quinta-feira, abril 05, 2007

Entre dias

Quem acompanha o blog do Lúcio Ribeiro sabe que ele vive citando o mais novo hit do mais novo hype que fala que Smiths é apenas uma banda, e que Arctic Mokeys também é apenas uma banda. Embora eu não consiga imaginar que alguém no mundo pudesse pensar que os Arctic Monkeys fossem qualquer coisa além disso (pra falar a verdade, mal isso eles são), existem canções que não me parecem somente canções. No último domingo, fui requebrar as noites sem dormir em mais uma noite sem dormir na Sundae Tracks, festa do Melvin. Lá pelas muitas ele tocou a versão apressadinha do Ben Folds para “In Between Days”, clássico inquestionável do Cure. E, enquanto dançava a música pela milionésima vez, não conseguia afastar a impressão de que “In Between Days” não é apenas uma canção.

Desde que passei a realmente me interessar por rock, tenho o costume inconsciente de memorizar a primeira vez em que ouvi determinadas músicas. Se penso em “Every night”, do Screeching Weasel, ela vem com o excesso de agudos do timbre da Sony-UX que meu amigo Léo à época me emprestou. Ouvi “Patience” na rádio 104.1 de Barra Mansa, quando era garoto, e logo vi que alguma coisa tinha acabado de mudar radicalmente em minha vida. “Today”, do Smashing Pumpkins, chegou até mim pelo péssimo sinal UHF da Mtv (assim como “Say it ain’t so” e “Basket Case”), enchendo minha vida de cores ruidosas que até então desconhecia. “Misunderstood”, do Wilco, foi pelo meu discman, ouvindo o Being there, à época emprestado (que permanece “emprestado” até hoje), em uma noite de verão no ônibus da Cidade do Aço, a caminho de Barra Mansa. “The way I feel inside”, canção do Zombies que o Invisibles tocou em todos os shows de despedida, foi assistindo “A vida marinha com Steve Zissou”, no Vivo Open Air de 2005. “Regret”, do New Order, tocava na propaganda de alguma trilha-sonora de novela (era a mesma que tinha “Luka”, ou minha memória mistura as trilhas?). “Smells like teen spirit” também veio em trechinho, em uma vinheta de bandas novas da Mtv que também tinha “Alive” e “Man in the Box”. “The outdoor type” foi numa cena do filme “Heavy”, onde a Liv Tyler contracenava com o Evan Dando tocando a música no violão. “Suspiscious minds” foi em “Um estranho chamado Elvis”, filme com Harvey Keitel de onde tiramos o diálogo da parte instrumental de “Hello”. Mas e “In Between Days”?

Quando estudava inglês, minha professora gostava de levar letras de músicas com pedaços faltando pra gente completar. Toni Braxton, Take That (com aquela música bichona do Cat Stevens) e a música do Aerosmith pra trilha do “Armagedom” eram o padrão que ela normalmente escolhia; até que um dia levou “Boys don’t cry”, que não me lembrava de já ter ouvido antes. Gostei tanto da canção que pedi o cd emprestado. Era uma versão safada do Staring at the sea, com capa diferente e o incompreensível título de The Cure in Brazil. Passei pelo resto do cd sem impressões marcantes, até que lá pro final do disco tocou “In Between Days”. Embora não conhecesse “Boys don’t cry”, “Inbetween Days” se revelou prontamente familiar com sua inconfundível frase de teclado. O ar logo ficou mais curto – como sempre fica quando me emociono repentinamente – e comecei a cantarolar a melodia daquela emoção há tanto perdida na memória. Não tinha a menor idéia de que aquela canção era do Cure, pois até o momento sequer me lembrava da canção em si. Desde então venho tentando rastrear a primeira vez em que ouvi a mais deslumbrante criação de Robert Smith, sempre ciente de que a busca está fadada à esterilidade. “In Between Days” é uma daquelas raras obras que parecem se confundir com a própria vida, sem que a gente consiga imaginar o mundo antes de ela existir. É madalena que não leva a tempo algum. É a canção pop perfeita, pois Robert Smith provou ser possível construir a estrutura de todo um imaginário coletivo em apenas dois acordes (os outros dois do refrão são apenas o acabamento). E, mais impressionante, sempre que a ouço novamente ela ainda me parece tão bela quanto da imemorável primeira vez. Se eu tivesse que escolher a minha canção favorita de todos os tempos, qualquer outra seria uma imperdoável injustiça.

* * *

Na mesma Sundae Tracks, o DJ Rasta espremeu “Conversation” entre Lemonheads e Weezer quando eu ainda estava na pista. Não ouvia a canção desde o último show do Invisibles e, devo confessar, ela soou extremamente bem naquele momento. É muito incomum eu conseguir ouvir uma das minhas canções sem ficar constrangido, mas acho que nesse domingo tive a rara chance de receber “Conversation” como qualquer outra pessoa. Deixei que os arranjos me surpreendessem, que a letra aos poucos voltasse à memória, e por um momento quase desejei que o Invisibles ainda existisse para que nós pudéssemos toca-la mais uma vez. Mas só por um momento. Porque as canções que realmente desejo tocar hoje em dia são as que tenho feito recentemente, e que pretendo dividir com vocês assim que elas aprenderem a respirar com os próprios pulmões.

1 comentários:

Rubem disse...

Explico a razão do "The cure in Brazil" (pelo menos eu acho que é isso):

Na época do show deles no Brasil (que eu fui e você não foi), a gravadora, numa brilhante jogada de marketing, resolveu lançar o cd antigo com esse novo nome, para alavancar as vendas. Sensacional, não é mesmo?

Outra: Não sei se você era nascido, mas (novamente se não me engano), in between days era a música de abertura do programa Clip Clip da Globo (ou essa ou outra do Cure), o que deixou a música no subconsciente de muita gente.

Beijos!