quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Melhores de 2006 - Discos



08 – Regina Spektor – Begin to hope

2006 foi um excelente ano para cantoras/compositoras mulheres. Corinne Bailey Rae fez a trilha-sonora oficial do ano com o merecido hit "Put your records on"; a Pink retornou com o surpreendente I’m not dead (lar de "Who knew", uma de suas mais inspiradas canções); as Pippetes renderam justo tributo aos princípios de Ronnetes/Phil Spector no adorável We are the pippetes; Neko Case e a estranhíssima Joanna Newson lançaram discos densos e instigantes. E enquanto os indies molhavam as roupas de baixo com o novo do Justin Timberlake e o irritante sorriso da Lily Allen, a moscovita (residente em Nova York) Regina Spektor lançava, sem nenhum alarde, o melhor disco pop do ano.

A presença de Begin to hope nessa lista diz muito sobre a aleatoriedade do recorte. Embora o disco tenha sido lançado, de fato, em 2006, foi só nos primeiros dias de 2007 que vi, pela primeira vez, o simpático clipe de "Fidelity" na tv. O clipe me perseguiu por alguns dias (obrigado ao canal Sony por só passar os mesmos cinco clipes - desde que para cada jabá do Seven Cities nós ganhemos uma Regina Spektor) até que eu percebesse estar diante de uma das canções mais bacanas de 2006. Busquei confirmação do talento em seu terceiro álbum (o primeiro em uma gravadora grande), e aos poucos fui descobrindo que, debaixo da garota de preto e branco do clipe, existe uma artista talentosa, de voz madura, composições bem acabadas e um universo lírico personalíssimo.

De alguma forma, Regina Spektor sintetiza os melhores traços femininos do pop contemporâneo. O gosto irrepreensível de Leslie Feist, o tino pop de Dido ou Norah Jones, e até mesmo toques da excêntrica inteligência de Joanna Newson; tudo isso convive dentro de uma mesma artista, com o porém de Regina Spektor não trazer em seu sangue nem a frivolidade da Pink, nem a tendência para o inaudível da Bjork (clara influência, porém só até certo ponto, em algumas faixas do álbum). Das canções mais pop às mais herméticas, Regina tem um apreço valioso pela leveza, e é exatamente nessa casualidade que Begin to hope se torna irresistível.

A já falada "Fidelity" abre o disco. As cordas saltitantes arredondam as pontas de um beat quadradão, e aos poucos piano e baixo vão construindo a dinâmica da canção. Mas em vez de a dinâmica crescer até o ponto de saturação, ela culmina no refrão com apenas bateria e piano, em um maravilhoso anticlímax. Na letra da canção, Regina começa a apresentar os personagens e situações que mais encantam seu olhar: uma garota que, por pudor, nunca se entregara por completo a nenhuma paixão, e se perde em um amor fictício que cria em sua cabeça. "I hear in my mind all these voices / I hear in my mind all these words / I hear in my mind all this music / and it breaks my heart", ela escreve. Regina abre seu disco cantando palavras que parecem dizer tanto sobre ela quanto sobre qualquer um de seus ouvintes. Palavras em música.

Begin to hope pode ser dividido em três partes (razoavelmente simétricas). Uma delas é composta de baladas, como as belas "Samsom", "Field below" e a derradeira "Summer in the city". O terço menos interessante é das canções que se escondem atrás de gracejos conceituais e modernices que pouco me dizem (como "20 years of snow" e "That time"). E a terceira, e mais vigorosa, parte é justamente a de canções de coração leve, como o single "Fidelity". É desse naco que saem os momentos mais brilhantes do disco, como a dançante "Hotel song", a guitarreira "Better", e o segundo single, "On the radio".

É também nessas canções que Regina Spektor exibe suas maiores conquistas como letrista. "On the radio" se derrama em oposições de existencialismo em forma bruta (aos moldes de "Hello goodbye", dos Beatles, ela emenda - "This is how it works / You're young until you're not / You love until you don't / You try until you can't / You laugh until you cry / You cry until you laugh / And everyone must breathe / Until their dying breath") para recusa-las com um lúcido reconhecimento de carência ("No, this is how it works / You peer inside yourself / You take the things you like / And try to love the things you took / And then you take that love you made / And stick it into some / Someone else’s hearts / Pumping someone else’s blood / And walking arm in arm / You hope it don't get harmed / But even if it does / You'll just do it all again"), não sem tempo de se deslumbrar - epifanicamente - com a beleza de um momento íntimo visto com olhos destacados (mas apenas no ângulo de visão, pois mantém a paixão de quem participa do momento), ao som de "November rain" ("And on the radio / We heard ‘November rain’ / That solo’s really long / But it’s a pretty song"). E quando a pureza da letra parece chegar ao paroxismo, Regina Spektor assina com um fino traço de auto-humor, dizendo que a longa canção do Guns n’ Roses foi tocada duas vezes, pois o DJ cedera ao sono no meio da execução.

A leveza de sua sensibilidade impressiona, pois está além dos temas. Se Regina canta sobre tangerinas ou viciados em cocaína, suas palavras são tomadas de uma generosidade que não faz distinções, e que, por isso, beira o desconcertante. Assim como ela não resiste e se deixa cantarolar melodias do piano (com um simpático "pam pa-ram pa-ram" que imita o som das teclas), ou irrompe em palmas no meio de um refrão, ela canta sobre o que vê, sobre o que a encanta antes de se tornar passado. A impressão é a de um olhar que salpica o mundo de pureza e encatamento - descartando qualquer moral que não a do próprio olhar - como as notas picadas que do encontro de seus dedos com o piano. Pois, afinal, "November rain" não escolhe seus ouvintes; apenas se oferece, generosamente, para ser escolhida como epifania individual. Como reconhece em "Fidelity" (mais um caso onde um título aparentemente banal se torna surpreendente por uma leve distorção de sentido), só as canções que ouvimos em nossa cabeça nos são, incodicionalmente, fiéis. E só por isso despejamos nosso coração por aí, esperando que ele seja magoado para que possamos, enfim, fazer tudo novamente.

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu gosto de Seven Cities.

Fábio Andrade disse...

eu já apertei a mão do kid vinil. ele olhou pra mim e falou "inviiiisibooous", da mesma forma que ele falava coooooldplay. foi demais.

Anônimo disse...

Mulher cantando é caído.

Anônimo disse...

engraçado... qdo eu vi o clipe a primeira coisa q pensei foi: "o fábio nunca gostaria disso...".