domingo, março 25, 2007
Postado por Fábio Andrade às 12:33 PM
Melhores de 2006 - Discos
01 - Lucero - Rebels, rogues and sworn brothers
Conheci o Lucero pelo segundo álbum, uma quase obra-prima chamada Tennessee¸ lançada em 2002. A curiosa mistura de Uncle Tupelo e Replacements praticada pela banda ganhava um charme mais que especial nas gravações lo-fi à Guided by Voices, na insistente abordagem minimalista dos arranjos, e no impressionante vocal de Ben Nichols, rasgando convenções sulistas com gosto de whisky e beijos roubados. O alt-country de Tennessee afundaria ainda mais na baixa fidelidade no disco seguinte, That much further west, e viraria 180o com a produção mais elaborada (para padrões lucerianos) de Nobody’s darlings. Embora ambos fossem bons discos, o álbum de 2002 ainda guardava a aura de um tesouro perdido, de uma sensibilidade bruta que não desabrochara como imaginado nos passos seguintes da banda. Mesmo Nobody’s darlings tendo apontado um norte musical diferente, era difícil prever a virada dada nesse Rebel, rogues and sworn brothers. Ao alt-country discreto das primeiras gravações, o Lucero foi buscar inspiração em Bruce Springsteen, gerando um paradoxo musical: um disco de rock arena essencialmente minimalista. Novas sementes em solo já maduro, de onde brota não só o melhor álbum já feito pelo quarteto de Memphis, mas também a obra musical mais impressionante de 2006.
Impressionante por nascer de uma contradição de termos: como abordar o rock clássico sem trair o característico minimalismo da banda? Como resposta, o Lucero cria algo completamente novo, rearticulando convenções separadas pelo tempo. Sobrevivem a inabalável timidez da bateria de Roy Berry e o timbre particular (terrível quando isolado, mas homem de família dentro das canções da banda) da guitarra de Brian Venable; mas entram os inestimáveis teclados de Rick Steff (responsável pelas teclas nos discos da Srta. Cat Power), uma boa dose de velocidade, e o vocal de Nichols em sua melhor forma, traduzindo como nunca a urgência das canções da banda. Sim, a pequenez dos arranjos (nunca tocando mais do que o estritamente necessário) do Lucero não trai a urgência de cada peça musical que compõe Rebel, rogues and sworn brothers, e muito disso nasce na interpretação vocal de Nichols. Contradição que transcreve o que existe de mais interessante na cultura norte-americana: a reapropriação, o convívio das mais arraigadas tradições com a ponta extrema da modernidade, a criação de algo novo pela inversão de desgastadas convenções.
Valores muito bem resumidos em “What else would you have me be?”, lamento de um marginal apaixonado que cobre batida tirada dos clássicos de Phil Spector (produtor famoso pela super-produção dos arranjos) com simples Mi-Lá-Si. Contradição tão clara quanto o encontro do produtor com os Ramones, em End of the century: a convivência de extremos do básico e da exuberância. O bruto que se dobra. O bandido que chora por a amada (para quem comprava bebida e cigarro) ter partido: “I gave you everything I stole / And you stole your heart away from me / A pair of thieves and don't you know / That's the way that we will always be / You used to love me / Running wild and sleeping with the thieves / C'mon baby, what else would you have me be?”. “I don’t wanna be the one” busca outros três acordes (que, ao fim do dia, acabam sendo os mesmos) para desenhar um rock sem curvas, em que a bateria não pisa no freio nem mesmo para o solo de hammond, no meio da canção, e um quarto acorde aparece para ajudar no belo riff de guitarra.
É em “San Francisco”, porém, que o Lucero mostra onde de fato chegou. Tão básica quanto qualquer outra canção da banda, ela mistura acordeão a riffs precisos de guitarra, e uma das interpretações vocais mais impressionantes da música recente. “Like unlucky sailors just swept out to sea / I think all the girls I've loved walked through your streets /But the waves and the fog always took 'em from me”, canta Ben Nichols, esgarçando cordas vocais em desespero autêntico como não víamos desde a partida de Kurt Cobain. Todas as bandas de screamo parecem ainda mais patéticas, e toda a porcariada que se convencionou chamar de emo afoga em rasos pires; os homens encarnados por Nichols já passaram há muito da adolescência e já viram de tudo nessa vida, mas ainda assim sofrem como o diabo nas mãos das mulheres. Mas em vez de criarem barreiras de rancor, como alguns famosos maus rapazes do rock, curvam-se como narradores de filmes noir -vistos sempre através de copos cheios e fumaça de cigarro - diante da femme fatale que é o amor.
E bem quando achamos ter presenciado o ápice de uma banda, vem “I can get us out of here” para mostrar que o jogo está muito longe do fim. Guiada por intoxicantes linhas de teclado, a canção é síntese irretocável do inusitado encontro de gêneros promovido pelo Lucero em seu mais recente trabalho. Como em “Depois de horas”, acompanhamos o casal que passa a madrugada perdido no lado errado da cidade (quase enxergamos os olhos azuis da garota que cegam como o sol), e sentimos que a canção que narra o evento poderia bem ser a sua trilha-sonora. E com quatro ou cinco acordes o Lucero nos carrega por uma das melhores canções do ano, berrando “isto sim é o ápice de uma banda”.
Se o ritmo imposto pelas quatro primeiras canções não é mantido pelo resto do disco, Rebels, rogues and sworn brothers traz boas surpresas suficientes em nunca perder a atenção do ouvinte. “1979” baixa a pressão do disco e, mesmo não sendo tão brilhante quanto o hino dos Smashing Pumpkins, tem espaço para versos como “Now don't, don't give up on me not quite yet / Leaving me with only letters that I said I never kept” ou o final “Tell me why, just why / You had to go / Cause I'm, I'm no good / Out here on my own”. “Cass” lembra “A mulher mais linda da cidade”, de Bukowski, e ganha um memorável riff de guitarra. “The mountain” e “Sing me no hymns” se aproximam de The Who, em rockões mais cadenciados e dinâmicos. A extraordinária “She’s just that kind of girl” retoma o pique inicial das primeiras faixas com um belo riff, e parece a irmã pouco menos atraente (mas ainda deslumbrante) de “I can get us out of here”.
E, ao fim do disco, temos as baladas, claro. “On the way back home” e “She wakes when she dreams” fecham o disco à maneira do velho Lucero, melancólico e nostálgico como todo balcão de bar. Na primeira, dois amigos que saíram da cidade natal se reencontram a caminho de casa, e contemplam as curvas que suas vidas tomaram. “To get outta here / Two options one chance / You joined the army / I started a band”, canta Nichols em verso capaz de resumir um país. “She wakes when she dreams” é conduzida por uma linda linha de piano, tocada com uma delicadeza que se choca com a rouquidão do vocal. Mais uma vez o passado define o presente: “Nothing it seems went according to plan / Who are we kidding, there was never a plan / We followed our instincts / In the worst kind of ways”. E agora a garota dorme quando está acordada, e busca refúgio nos sonhos que a levam para a vida que gostaria de ter tido.
2 comentários:
valeu pela resposta meu velho, se vc puder me mandar um e-mail com os txts seria legal, amaurifte@hotmail.com, valeu, abraço...
Agora que finalmente vi A GUERRA DOS FAMOSOS (sim, está disponível no Youtube, apesar de você não ter avisado), aguardo ansioso pelo MÍMICO.
O maneiro é que a frame que aparece na procura é examente EU!
E trata de virar um diretor famoso e rico logo, porque eu não aguento mais trabalhar.
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