sexta-feira, março 30, 2007

Sob a música

Bruno Maia - amigo desde a faculdade e atual parceiro no Chappa - escreveu no seu ótimo sobremusica uma reflexão acerca de uma conversa que tivemos há um par de dias. Comentava com o Bruno que apesar do número crescente de veículos na internet que se propõem a falar sobre música, poucos realmente dedicavam atenção à música em si. Sabemos quem está fazendo turnê com quem, quais as cores das novas camisas lançadas por todas as bandas do mundo, ou que roqueiro louco foi parar na cadeia depois de fazer alguma roqueirice mais descontrolada. Mas, tirando a Pitchfork e algumas gotas mais inspiradas do AMG, ninguém estava realmente se debruçando com maior cuidado sobre a música pop na atualidade. Como dizia o professor Fernando Sá sobre o jornalismo político brasileiro nos tempos de faculdade, a cobertura musical se tornou relato de corte. Sabemos com quem o rei almoçou, e quem transita pelo castelo, mas ninguém parece se importar com a natureza do quê está sendo feito.

Qual foi a última vez que você leu uma crítica brasileira que fizesse mais que indicar similares, do tipo “se você gosta de X e Y, vai gostar de Z também”? A crítica de música pop no Brasil orienta nossas compras, mas pouco diz sobre as obras. Canções estão inseridas no mundo, e cada uma delas é transcrição de um olhar sobre o mundo. O que diz esse olhar? Como ele se articula com o que está sendo feito na arte no momento, ou foi feito no passado? Como recebemos essas declarações sobre o mundo? O que normalmente nos é oferecido são resenhas chapa-branca (amor pela democracia ou medo de perder anunciantes?), ou indicações como “banda com letras políticas” (sem nunca ter o cuidado de entender que discurso político é esse) e “uma original mistura de ritmos” (que ritmos? O que quer dizer essa mistura?), em duas ou três linhas de palavras jogadas. Todo mundo sabe que Amy Winehouse é uma garota branca com voz de negona, que ela tem atitude e visual controversos, e que suas letras falam de sexo (nossa!) e drogas (duplo nossa!). Mas quantos textos você leu que discorressem sobre a maravilha que é o disco Back to black?

A impressão que tenho é que, com raras exceções, a crítica de música pop não leva o gênero que se propõe comentar a sério. Se temos hoje a Contracampo e a Cinética fazendo trabalhos interessantes no cinema, são frutos de uma consciência crítica que já existe no Brasil desde Moniz Viana ou Alex Viany. O que as duas revistas perceberam de original é que na internet não existe a limitação de espaço dos boxes de jornais e revistas, e que por isso é meio ideal para análises mais dedicadas. A crítica musical na internet mantém as três linhas das revistas superpopuladas por resenhas, e as impressões cristalizadas nos primeiros 20 segundos da primeira canção. Em mundo onde o tempo de se baixar um disco é quase o mesmo de o necessário para se ler uma resenha, para quem esse tipo de crítica ainda é relevante?

O Bruno fala em época de vacas magras na música brasileira; mas como esperar que fosse diferente? Se o crítico não leva a sério a produção de sua época, a tendência é que o ouvinte tenha uma relação cada vez mais efêmera com ela, e que o Ryan Adams continue lançando 30.000 discos de bobagens por minuto na internet. Balela aquela história de que a crítica é mera atividade parasitária, pois o pensamento crítico ajuda a definir os caminhos da arte. É claro que todos os avanços tecnológicos e as tendências comportamentais são importantes, mas e o centro de tudo isso? Temos interessantes estudos sociológicos sobre o YouTube, olhares cuidadosos sobre os sucessos do MySpace, e dissertações cíclicas sobre o novo samba de classe média na Lapa. Que eles continuem sendo feitos. Mas e a música? Quem fala sobre ela? Quem ainda tenta decifrar um disco com paixão e afinco nos dias de hoje? Quem dedica quatro ou cinco parágrafos de reflexão original sobre o impacto de uma obra? E, ao mesmo tempo, será que precisamos de mais gente nos dizendo que o sucesso do Fresno e do Cansei de Ser Sexy são pedras fundamentais de uma nova era dos meios de comunicação?

Fenômenos como esses têm lá seu interesse, mas são o ruído branco que emudece boas questões. Esse blog não é exatamente sobre música, mas toda vez que me proponho a escrever sobre o assunto, tento faze-lo da forma mais dedicada possível. Tento entender o que existe sob a música; o que faz que uma determinada combinação de barulho e melodia chegue até mim de forma mais intensa do que outra. Tento perceber como elas alteram meu olhar sobre o mundo e me formam enquanto escritor de canções. Tento respeitar o trabalho sério de artistas extraordinários que ainda fazem da música pop uma constante fonte de inspiração na minha vida. Tento escolher as melhores palavras para a batalha perdida de se narrar o brilho nos olhos. É o mínimo que posso oferecer nesse meu mal cuidado quintal. E fico com a impressão que dessa conversa com o Bruno podem sair coisas boas. Resta a torcida de que mais gente entre na discussão. Podem começar aí pelos comentários.

7 comentários:

juliano disse...

que demais, fabão. achei bonitão o texto, e pertinentaço. cara, acho que na maioria dos lugares ninguém fala mais de nada. a questão é "qual é o seu perfil?". isso é um troço assustador. e com a música é bizarraço mesmo. não sei se concordo com o Bruno, tenho meio que ojeriza aguda à nostalgia. e acho que a internet mudou a história da música a ponto de mudar sua relação com uma certa "atualidade". o papa é cabeça mas é meio que isso mesmo. eu, pelo menos, vivo num estágio de tudo-ao-mesmo-tempo-agora. lendo o texto eu parei pra me perguntar sobre esse lance da escassez de "hoje em dia"(argh!). não tenho reposta pronta. tá tocando maria bethânia de 71 aqui agora.
abraço

juliano disse...

"o papa é cabeça" foi um dos melhores erros de digitação da minha vida.

obrigado, meu herói.

***

suplemento: o que subjaz isso que disse é a importância de fazer listas , sistematizar.

Anônimo disse...

Não sei se fico triste ou alegre ao ler esse texto. Triste, pelo estado deprimente com que a música de nossos dias vem sendo consumida. E alegre por encontrar mais esse espaço de discussão e análise crítica importantíssimas. Infelizmente a música hoje faz parte da vida das pessoas de uma maneira muito distante e fria. Ela é consumida da mesma maneira como se masca um chiclete e se usa o tênis da moda. Música virou produto descartável para grande maioria de seus consumidores, impossibilitados de enxergar seu real valor como forma de expressão e arte, para serem seduzidos pelos valores que se agregam à música por parte da estratégia de marketing das gravadoras e da cobertura da chamada imprenssa especializada. È claro que o culpado não são esses consumidores (pobres coitados que se conformam com pão e circo), e sim a falta de ética e restrita visão das gravadoras (e nisso incluo também não só as majors, mas também algumas das nossas) e dos jornalistas que se propõem a dedicar-se ao tema. Bom, para mudarmos esse paradigma acho mais fácil (não que seja) uma ruptura desse sistema por parte da imprenssa do que via gravadoras. Pelo amor de Deus, imprenssa especializada, blogueiros e todos que falam sobre música, chega desse estilo acanhado do “relato ao rei” e vamos para o jornalismo crítico e construtivo!!!
Abçs
GUT

Anônimo disse...

Na boa, isso não é só um fenômeno exclusivamente musical, se vc parar pra pensar, que "mídia especializada" fala (com raras exeções de alguns sites na internet)de uma forma coerente sobre cinema??? Não existe, é sempre aquele texto padrão onde aparentemente o autor muda o nome do diretor e do elenco principal.
Acredito que a música vive a sua fase mais comercial possível, o "enlatado" rompeu as barreiras das rádios e passou a marcar presença em "resenhas".
Agora sobre o mainstream nacional, acho que fazem muito bem em não gastar mais de três parágrafos, não há o que comentar sobre o que vem sendo feito, porque nada vem sendo efeito.

Anônimo disse...

ah, fabio, me manda os textos do hollywood se der.
amaurifte@hotmail.com, abraço...

Anônimo disse...

entre concordes e discordes, o avião que me pousa, taxiando a crise, é o texto. Essa "crítica da razão-música", pertinente em tempos parcos de análises concentradas me remetem ao estado nostálgico (e não muito alentador) refletindo: quando não foi assim?
mudam-se os meios, mudam-se as figuras (ainda que maior parte delas seja formada pelas anteriores) e de novo nada de novo.
a conversa entre fábio-e-amigo propõe o ovo (que fábio põe de pé na mesa), mas fica balançando com o resto da nave.
A tentativa de reforma (con protestos pregados nas paredes do comportamento) pasteurizaram não só o modo de crítica, não só o modo de guias de consumo, mas o próprio consumo.
eu vivo bem sem música, passo dias sem ouvir canção sequer... muito por só saber fruir. qualquer movimento novo é so dado. Mas os dados lançados por alguns textos ainda permitem alguma esperança de que eu possa ainda me apaixonar.

Anônimo disse...

ao meu ver, um dos grandes problemas é qüalificar qualquer comentário, por mais superficial e banal que este seja de "crítica".

o termo "crítica" tem sido usado para designar qualquer opinião exprimida por uma pessoa sobre algo, mas este não é o seu real significado.

o termo é uma abreviação de "análise crítica".

parece-me que ao omitirem o termo "análise" deixaram de se preocupar com a análise em si.

analisar significa debruçar-se sobre algo com o objetivo de aprofundar-se no objeto em questão.

a "análise crítica" deve ser executada com mais razão que emoção.

indigno-me ao ver como o público considera algumas dessas pessoas que ao tentarem analisar um trabalho artístico, colocam suas percepções como ponto principal.

acontece que a música tornou-se a mais popular das artes, e isso gerou uma certa necessidade de ler-se qualquer coisa sobre música.

por ter se tornado tão popular, a música acabou popularizando a crítica artística.

porém, esquecemo-nos de que a crítica artística deve ser pautada em imparcialidade e análise quase científica.

é freqüente deparar-se com textos de pessoas que se julgam críticos que, ao analisar uma banda ou trabalho em questão, expressam suas próprias sensações ao ter ouvido um álbum ou uma música e transpõem para o texto como se esta opinião pessoal fosse a verdade absoluta.

para deixar mais claro, expressões como "um som contagiante", "uma música que não se sustenta", "banda de adolescentes" formam, na minha opinião, um desserviço ao público.

tais comentários, que muitas vezes são citados como "críticas", não passam de uma opinião de alguém retratando sua sensação ao ouvir uma música.

ora, isso é no máximo um comentário, não uma crítica.

isto para não falar sobre a freqüência dos comentários que flertam o preconceito.

muitas vezes parece tratar-se simplesmente de alguém querendo ridicularizar o trabalho do artista, vomitando opiniões pessoais que pecam por falta de base teórica.

sobre a própria banda CSS, já me deparei com comentários do tipo "banda de meninas adolescentes deslumbradas que não sabem tocar".

isto, para mim, não passa de um comentário preconceituoso.

eu defendo que tudo possa ser objeto de crítica, mas que seja uma crítica decente, pautada em argumentos plausíveis e análises profundas do trabalho, dedicando-se à arte e não ao artista, ou à sua atitude e/ou visual.

acontece que não há como se exigir de um crítico que não conheça profundamente teoria/história da música que faça uma análise profunda de um trabalho artístico, por mais simples e popular que este seja.

ao meu ver, portanto, o problema principal está na qüalidade das pessoas que se dedicam a tecer comentários, sem nenhum compromisso com a forma da análise e texto.

há uma grande diferença entre analisar e comentar.

acho que o mínimo que deveria ser feito a esse respeito, seria qualificar bem o que se está fazendo, se é um simples comentário subjetivo ou uma real crítica imparcial.

desculpem-me por ter me prolongado, mas esse assunto já foi tema de discussão minha com outras pessoas e não raro me aborrecem as opiniões alheias a respeito de "todos poderem falar o que quiserem sobre qualquer coisa".

eu concordo com este direito, mas acho que ele deve ser praticado com o compromisso da imparcialidade e qüalidade e não como vem sendo feito, carregado de clichês, frases prontas e conotações preconceituosas. atenciosamente, carlos.