quarta-feira, maio 14, 2008

Melhores de 2007

04 – Josh Ritter – The Historical Conquests of Josh Ritter


Se o Jeff Tweedy seria o mais próximo que a nossa geração chegou de ter seu próprio Bob Dylan, o Josh Ritter é o mais perto que chegamos de ter alguém que soe exatamente como o Bob Dylan. Enquanto seus dois primeiros discos pareciam não trazer mais que um jovem artista folk de notável talento, é a partir de The Animal Years que a obsessão em se tornar, de fato, Dylan vira o norte de seu trabalho. The Historical Conquests of Josh Ritter é o passo adiante nessa mesma missão. O curioso é que essa vontade de Ritter – que, reza a lenda, decidiu aprender a tocar guitarra após ouvir Dylan e Cash repartirem os vocais de “Girl From the North Country” – por Dylan é, claramente, uma obsessão de fã: seu projeto artístico está claramente mais interessado no trânsito livre pela deambulação rítmica que marcara a carreira de Dylan, do que em se tornar um sósia irreconhecível em sua individualidade. É exatamente nesse salto que The Historical Conquests deixa de ser uma boa imitação, e se torna uma fascinante declaração de amor musical.

Nesse passeio pela discografia de Dylan – e que inclui, em certa medida, seus ancestrais e sua prole – é natural que Ritter vá à primeira grande ruptura promovida pelo mentor, abrindo The Historical Conquests com sua própria versão para “Subterranean Homesick Blues”: “To The Dogs or Whoever” mergulha em um palavrório sem freios decidido a atropelar a métrica, convocando de Joana D’Arc a Casey Jones para uma dança freneticamente desregrada, capaz de girar em versos escorregadios que se agarram em imagens absolutamente poderosas (“Through the wreck of a brass band I thought I could see her / In a cakewalk she came through the dead and the lame / Just a little bird floating on a hurricane” ou, minha favorita, “Running her hands through the ribs of the dark”). A urgência da levada quase punk da música só tem a crescer se lembrarmos de “Girl In The War”, a linda balada que abria The Animal Years. Mais do que uma análise acadêmica do cancioneiro de Dylan, The Historical Conquests traz Josh Ritter clamando por uma possessão.

“Right Moves”
– canção que apareceu aqui no meu mix de melhores do ano – acompanha Dylan em sua busca pelo pop perfeito ao lado dos Travelling Wilburys. Em uma de suas melhores canções, Ritter mistura o refinamento de Dylan com a sensibilidade quase ingênua de George Harrison, e o olhar pseudo-operário de Tom Petty, colorindo uma melodia próxima do universo quase infantil construído por Brian Wilson. É uma canção que celebra a vida com leveza, sem frear os impulsos de se divertir nas convenções, ou de fechar uma estrofe com um mi maior, mesmo quando ele parece absolutamente previsível em sua obrigatoriedade.

“The Tempation of Adam” parece, em princípio, um retorno ao formato acústico de Freewheelin’ ou Another Side of Bob Dylan, mas é perturbada em sua lógica por uma intromissão mais significativa do que o belo fraseado de cordas e metais que parte a canção ao meio: Ritter pega um dos temas mais caros da música pop – o velho sentimento do casal que se consome em isolamento diante do mundo – e o transfigura em literalidade ao colocá-los em um abrigo nuclear, à espera da terceira guerra mundial. Isso rende uma das letras mais impressionantes de sua carreira, começando com “If this was the Cold War we could keep each other warm”, e terminando com “Would we ever really care the world had ended
/ You could hold me here forever like you're holding me tonight / I look at that great big red button and I'm tempted”.

“Rumors” segue para Highway 61 Revisited, criando uma versão não balada de “Ballad of a Thin Man”. A intromissão instrumental “Edge of the World” poderia nascer em Pat Garret & Billy The Kid, se o filme de Peckinpah repousasse no conforto das nuvens. “Next To The Last True Romantic” caberia em medley com “Maggie’s Farm” ou “Tombstone Blues”. A belíssima “Still Beating” lembra o Dylan sereno de Blood On The Tracks (“Simple Twist of Fate”, por exemplo), mas torna a simplicidade mais complexa com um belo arranjo de trompa e texturas de scrap guitar.

Embora Josh Ritter sempre conduza suas referências a lugares que elas não iriam com os próprios pés, é quando promove encontros de mundos que The Historical Conquests se revela um grande álbum. Esses encontros podem se manifestar na belíssima versão campfire de “Wait for Love” – que fecha o disco em reprise – ou na audácia que cruza a porta aberta na cabeça de Bruce Springsteen por “Like A Rolling Stone”, em “Empty Hearts”. Em uma de suas mais inspiradas canções, Ritter consegue combinar versos chupados de Dylan, introdução e refrão digno dos melhores momentos de Bruce e - a cereja no bolo (se eu gostasse de cereja) - um descarado roubo do riff de acordeão de “Neighborhood #2” (aqui harmonizados por guitarra e violino), do Arcade Fire. A colagem é tão perfeita que nunca percebemos as emendas. “Empty Hearts” é a síntese de Ritter justamente por trazer às claras o amor que move sua jornada pela música pop, tomando empréstimo de pais e filhos que, desafiando a aparente linearidade do tempo, chocaram-se em um só espírito.

For Dummies
Álbuns de Josh Ritter recomendados em ordem decrescente de interesse (considerando que seu disco de estréia é inacessível, e que eu não me costumo me interessar por discos ao vivo):

01 – The Historical Conquests of Josh Ritter (2007)
02 – The Animal Years (2006)
03 – Hello Starling (2003)
04 – Golden Age of Radio (2001)

2 comentários:

Anônimo disse...

Pelo menos nesse disco ele não copiou nenhuma música da Kelly Key, como fez com "Baba" na introdução de "Wolves" do disco anterior. Ponto para ele!

Fábio Andrade disse...

copiar kelly key só diz coisas boas sobre uma pessoa.