountains of Wayne, Ben Lee, Goo Goo Dolls e Ben Kweller têm garantido que os últimos anos sejam futuramente lembrados por bons discos pop, o Hanson engrossa a lista trazendo consigo o charme de serem garotos que conheceram o sucesso muito cedo e, ainda assim, não se acomodaram com a fôrma. Underneath é a prova do triunfo da inquietação de jovens artistas que acreditam na música que possuem dentro de si, e - dentro de certos limites, reconheço - decidem driblar as imposições da indústria e investir o dinheiro que ganharam nas canções que queriam fazer.

segunda-feira, abril 24, 2006

Piovani, Demy e a canção da semana

Há algum tempo venho acompanhando, com algum interesse, as mudanças de direcionamento do canal GNT. Embora num primeiro momento as tais mudanças (até onde sei para tentar aumentar a audiência do canal) tenham sido anunciadas como "imperceptíveis para o espectador" pelo canal, aos poucos começamos a notar que a intenção transcendia a saudável troca das vinhetas de jornalismo duro por um visual mais clean e moderno. Aos poucos, as vinhetas passaram a ser tomadas por silhuetas femininas a la propaganda de sabonete, programas de temáticas Marie Claire começaram a pipocar pela grade do canal, e, mais recentemente, abriu-se até uma faixa para filmes que "abordassem a temática feminina". As tais mudanças imperceptíveis fizeram da Globo News Television (sim, o GNT já se chamava Globo News antes da existência da Globo News) "o canal da mulher".

Apesar de uma segmentação por meio de uma generalidade sempre me parecer duvidosa, admito (de forma bem otimista!) não ser isso o determinante da qualidade da programação do canal. Bons programas como "A cozinha de Oliver", a faixa fixa de documentários (que várias vezes pende para o jornalismo duro de outrora, mas vez por outra passa boas jóias) e até mesmo o "Marília Gabriela Entrevista" (aproveitei a chance de fazer publicidade do meu programa aqui no blog!) apontam para um lado, enquanto que os documentários caça-níqueis sobre paparazzis, e o desserviço de programas como "Superbonita", "Nós & Eles" e "Mulher Solteira Procura" (sem dúvida o pior dos três) constroem uma visão no mínimo questionável do tal "universo feminino". Esse mesmo olhar que move revistas como "Capricho" ou "Marie Claire", que é pseudo-intelectualizado por programas como "Sex and the city", que ilude-se de uma intenção feminista e acaba por exaltar um machismo consentido, parecia comer um dos melhores canais da tv brasileira pelas beiradas. Não à toa, assim que o GNT se admitiu como "o canal da mulher", não tardou a ser criado o FX, "o canal do homem".

Tenho sobrevivido bem a essa mulher que o GNT tenta agradar/construir/promover, embora mantenha com ela uma relação estritamente televisiva (quando muito). Até que na última semana, enquanto alternava entre um sofrível jogo do Flamengo na Globo e a versão brasileira do "American Idol" no SBT (combinação que só perde em inusitado para o dia em que emendei uma sessão de "Nascido para matar" com "Queer eye for the straight guy"), dei um pulo no 41 para espiar o que a diversidade feminina discutia no "Saia Justa". Se a hostilidade velada (porém visível) entre Fernanda Young e Marina garantia um mínimo de interesse no elenco passado, com a reformulação da equipe o "Saia Justa" caiu de vez na completa irrelevância. E quando ia retornar para os comentários do Miranda, Luana Piovani perguntou a suas colegas (cito de cabeça): vocês ficam muito decepcionadas quando pegam um cara que tem o pau fino? .

Juro que até em meus momentos mais pudicos fujo do moralismo, portanto não entrarei (já entrando) no mérito de que a frase de Luana Piovani foi o que de mais grosseiro ouvi na televisão (em horário nobre, ainda por cima) em um programa que parece se levar com um mínimo de seriedade. O que me surpreendeu, após os minutos de incontornável constrangimento que tive como espectador, foi perceber que nunca tinha ouvido um homem falar de forma tão desrespeitosa sobre uma mulher. Até mesmo em programas chauvinistas como "It’s a man’s world", ou nas conversas menos dignas que já entreouvi nessa vida, não me recordo de já ter ouvido um homem associar uma particularidade estritamente anatômica com performance, ou algo do tipo. As proporções podem agradar mais ou menos, mas limitam-se enquanto preferências. Afinal, o contrário seria como zombar do aleijado!

Luana Piovani - que até então eu acreditava ser somente burra, mas desde então estou convencido ser pessoa da pior categoria - chegou ao ponto de dizer que avisava as amigas quando pegava um cara de pau fino! "Iiihhhh, não pega ele não porque o cara tem pau fino!". Beth Lago, a inteligência descolada do programa, admitiu ter terminado um relacionamento com uma pessoa (afinal, quem é da televisão sempre diz ter um relacionamento com uma "pessoa", porque definir seria preconceito, mesmo quando o assunto é o pau da "pessoa") "super bacana" (as pessoas da tv também adoram falar "super") por conta do diâmetro. Atordoado com Luana, a discussão sobre covinhas no "SuperBonita", as solteironas que sempre terminam seu dia flertando em uma happy hour no Outback no "Mulher Solteira Procura" (que, pouco depois, exibiria um episódio sobre uma mulher cuja maior satisfação era sentar numa livraria, pedir um café, acender um cigarro e ler um livro fazendo ar blasé - palavras dela!), o enrustido "Contemporâneo", nada disso me pareceu mais abjeto, e sim simples futilidades. Obrigado Luana, por ter tornado todo o resto da programação do "canal da mulher" menos ultrajante.

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Por outro lado, é claro que só escrevi tudo isso porque eu tenho pau fino...


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Quem mora no Rio não pode perder a oportunidade de assistir no cinema Pele de Asno, clássico de 1970 dirigido por Jacques Demy e relançado em circuito na cidade pelo Grupo Estação. Além de o trabalho de cor absolutamente extraordinário de Demy (que atingira o ápice com "Os guarda-chuvas do amor", filme que ficou famoso por ter rigorosamente todos os seus diálogos musicados) brilhar de forma mais impressionante na película estalando de nova (fujam das salas exibindo o filme em projeção digital!), e das músicas sempre cativantes de Michel Legrand (que consegue fazer uma receita de bolo - literalmente: ovo, leite, farinha, etc - soar encantadora na boca de Catherine Deneuve), é extremamente curioso ver como um diretor ligado às vanguardas - no caso, a nouvelle vague francesa - trabalhou um gênero tão difícil - aqui, a fábula infantil. Jacques Demy foi um esteta muito particular, e "Pele de Asno" antecipa traços que seriam aprofundados pelo cinema posteriormente, ecoando em especial no trabalho de Tim Burton.

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"Quando deus te desenhou, ele tava namorando".

sexta-feira, abril 14, 2006

Amarcord: One last song about summer

Quando comecei o Fabito's Way me impus o desafio de não escrever somente sobre música/cinema/literatura por aqui, numa tentativa de não fazer desse blog um desajambrado espaço de crítica. Também havia me prometido que fugas ao passado seriam reduzidas, embora reconheça que os limites entre passado, presente e futuro sejam os mais difusos, e que um parece pertubar o domínio do outro constantemente. Ainda assim, por medo da nostalgia, prometi-me uma estrada reta em direção ao horizonte, e por alguns momentos me deixei admirar o brilho do sol refletido nas pedras incrustada no asfalto. Levei pouco tempo para admitir a idéia de que seria biografado dos mais tediosos, e que se não falasse sobre música/cinema/literatura por aqui, acabaria não falando sobre nada.

Foi aí que topei com esta tradução de "One last song about summer" e, após me encantar com a flexibilidade de meu ego ao perceber que alguém havia separado um tempinho de sua vida para traduzir minhas palavras (e, sim, fico absolutamente lisonjeado com isso), comecei também a perceber como algumas frases ganharam traduções para mim inesperadas, e daí passei a puxar da memória todo o processo de criação da canção, que, como nos melodramas baseados em estórias reais que vimos dublados na televisão, parecia ter caído em um poço enquanto brincava inocentemente em um ensolarado quintal.

E de tal parágrafo monofrásico me peguei lembrando de como havia escrito cada uma das minhas canções... que parte surgira primeiro, onde estava quando fui tomado pela melodia, qual verso havia definido o espírito da canção para mim, etc. Percebi que me recordo como escrevi rigorosamente todas elas, e como cada palavra ainda traz os questionamentos que me perturbaram à época. E, claro, pensei na idéia que martela minha fruição toda vez que pego para ler uma edição nacional de algum livro estrangeiro de que todas as traduções são reinterpretações, e de como a palavra que leio em "O trópico de Câncer" não foi exatamente a escolhida por Henry Miller, e que o livro que leio, portanto, é outro, não o seu.

Lembro-me que, quando escrevia uma das canções que acabaria em Hollywood, conversei com a minha Clarissa sobre como a palavra "summer" parecia querer se embrenhar em todos os versos possíveis. Clarissa, em um raro momento onde deixou a admiração de lado e pôs-se como crítica, disse que a palavra estava se tornando uma saída esperada pra mim e que acabaria perdendo a força se a usasse de forma indiscriminada. Convencido, segui o conselho e me esquivei de todos os ataques que a palavra desferia a cada verso, chengado a uma canção sem ecos diretos do verão. Acredito que a chuva que a Clarissa fez cair sobre o meu desfile apenas o fez mais belo, e agradeço-a eternamente por isso.

Poucas semanas depois, descendo da casa de minha chuva (trajeto onde escrevi mentalmente boa parte de minhas canções), comecei a montar uma nova canção na cabeça, com uma levada Weezer que progressivamente desapareceria da canção como a conhecemos. A melodia do verso e do refrão surgiu quase naturalmente, e sentia-me positivamente rondado por uma frase da canção "In the summer's when you really know", do Jets to Brazil, onde Blake Schwarzenbach cantava "you're the only summer that I think I'll ever know". Nunca tive pela palavra "verão" a empatia que sinto pela palavra "summer". Nunca o pensei como uma estação do ano, mas sim como um estado de espírito. Nunca pensei em escrever uma canção sobre um "amor de verão", porque nunca vivi um. Não vejo o amor como uma estação, e não vejo o verão de forma tão substantiva. Guardei a poesia daquele dia no bolso e cantarolei mentalmente a melodia até chegar em casa, para que ela não rumasse para o esquecimento como tantas outras canções que comecei a conceber em meu eterno caminhar.

Escrevi a letra que adornaria a melodia alguns dias depois, durante uma aula perdida na faculdade. Com as palavras vieram também o solo e as duas partes finais da canção, sendo a última delas um agradecimento claro à personificação da estação feita na canção do Jets to Brazil que me inspirara. Desta vez não tentei fugir do verão, mas fiz do título um quase pedido de desculpas à minha primeira leitora por ter fraquejado. A introdução instrumental - como bem me atentaria o Pablo, mais tarde - é quase idêntica à linha de piano de "Thirty three", dos Smashing Pumpkins. E escrevo isso tudo para justificar o tal música/cinema/literatura lá de cima, e, consequentemente, todos os posts que podem acabar por aqui. Até em meu mais íntimo sou derivado, e só por isso eu me recordo. Minha biografia seria assustadoramente parecida com uma lista telefônica.

quarta-feira, abril 12, 2006

Pelo retorno das ombreiras

Passei as últimas semanas completamente sufocado de tarefas. No sábado, eu e minha pequena fomos nos aventurar na cidade de Atibaia, onde rolava o show do Supergrass no festival Campari Rock. O site Sobre Música me convidou pra escrever um texto sobre o show, então por aqui eu deixo a impressão extra-música que fiquei do festival: nossa geração conseguiu bater a dos anos 80 em termos de mau gosto pra se vestir. É claro que uma resposta ao descompromisso dos anos 90 eventualmente viria, mas confesso que não estava preparado para viver em um mundo onde os roqueiros de hoje são facilmente confundidos com meninas feias e mal vestidas.

Agora que as coisas começam a voltar aos eixos, prometo me dedicar mais a esse rebento nos próximos dias. E aproveito para anunciar que "Hollywood" já tem data de lançamento, que a versão final de Sugar High já está no ar, que tem um último show no Rio marcado pro dia 30 (no clássico Teatro Odisséia) e que o sistema de pré-venda do ep já tá rolando. Agora prove que você é um leitor dedicado e me dê um pouco do seu dinheiro, ok?