segunda-feira, junho 12, 2006

Don’t think twice, it’s alright

Há não muito tempo atrás, era lugar comum que bandas de punk rock gravassem versões "atualizadas" de hits do passado. Não me eximo de culpa, afinal o Invisibles gravou "Always on my mind" (canção imortalizada na voz do rei, que não é o Robertão) em 1999. Ainda assim, as tais covers ficaram marcadas em minha memória como um dos piores vícios daquele período. Embora tenha conhecido várias canções legais por conta dos discos do Me First and the Gimme Gimmes (projeto que reúne integrantes de várias bandas do estilo para gravar covers), raramente as tais versões traziam contribuição relevante às originais, e os discos não sobreviviam como mais que itens de curiosidade.

Como sou roqueiro de passado musical dos mais curtos, conheci "Don’t think twice" (sem o "it’s alright" do título original) na voz de Mike Ness, líder do Social Distortion, que gravou uma versão para a canção de Bob Dylan em seu disco solo de estréia, o ótimo Cheating at solitaire (1999). Seja no Social D ou em carreira solo, Mike Ness assinou diversas covers ao longo de sua carreira (chegando a seu segundo disco solo, Under the influences (1999), todo composto de releituras), e a canção de Bob Dylan talvez tenha sido, entre todas elas, a escolha mais inusitada. Recentemente decidi tomar providências em relação às minhas mais graves falhas curriculares, e entre as medidas tomadas estava o desejo de explorar melhor a obra de Bob Dylan. Foi em um desses passos que topei, finalmente, com a versão original da canção, lançada em The freewheelin’ Bob Dylan (1963), segundo disco do homem.

Entre pencas de momentos brilhantes de Dylan a desvendar, me peguei apaixonado justamente por "Don’t think twice, it’s alright", a sétima faixa do disco. Parte do fascínio vinha da impressão de - embora já tivesse ouvido a versão de Ness inúmeras vezes - estar conhecendo a canção com ouvidos inaugurais. Apesar de a melodia central ser a mesma, as duas versões (e já vi dados de que existem várias outras, incluindo uma gravada por Johnny Cash - que, aliás, também já foi reinterpretado pelo Social Distortion, com cover de "Ring of Fire") parecem vir de direções absolutamente opostas, gerando canções e sentimentos inteiramente diferentes.

As distorções, porém, não são meramente estilísticas. É óbvio que a roupagem country two-step de Mike Ness pouco tem a ver com o dedilhado singelo marcado à gaita por Bob Dylan, mas até aí estamos no terreno das releituras. O que torna a comparação das duas versões tão intrigante é a colisão de duas personas tão marcadamente opostas quanto Dylan e Ness; a sofisticação dos acordes diminutos substituída pela brutalidade dos maiores.

Mike Ness é certamente um dos mais expressivos intérpretes do rock. Poucas vezes uma voz conseguiu incorporar valores de forma tão vívida: cada rasgada de garganta vem embebida de sua imagem de marginal sentimental seduzido por um universo de drogas, pin ups, jogos de azar e toda uma iconografia vintage. A cada nova canção ouvimos Mike Ness rosnar sobre sua vida desgraçada e sua romântica intenção de se reerguer (que, caso consumada, provavelmente arruinaria com sua carreira). Até mesmo seus momentos de maior espiritualidade são pontuados por ressentimento, e é exatamente nesse ponto que sua versão para "Don’t think twice" se torna uma outra canção.

Enquanto a original é uma doce carta de despedida, a versão de Mike Ness bate o telefone (ou a porta) após o desabafo. A diferença está além da entonação: fora o "it’s alright" que lima do título, Mike Ness muda um sujeito essencial, e enquanto Bob Dylan lamenta com "you could have done better, but I don’t mind" (algo como "você poderia ter se saído melhor, mas tudo bem"), Mike Ness esnoba com "I could have done better, but I don’t mind" (mais próximo de "eu poderia ter arranjado alguém melhor, mas tudo bem"). Se Dylan pede para ser convencido em "still I wish there was somethin' you would do or say to try and make me change my mind and stay", Ness reafirma seu território adicionando um "I wish there was something you could do or say to make me want to change my mind and stay".

Se a canção de Bob Dylan era a triste constatação de que as coisas não saíram como o planejado, Mike Ness se envaidece de sua auto-comiseração loser que até tem seu charme (e chega a ser extremamente sedutora em certos momentos da vida), mas não resiste como mais que icônica. Embora seu arranjo seja interessante, Ness faz a canção servir à sua personagem, enquanto Dylan faz com que a canção sirva somente a si própria, apesar da vida. E com isso se torna eterna. Porque talvez não exista ouvido que se preocupe com rosnados se, ao seu lado, soa o canto de um homem feito que, resignado, lamenta os rumos que seus sonhos decidiram tomar.

3 comentários:

Anônimo disse...

o chato de visitar o clássico é descobrir que não há mais nada a ser feito, e que no fim, mesmo nas visitações aos originais, a grande visitação teria sido o óbvio sempre da própria existência.

dizem que o nebraska do spingsten comanda, mas tenho medo dele.

Anônimo disse...

eu já ouvi o nebraska. não gostei a princípio, já que apreciava mais do lado populista do chefão. só foi descer legal recentemente, mas tem atlantic city que é uma das melhores dele disparado.

esse do mike ness é uma das coisas que trouxe do rio e não paro de escutar. me prolongou a don´t think twice it´s alright, que nunca foi uma das minhas favoritas.

Anônimo disse...

Isso q dá, maluco é workaholic e não diverte eu mais.