quarta-feira, maio 07, 2008

Melhores de 2007

05 – The Weakerthans – Reunion Tour


Quem não gosta do Weakerthans costuma dizer que sua música não passa de um fundo quase neutro para poesia. De fato, desde Fallow, disco de estréia lançado em 1999, John K. Samson vem esticando os braços como um dos letristas mais originais de seu tempo, capaz de criar um universo tão particular quanto reflexivo. Às canções, sobra a elegância de seguir para o fundo do palco, criando um simples, mas extremamente eficiente cruzamento de composições folk com paredes de guitarra. Não há sinais, aqui, da intenção de transgredir o gênero (como no Wilco). Tampouco de inventariá-lo em suas mais variadas manifestações (como faz Josh Ritter). O que temos são melodias e batidas que se cruzam em quarteirões, criando uma cidade para que as personagens de Samson circulem na esplendorosa simplicidade de suas vidas.

Iniciando uma série de quatro antologias, Fallow era um disco construído a partir do nome da banda – uma citação ao ativista Ralph Chaplin, que se perguntava "What force on Earth can be weaker than the feeble strength of one?". Enfileirando canções sobre a impotência diante da vida, o álbum de estréia da banda já trazia, em toda a sua agradável irregularidade musical, um sem número de exemplos da complexa construção de imagens de Samson: um diploma universitário pendurado na parede do banheiro; o homem que, ao se arrumar para o trabalho, revela o desejo de poder desligar o céu; as mentiras que buscam descanso rastejando para debaixo da cama; as crianças que enterram o passarinho que se chocou com uma vidraça; o morto que vivera como um barco sem âncora; o casal que se comunica somente através de perguntas; as pessoas solitárias que falam alto demais.

Left and Leaving, o segundo, observava as ruas de Winnipeg em busca não só das vidas que circulavam em suas entranhas, mas também da vida da própria cidade. Estão lá a garage sale que oferece flores de plástico, xícaras de café roubadas de restaurante, e uma rotina de trabalho de quarenta horas semanais; a respiração da cidade que passa pelos espaços de prédios derrubados, como dentes que se desprenderam de um sorriso; o convite para se brincar no carrossel de bagagens do aeroporto; o prefeito que mata crianças para não ter que subir os impostos; as luzes gélidas que brilham como congeladas lágrimas de televisão; o sujeito que não consegue perdoar os prédios que o cercam.

Em Reconstruction Site, o recorte temático ganharia intenções abertamente filosóficas em um disco que ambiciona recuperar o sentido das palavras. Suas personagens trajam traços ainda mais sofisticados: um gato chamado Virtute que tenta tirar o dono da depressão; um explorador aposentado que janta com Michel Foucault (e que aprendera francês com um pingüim na Antártica); um paciente terminal que se esconde para rezar; uma garota que fala enquanto dorme; as estórias que sempre chegam a um mesmo fim; o céu de jornal que chove novos nomes para todas as coisas. Reconstruction Site combinava uma sofisticação ímpar de linguagem e de intenções de reformulação semântica com uma banda em produtivo conforto em sua sonoridade. Depois de dois álbuns tão interessantes quanto irregulares (por suas escolhas de timbres, pela ordem das canções, pelos conceitos de produção), o terceiro disco do Weakerthans parecia encontrar liga no vulto gigantesco de suas próprias ambições.

É bastante natural, portanto, que o disco seguinte seja Reunion Tour. Reúnem-se, aqui, alguns dos mais caros personagens de Samson – por vezes, literalmente (como o retorno de Virtute, o gato, que explica, em uma canção, o motivo de sua partida), por outras em indicações de comportamentos já pensados em discos passados. Esse grande reencontro de angústias gera, mais uma vez, um conjunto bastante impressionante de canções agradáveis e personagens absolutamente fascinantes.

Em “Civil Twilight”, ele é o rapaz que tem como passatempo recitar nomes das províncias e de estrelas de Hollywood (é impossível não sorrir diante de “Oh, Ontario! Oh, Jennifer Jason Leigh!”), mas que enfrenta, a cada crepúsculo, a lembrança da partida de um amor que se foi – levando consigo apenas o silêncio que ele fora capaz de lhe ofertar. Em “Hymn of the Medical Oddity”, Samson retorna aos hospitais (já presentes em “Reconstruction Site” e “(hospital verspers)”, cantando sobre um paciente que pede para ser lembrado como mais do que um experimento científico. A estranha métrica da canção traz um dos versos mais fortes de Reunion Tour:

“The sun will start late and clock out early so I drive around and wait for it. Follow familiar roads, emptied of every memory, under a sheet of silence and unmarked snow. Then idle in some parking lot, smoke half a smoke and ask St. Boniface and St. Vital to preserve me from my past”.

A habilidade narrativa de Samson parece, aqui, ainda mais vibrante do que nos discos anteriores. Além do habitual talento do letrista para criar imagens e personagens, Reunion Tour é um disco em que cada canção é, de fato, uma pequena prosa. E essas estórias são, em suas mais variadas encarnações, sempre contos sobre perdas. Em “Sun in an Empty Room” é o abandono de um lar (“The faces we meet one awkward beat too long and terrify, know that the things we need to say have been said already anyway, by parallelograms of light on walls that we repainted white. So take eight minutes and divide by ninety million lonely miles, and watch a shadow cross the floor. We don't live here anymore”); na deslumbrante “Night Windows”, a falta de um passado (“Stop and hold my breath and watch the way you used to be”); em “Tournament of Hearts”, são as respostas que não vêm (“And I know you're out there waiting for an answer I can't give you”); na faixa-título, o jogo de chaves que abrem tudo o que existe.

Se Reconstruction Site era marcado pela ambição formal (é um disco tomado por sonetos), a prosa narrativa de Reunion Tour não é em nada menos impressionante. Talvez esteja um degrau abaixo apenas por não trazer muito de novo, enquanto no disco anterior presenciávamos uma banda que atingia seu ápice. Em Reunion Tour ela decide continuar por ali, naquele mesmo lugar. Para uma banda marcada mais pela inquietação das palavras do que das melodias, o conforto musical encontrado pelo Weakerthans passa longe de qualquer incômodo. Em seus quatro discos, Samson criou um universo real o bastante para transitar nele com a curiosidade de um visitante. Em Reunion Tour, esse universo parece devolver esse olhar confirmando a frase que encerra a linda “Bigfoot!”: “Oh the visions that I see, they will believe me”.


For Dummies
Álbuns do Weakerthans recomendados em ordem decrescente de interesse:

01 – Reconstruction Site (2003)
02 – Reunion Tour (2007)
03 – Left and Leaving (2000)
04 – Fallow (1999)

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