quinta-feira, maio 29, 2008

Melhores de 2007

03 – Bruce Springsteen – Magic


Em época em que todo estreante já é capaz de se entregar aos prazeres da auto-referência, a diferença substancial só vem às claras quando um sujeito com uma obra monumental, como é o caso de Bruce Springsteen, devolve ao processo a força de seu significado. Em 30 anos de carreira, Bruce vem re-escrevendo uma relação apaixonada – e, por isso mesmo, conflituosa – com seu próprio lar, tanto geográfico quanto musical. A auto-referência se expande em Magic, arrebentando as correntes do fascínio por um mundo ficcional hermético, e, como um papel dobrado, promovendo encontro entre pontos que o tempo e o espaço separaram em distância. Depois de 30 anos de plena invenção musical, Bruce resolve olhar para o passado com uma abrangência que sua pontualidade política nunca permitira e faz, com isso, um de seus melhores álbuns.

Tratando-se de um sujeito que sempre se colocou no mesmo plano de seu país, é bastante significativo que o desvio do olhar se dê no presente momento. Com The Rising, seu extraordinário disco pós-11 de Setembro, Springsteen se via diante de um lar partido. Como lhe é de praxe, sua exaltação do heroísmo do homem comum vagava pelos destroços de uma terra que, imortalizada em décadas de suas próprias canções, parecia irreconhecível. Devils & Dust, de 2005, iniciava o retorno ao passado pela exceção: era uma visita ao universo sombrio e in progress de Nebraska (já revisitado, pouco antes, em The Ghost of Tom Joad), seu disco de demos acústicas lançado em 1982. O retorno é significativo, pois Nebraska era, sobretudo, um disco de luto. Esse luto se manifestava por uma dupla via metalingüística, desnudando as canções dos arranjos da E Street Band em uma terra onde as pessoas matam e morrem porque caminham pelo mundo. Nos primeiros versos das faixas que entitulam e abrem ambos os álbuns, encontramos frases como “Me and her went for a ride sir and ten innocent people died” (em “Nebraska”) e “I got my finger on the trigger / But I don't know who to trust” (em “Devils & Dust”). Depois do esvaziamento do conforto da era Clinton em The Ghost of Tom Joad, e da destruição que reaquecia a fé em The Rising, o homem comum springsteeneano caminhava pelo deserto sempre com um dedo no gatilho.

Mas Bruce sempre foi, em sua alma, um progressista. Se o terror faz uma sombra momentânea em suas canções, é apenas pelo tempo necessário para recolher os cacos e começar sua reconstrução. A resposta mais eloqüente à era Bush viria em 2006, com We Shall Overcome: The Seeger Sessions. Em seu primeiro disco de covers, Bruce ressuscitava as canções de Pete Seeger, o homem-ícone da transformação pregada pelo movimento folk norte-americano (embora, para a música pop, tenha ficado marcado como o sujeito conservador que tentara desplugar Bob Dylan no lendário concerto de 1965). Da crise mais aguda, ouvíamos ressurgir o coro de “We Shall Overcome”, injetando vida em um país pela rememoração de sua própria luta, da resistência de virtudes abandonadas no passado.

Com exceção de seus marcados discos de luto, a carreira de Bruce Springsteen pode ser pensada, retrospectivamente, em blocos temáticos. O primeiro momento é o da juventude encantada pela música negra norte-americana, com Greetings from Asbury Park, N.J. e The Wild, The Innocent and the E Street Shuffle (ambos de 1973). Em seqüência, os épicos proletários de Born to Run (1975) e Darkness on the Edge of Town (1978). A entrada na nova década é marcada pelo deslumbramento diante da possibilidade de se criar uma nova estética pop-rock, tomada por sintetizadores e texturas outras, que vão do esplendor criativo (The River e Born in the USA) ao princípio da decadência (a dupla Human Touch e Lucky Town, de 1992). E aí entramos, enfim, na era de nostalgia pós-Rising, da qual Magic se firma como presença mais otimista.

Não à toa, esse momento coincide com a possível renovação democrata norte-americana, em um ano em que os cantos de resistência podem dar lugar à revitalização dos ícones e dos valores de uma América em reconstrução (já que a iminência das crises políticas e econômicas nunca interessou Bruce – em essência, um sujeito movido por conseqüências, e não causas). O passeio pelo passado – mais ou menos longínquo – vai buscar o que mereceria preservação por ressoar no mundo de hoje. De toda aquela divisão em temas do parágrafo anterior, só uma permanece inacessível: a juventude. A volta aos primeiros dias é impossível, pois a força daquele momento sobrevive, de fato, na fugacidade dos olhos frescos. Hoje, Bruce Springsteen é um senhor de idade. O frescor de seus olhos fora substituído, porém, pelo brilho enternecido de uma leve nostalgia que, em um processo de leitura cumulativo, atualiza os sonhos do passado com as cores do mundo de hoje.

Pois Magic é, em essência, um disco sobre personagens cientes da proximidade de seu desaparecimento. A vontade de Bruce de se colocar, sempre, no plano do mundo fica expressa logo na primeira canção: em “Radio Nowhere” ele se pergunta se, nos dias de hoje, sua voz ainda ressoa em algum lugar. O desejo de entrar no ritmo do mundo (“I just want to hear some rhythm”) é sempre interrompido pela dúvida de seu próprio tempo (“This is radio nowhere / Is there anybody alive out there?”). Ao estabelecer seu plano de criação, Bruce Springsteen evidencia o óbvio sempre esquecido: é por esses olhos ameaçados de morte que ele construirá suas personagens. A morte pode se encarnar na gravidade que derruba a juventude (na belíssima “You’ll Be Coming Down”), em um relacionamento atormentado pela certeza de que não durará para sempre (“Livin’ in the Future” – canção que revisita o repertório sonoro de Born in the USA com uma vitalidade embasbacante) ou na epifania religiosa do amante que observa a amada, e que sobrevive ao desaparecimento de civilizações inteiras (“I’ll Work For Your Love”, uma das letras mais bonitas do disco, e com uma introdução em piano digna de “Thunder Road”).

Essa consciência aguda de sua própria finitude é devastadora, e talvez só encontre paralelo recente no deslumbrante Modern Times, de Bob Dylan. É quando pensada em sua ambigüidade que ela encontra maior força, e em Magic isso fica mais claro em duas estupendas canções: “Girls In Their Summer Clothes” e “Long Walk Home”. Em ambas, Bruce dirige pelas ruas mágicas de cidades mortas, povoadas pelas lembranças de tempos distantes, em um desfile felliniano por espaços idealizados pelo tempo passado (os letreiros de neon, as luzes sonolentas de uma varanda, as lanchonetes e barbearias, a bandeira que se impõe sobre o fórum como a cruz sobre a torre da igreja). Magic é a percepção da sombra da morte sobre um homem que tem plena consciência que levará consigo uma era, um imaginário. O mais impressionante é que Bruce Springsteen olha – em auto-referência sujeita às críticas sempre dirigidas aos artistas que, em dado momento, resolvem celebrar sua própria vida – para todo esse desfile com um olhar ainda tomado pelo desejo de se manter em movimento, na dança de sua própria vida. Como afirma, em “Girls In Their Summer Clothes”:

“She went away, she cut me like a knife / Hello beautiful thing, maybe you could save my life / In just a glance, down here on magic street / Love’s a fool's dance /
And I ain't got much sense, but I still got my feet”.


For Dummies
Álbuns de Bruce Springsteen recomendados em ordem decrescente de interesse:

01 - Born to Run (1976)
02 - The Wild, The Innocent and the E Street Shuffle (1973)
03 - Darkness On The Edge of Town (1978)
04 - Greetings from Asbury Park, N.J. (1973)
05 - The River (1980)
06 - Born in the USA (1984)
07 - The Rising (2002)
08 - Magic (2007)
09 - We Shall Overcome: The Seeger Sessions (2006)
10 - Nebraska (1982)
11 - Tunnel of Love (1987)
12 - Devils & Dust (2005)
13 - Human Touch (1992)
14 - Lucky Town (1992)
15 - The Ghost of Tom Joad (1995)

Bob Mould


Não é que District Line (2008) não seja um bom álbum, mas a distância que existe entre os dois discos de rock anteriores de Mould (The Last Dog and Pony Show, de 1998 - Body of Song, de 2005) parece ser a medida exata para a diferença de grandeza entre "Paralyzed" (a melhor música de Body of Song) e "The Silence Between Us" (a melhor faixa deste último disco). No caso de Mould, o tempo parece ser realmente capaz de produzir saltos espantosos.

quarta-feira, maio 28, 2008

Um plano


Extrato de See Heaven, de Naomi Kawase.

sexta-feira, maio 16, 2008

Obrigado, DMX



Em entrevista à XXLmag.com, o rapper DMX nos presenteou com os mais valiosos dois centavos que li recentemente sobre a corrida presidencial norte-americana. Ctrl+C, Ctrl+V:

Are you following the presidential race?
Not at all.

You’re not? You know there’s a Black guy running, Barack Obama and then there’s Hillary Clinton.
His name is Barack?!

Barack Obama, yeah.
Barack?!

Barack.
What the fuck is a Barack?! Barack Obama. Where he from, Africa?

Yeah, his dad is from Kenya.
Barack Obama?

Yeah.
What the fuck?! That ain’t no fuckin’ name, yo. That ain’t that nigga’s name. You can’t be serious. Barack Obama. Get the fuck outta here.

You’re telling me you haven’t heard about him before.
I ain’t really paying much attention.

I mean, it’s pretty big if a Black…
Wow, Barack! The nigga’s name is Barack. Barack? Nigga named Barack Obama. What the fuck, man?! Is he serious? That ain’t his fuckin’ name. Ima tell this nigga when I see him, “Stop that bullshit. Stop that bullshit” [laughs] “That ain’t your fuckin’ name.” Your momma ain’t name you no damn Barack.

* * *

A leitura da entrevista completa é mais do que recomendada.

quarta-feira, maio 14, 2008

Melhores de 2007

04 – Josh Ritter – The Historical Conquests of Josh Ritter


Se o Jeff Tweedy seria o mais próximo que a nossa geração chegou de ter seu próprio Bob Dylan, o Josh Ritter é o mais perto que chegamos de ter alguém que soe exatamente como o Bob Dylan. Enquanto seus dois primeiros discos pareciam não trazer mais que um jovem artista folk de notável talento, é a partir de The Animal Years que a obsessão em se tornar, de fato, Dylan vira o norte de seu trabalho. The Historical Conquests of Josh Ritter é o passo adiante nessa mesma missão. O curioso é que essa vontade de Ritter – que, reza a lenda, decidiu aprender a tocar guitarra após ouvir Dylan e Cash repartirem os vocais de “Girl From the North Country” – por Dylan é, claramente, uma obsessão de fã: seu projeto artístico está claramente mais interessado no trânsito livre pela deambulação rítmica que marcara a carreira de Dylan, do que em se tornar um sósia irreconhecível em sua individualidade. É exatamente nesse salto que The Historical Conquests deixa de ser uma boa imitação, e se torna uma fascinante declaração de amor musical.

Nesse passeio pela discografia de Dylan – e que inclui, em certa medida, seus ancestrais e sua prole – é natural que Ritter vá à primeira grande ruptura promovida pelo mentor, abrindo The Historical Conquests com sua própria versão para “Subterranean Homesick Blues”: “To The Dogs or Whoever” mergulha em um palavrório sem freios decidido a atropelar a métrica, convocando de Joana D’Arc a Casey Jones para uma dança freneticamente desregrada, capaz de girar em versos escorregadios que se agarram em imagens absolutamente poderosas (“Through the wreck of a brass band I thought I could see her / In a cakewalk she came through the dead and the lame / Just a little bird floating on a hurricane” ou, minha favorita, “Running her hands through the ribs of the dark”). A urgência da levada quase punk da música só tem a crescer se lembrarmos de “Girl In The War”, a linda balada que abria The Animal Years. Mais do que uma análise acadêmica do cancioneiro de Dylan, The Historical Conquests traz Josh Ritter clamando por uma possessão.

“Right Moves”
– canção que apareceu aqui no meu mix de melhores do ano – acompanha Dylan em sua busca pelo pop perfeito ao lado dos Travelling Wilburys. Em uma de suas melhores canções, Ritter mistura o refinamento de Dylan com a sensibilidade quase ingênua de George Harrison, e o olhar pseudo-operário de Tom Petty, colorindo uma melodia próxima do universo quase infantil construído por Brian Wilson. É uma canção que celebra a vida com leveza, sem frear os impulsos de se divertir nas convenções, ou de fechar uma estrofe com um mi maior, mesmo quando ele parece absolutamente previsível em sua obrigatoriedade.

“The Tempation of Adam” parece, em princípio, um retorno ao formato acústico de Freewheelin’ ou Another Side of Bob Dylan, mas é perturbada em sua lógica por uma intromissão mais significativa do que o belo fraseado de cordas e metais que parte a canção ao meio: Ritter pega um dos temas mais caros da música pop – o velho sentimento do casal que se consome em isolamento diante do mundo – e o transfigura em literalidade ao colocá-los em um abrigo nuclear, à espera da terceira guerra mundial. Isso rende uma das letras mais impressionantes de sua carreira, começando com “If this was the Cold War we could keep each other warm”, e terminando com “Would we ever really care the world had ended
/ You could hold me here forever like you're holding me tonight / I look at that great big red button and I'm tempted”.

“Rumors” segue para Highway 61 Revisited, criando uma versão não balada de “Ballad of a Thin Man”. A intromissão instrumental “Edge of the World” poderia nascer em Pat Garret & Billy The Kid, se o filme de Peckinpah repousasse no conforto das nuvens. “Next To The Last True Romantic” caberia em medley com “Maggie’s Farm” ou “Tombstone Blues”. A belíssima “Still Beating” lembra o Dylan sereno de Blood On The Tracks (“Simple Twist of Fate”, por exemplo), mas torna a simplicidade mais complexa com um belo arranjo de trompa e texturas de scrap guitar.

Embora Josh Ritter sempre conduza suas referências a lugares que elas não iriam com os próprios pés, é quando promove encontros de mundos que The Historical Conquests se revela um grande álbum. Esses encontros podem se manifestar na belíssima versão campfire de “Wait for Love” – que fecha o disco em reprise – ou na audácia que cruza a porta aberta na cabeça de Bruce Springsteen por “Like A Rolling Stone”, em “Empty Hearts”. Em uma de suas mais inspiradas canções, Ritter consegue combinar versos chupados de Dylan, introdução e refrão digno dos melhores momentos de Bruce e - a cereja no bolo (se eu gostasse de cereja) - um descarado roubo do riff de acordeão de “Neighborhood #2” (aqui harmonizados por guitarra e violino), do Arcade Fire. A colagem é tão perfeita que nunca percebemos as emendas. “Empty Hearts” é a síntese de Ritter justamente por trazer às claras o amor que move sua jornada pela música pop, tomando empréstimo de pais e filhos que, desafiando a aparente linearidade do tempo, chocaram-se em um só espírito.

For Dummies
Álbuns de Josh Ritter recomendados em ordem decrescente de interesse (considerando que seu disco de estréia é inacessível, e que eu não me costumo me interessar por discos ao vivo):

01 – The Historical Conquests of Josh Ritter (2007)
02 – The Animal Years (2006)
03 – Hello Starling (2003)
04 – Golden Age of Radio (2001)

terça-feira, maio 13, 2008

Fama



Como proceder?

a) Processar o sujeito e tentar ganhar algum dinheiro pelo uso não-autorizado da minha fabulosa imagem.
b) Ligar e pedir, cordialmente, que isso não se repita.
c) Comemorar esse ponto alto em minha carreira e, em agradecimento pela propaganda grátis, divulgar o curso no site do Driving Music.

Meus mais sinceros agradecimentos ao Douglas pelo achado, e pela consideração em me encaminhar a coisa mais bizarra que já me aconteceu.

quarta-feira, maio 07, 2008

Melhores de 2007

05 – The Weakerthans – Reunion Tour


Quem não gosta do Weakerthans costuma dizer que sua música não passa de um fundo quase neutro para poesia. De fato, desde Fallow, disco de estréia lançado em 1999, John K. Samson vem esticando os braços como um dos letristas mais originais de seu tempo, capaz de criar um universo tão particular quanto reflexivo. Às canções, sobra a elegância de seguir para o fundo do palco, criando um simples, mas extremamente eficiente cruzamento de composições folk com paredes de guitarra. Não há sinais, aqui, da intenção de transgredir o gênero (como no Wilco). Tampouco de inventariá-lo em suas mais variadas manifestações (como faz Josh Ritter). O que temos são melodias e batidas que se cruzam em quarteirões, criando uma cidade para que as personagens de Samson circulem na esplendorosa simplicidade de suas vidas.

Iniciando uma série de quatro antologias, Fallow era um disco construído a partir do nome da banda – uma citação ao ativista Ralph Chaplin, que se perguntava "What force on Earth can be weaker than the feeble strength of one?". Enfileirando canções sobre a impotência diante da vida, o álbum de estréia da banda já trazia, em toda a sua agradável irregularidade musical, um sem número de exemplos da complexa construção de imagens de Samson: um diploma universitário pendurado na parede do banheiro; o homem que, ao se arrumar para o trabalho, revela o desejo de poder desligar o céu; as mentiras que buscam descanso rastejando para debaixo da cama; as crianças que enterram o passarinho que se chocou com uma vidraça; o morto que vivera como um barco sem âncora; o casal que se comunica somente através de perguntas; as pessoas solitárias que falam alto demais.

Left and Leaving, o segundo, observava as ruas de Winnipeg em busca não só das vidas que circulavam em suas entranhas, mas também da vida da própria cidade. Estão lá a garage sale que oferece flores de plástico, xícaras de café roubadas de restaurante, e uma rotina de trabalho de quarenta horas semanais; a respiração da cidade que passa pelos espaços de prédios derrubados, como dentes que se desprenderam de um sorriso; o convite para se brincar no carrossel de bagagens do aeroporto; o prefeito que mata crianças para não ter que subir os impostos; as luzes gélidas que brilham como congeladas lágrimas de televisão; o sujeito que não consegue perdoar os prédios que o cercam.

Em Reconstruction Site, o recorte temático ganharia intenções abertamente filosóficas em um disco que ambiciona recuperar o sentido das palavras. Suas personagens trajam traços ainda mais sofisticados: um gato chamado Virtute que tenta tirar o dono da depressão; um explorador aposentado que janta com Michel Foucault (e que aprendera francês com um pingüim na Antártica); um paciente terminal que se esconde para rezar; uma garota que fala enquanto dorme; as estórias que sempre chegam a um mesmo fim; o céu de jornal que chove novos nomes para todas as coisas. Reconstruction Site combinava uma sofisticação ímpar de linguagem e de intenções de reformulação semântica com uma banda em produtivo conforto em sua sonoridade. Depois de dois álbuns tão interessantes quanto irregulares (por suas escolhas de timbres, pela ordem das canções, pelos conceitos de produção), o terceiro disco do Weakerthans parecia encontrar liga no vulto gigantesco de suas próprias ambições.

É bastante natural, portanto, que o disco seguinte seja Reunion Tour. Reúnem-se, aqui, alguns dos mais caros personagens de Samson – por vezes, literalmente (como o retorno de Virtute, o gato, que explica, em uma canção, o motivo de sua partida), por outras em indicações de comportamentos já pensados em discos passados. Esse grande reencontro de angústias gera, mais uma vez, um conjunto bastante impressionante de canções agradáveis e personagens absolutamente fascinantes.

Em “Civil Twilight”, ele é o rapaz que tem como passatempo recitar nomes das províncias e de estrelas de Hollywood (é impossível não sorrir diante de “Oh, Ontario! Oh, Jennifer Jason Leigh!”), mas que enfrenta, a cada crepúsculo, a lembrança da partida de um amor que se foi – levando consigo apenas o silêncio que ele fora capaz de lhe ofertar. Em “Hymn of the Medical Oddity”, Samson retorna aos hospitais (já presentes em “Reconstruction Site” e “(hospital verspers)”, cantando sobre um paciente que pede para ser lembrado como mais do que um experimento científico. A estranha métrica da canção traz um dos versos mais fortes de Reunion Tour:

“The sun will start late and clock out early so I drive around and wait for it. Follow familiar roads, emptied of every memory, under a sheet of silence and unmarked snow. Then idle in some parking lot, smoke half a smoke and ask St. Boniface and St. Vital to preserve me from my past”.

A habilidade narrativa de Samson parece, aqui, ainda mais vibrante do que nos discos anteriores. Além do habitual talento do letrista para criar imagens e personagens, Reunion Tour é um disco em que cada canção é, de fato, uma pequena prosa. E essas estórias são, em suas mais variadas encarnações, sempre contos sobre perdas. Em “Sun in an Empty Room” é o abandono de um lar (“The faces we meet one awkward beat too long and terrify, know that the things we need to say have been said already anyway, by parallelograms of light on walls that we repainted white. So take eight minutes and divide by ninety million lonely miles, and watch a shadow cross the floor. We don't live here anymore”); na deslumbrante “Night Windows”, a falta de um passado (“Stop and hold my breath and watch the way you used to be”); em “Tournament of Hearts”, são as respostas que não vêm (“And I know you're out there waiting for an answer I can't give you”); na faixa-título, o jogo de chaves que abrem tudo o que existe.

Se Reconstruction Site era marcado pela ambição formal (é um disco tomado por sonetos), a prosa narrativa de Reunion Tour não é em nada menos impressionante. Talvez esteja um degrau abaixo apenas por não trazer muito de novo, enquanto no disco anterior presenciávamos uma banda que atingia seu ápice. Em Reunion Tour ela decide continuar por ali, naquele mesmo lugar. Para uma banda marcada mais pela inquietação das palavras do que das melodias, o conforto musical encontrado pelo Weakerthans passa longe de qualquer incômodo. Em seus quatro discos, Samson criou um universo real o bastante para transitar nele com a curiosidade de um visitante. Em Reunion Tour, esse universo parece devolver esse olhar confirmando a frase que encerra a linda “Bigfoot!”: “Oh the visions that I see, they will believe me”.


For Dummies
Álbuns do Weakerthans recomendados em ordem decrescente de interesse:

01 – Reconstruction Site (2003)
02 – Reunion Tour (2007)
03 – Left and Leaving (2000)
04 – Fallow (1999)

sábado, maio 03, 2008

Show de carisma

Mais Driving Music: o site Valepunk me convidou para participar da seção "8 por 1". São 8 perguntas sobre música, sempre iguais, respondidas por personalidades microscópicas como eu. Tentei dar respostas interessantes/divertidas pra que, ao fim, o leitor não pedisse seus 3 minutos de vida de volta. Para ter certeza que eu falhei, basta dar uma olhada na entrevista.

Meus mais sinceros agradecimentos ao Valepunk pela entrevista, e por terem dito que o Driving Music é fantástico. Esse torrãozinho de açúcar será suficiente para me alimentar por mais uma semana.

quinta-feira, maio 01, 2008

If you don't like my fuckin' music get your own fuckin' cab!


No último domingo, foi ao ar a edição do programa Aleatório, da Multhishow FM, que recebeu vosso querido dono-de-casa como convidado. Além de escolher todas as músicas do dia, ainda gravei performances acústicas de 3 das 5 canções da primeira demo do Driving Music.

Você pode, deve e vai ouvir o programa no site da Multishow FM. Agora!