quarta-feira, setembro 03, 2008

Top 5 da semana

Filmes

1- Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço – João César Monteiro, 1970

Um dos poucos Monteiros que me faltava assistir, Quem Espera foi rodado antes de Sophia de Mello Breyner Andersen – seu primeiro filme oficial – e tornado segundo por ser lançado um ano depois. Ainda assim, tem uma mágica inaugural que brilha em cada fotograma; e, como não poderia deixar de ser com Monteiro, faz via surpreendente: funciona tanto quanto uma declaração de princípios cinematográficos (no caso do prólogo, absolutamente explícita), quanto como uma análise prévia de sua obra inteira. Visto em retrospecto, Quem Espera termina com a impressão de que, desde aquele primeiro momento, Monteiro tinha plena certeza de todos os lugares que visitaria com sua carreira. E, como sempre, brilham seu texto e suas imagens, como poucos brilharam na vida do cinema.

2 Trovão Tropical (Tropic Thunder) – Ben Stiller, 2008

Guardo considerações mais alongadas para um texto a ser publicado, ainda essa semana, na Cinética. Para os apressados, vale dizer que Trovão Tropical é muito mais do que um filme engraçado pra caralho.

3In Good Company: A Concert Movie – Dennis Fitzgerald, 2006

A epifania pode vir de todo lugar, e, melhor, pode ser induzida de diversas maneiras. In Good Company parecia ser apenas um bom registro de duas noites realizadas por Josh Ritter e banda, na Irlanda – terra onde Ritter parece gozar de maior fama do que nos EUA. Até que, antes de tocar a tradicional “Harbor Lights”, Josh Ritter provoca a platéia, dizendo como seria bacana se eles conseguissem recuperar o “slow dance” naquele show. Uns riem, outros aplaudem; todos esperando que ele volte logo a tocar. Mas ele insiste, convocando que cada pessoa na platéia convide quem está ao seu lado para dançar. Aos poucos, vemos os braços das garotas cruzando atrás dos pescoços dos rapazes, assim como grupos de solitários se abraçam para, em 4 ou 5, dançarem todos juntos. E mesmo se Josh Ritter repetir esse ritual todas as noites, a surpresa que a platéia guarda em sua realização é garantia de que algo novo e maravilhoso pode, de fato, sempre acontecer.

4Amor à Morte (L’Amour à mort) – Alain Resnais, 1984

Em semana de dois Resnais menos inspirados (ainda planejo ver outros quatro antes do fim da mostra), Amor à morte bate com maior força justamente pela surpresa de sua construção: mais do que um filme feito a partir de uma partitura, parece ser uma obra em que a música continua o trajeto desenhado por cada imagem, misturando o registro audiovisual e o musical em uma duração de sentimentos, em uma tradução de meios. Além das transições em flocos brancos que prevêem o fade pra neve de Medos Privados Em Lugares Públicos, o filme tem ao menos outro momento fortíssimo: um tenso diálogo entre Sabine Azéma e Pierre Arditi mergulhado em fundo negro, como se fossem apenas dois rostos flutuando na incerteza da mais profunda escuridão.

5A Vida É Um Romance (La vie est um roman) – Alain Resnais, 1983

Provavelmente o filme menos inspirado de Alain Resnais, A Vida É Um Romance tenta realizar uma operação, a priori, bastante instigante: sobrepor três tempos diferentes sobre um mesmo espaço, pensando a cena como um epilhamento de diferentes subjetividades que, ao longo do tempo, por ali transitaram. Embora seja muito revelador sobre questões menos visíveis na obra do diretor, o filme sofre brutalmente por sua falta de tom: a mistura de comédia, ficção científica, musical, romance e filme histórico parece nunca dar liga. Mesmo em seus melhores momentos, A Vida É Um Romance chama sempre atenção para sua falta de unidade, sua maneira desajeitada de balançar os braços.

Canções

1 – “Foregone Conclusions” – Pedro The Lion

Quando saiu Achilles Heel, passei alguns meses absolutamente viciado no disco. Nunca mais voltei a ele, até que, nos últimos dias, ele retornou, inteirinho, na minha cabeça. Aquele cd-r antigo se perdeu em algum canto do silêncio e, até que ontem decidi baixá-lo novamente, o disco passou a semana sendo cantando apenas em minha cabeça. De todas as faixas, o primeiro novo destaque tornou a ser a imediata favorita da primeiríssima audição: “Foregone Conclusions”. É fato que David Bazan sempre fez música religiosa e, como bom cristão, inflava cada palavra com o peso da crucificação. Surpreendente é que seus diminutos fossem tão absurdamente belos que abrigassem esse peso com algum conforto, cavando buracos em dias em que eu simplesmente não sentia vontade de ouvir mais nada. Embora não tenha a robustez conceitual dos anteriores, Achilles Heel é meu favorito pela consistência absurda das canções: passamos de uma a outra em um fluxo só, em um martírio que ganha ares de purgação. E “Foregone Conclusions” ainda tem uma estrofe de impressionante auto-ironia:

And you were too busy steering the conversation toward the Lord
to hear the voice of the Spirit, begging you to shut the fuck up.
You thought, it must be the devil, trying to make you go astray.
And besides, it could not have been the Lord because you don't believe he talks that way.

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2 – “Monster Ballads” – Josh Ritter

Com a vista do dvd, Josh Ritter voltou a tocar fortemente por aqui. A favorita da semana é a lindíssima “Monster Ballads”, de The Animal Years. Além da marcante melodia, do hammond e do violão que dedilha sem pausas, o que mais me impressiona é como Ritter usa o reverb em sua voz e o hiss da fita como recursos expressivos, musicais, de fato. Pela maneira como foi registrada, “Monster Ballads” deixa de ser apenas uma bela canção, e se torna um caco esquecido de vidas passadas. E ainda me faz lembrar das frequências da minha “Melody” (So grab your mistakes and a frequency to ride / And swim out the weight of the years that come in tides), por pensar as ondas do rádio como o oceano na primeira estrofe:

Radio waves are coming miles and miles
Bringing only empty boats
Whatever feeling they had when they sailed
Somehow slipped out between the notes

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3 – “Little Jane-Marie” – Smoking Popes

Explorando melhor o ótimo Stay Down, outras prediletas vão ganhando corpo. “Little Jane-Marie” é a nova encarnação de um espírito de aparições raras, mas sempre bem vindas aos discos passados dos Popes: as canções infantis. A doçura da melodia é aliada, aqui, a uma letra à “Lucy In The Sky With Diamonds”, em uma fábula fantástica tão surpreendente quanto própria a um disco tão roqueiro. É algo que a banda já havia feito extraordinariamente bem em “Follow The Sound”, “On the Shoulder” e na inesquecível versão de Destination Failure para “Pure Imagination” – tema do primeiro A Fantástica Fábrica de Chocolate.

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4
– “The Spoils of the Spoiled” – The New Amsterdams

Outro vício do passado retomado na atualização do iPod, o New Amsterdams é o projeto indie pop de Matthew Pryor, criado à época em que ele ainda comandava os Get Up Kids. Embora os primeiros discos de sua primeira banda tenham sofrido muito com o passar dos anos – curiosamente, os que melhor sobreviveram são os que mais se parecem com o New Amsterdams – sua vida paralela segue respirando tranquilidade. Worse for the Wear ainda é o meu favorito, talvez por ser o que marcou a crise do processo de composição de Pryor: após lançar, com o New Ams, o acústico Para Toda Vida, e explorar territórios menos esperados com os Get Up Kids em On A Wire, o retorno da formação completa a Worse for the Wear fez suas duas bandas se encontrarem em uma terra de ninguém. O Get Up Kids se tornaria ainda mais parecido com o New Ams com o ótimo Guilt Show, antes de acabar de vez. O projeto paralelo se tornou banda principal e, retomando Worse for the Wear, a decisão parece ser quase natural. É um ótimo disco, tomado de outras canções tão boas quanto a escolhida da semana.

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5 – “A Good Start” – Maria Taylor

Descobri a carreira solo de Maria Taylor – ex-vocalista do Azure Ray – quando o Pandora ainda funcionava aqui em casa, ouvindo a ótima “Clean Getaway”. Em seu primeiro disco, 11:11, Maria acerta mesmo a mão em apenas uma canção: “Speak Easy”, talvez a melhor faixa que ela já gravou até hoje. Em Lynn Teeter Flower, as alegrias são muitas: desde o princípio, com “A Good Start”, passando por “Replay”, “Smile and Wave” e a já citada “Clean Getaway”, Maria realiza um disco sempre agradabilíssimo. “A Good Start” deveria ser hit em toda festa rock que se preze. Aqui em casa, ao menos, sempre bomba a pista.

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4 comentários:

Sérgio Alpendre disse...

pombas, acho A Vida é um Romance uma mega-obra-prima... porque obra-prima é pouco pra ele (e pra Mélo tb)

Fábio Andrade disse...

é, sérgio, pra mim não desceu bem mesmo não. mas, curiosamente, ele provavelmente será o filme central do texto que estou pensando em escrever pra cinética.

o "mélo" eu perdi, porque na primeira sessão a cópia ainda não estava na cidade, e na segunda, quem não estava na cidade era eu. mas esse, ao menos, eu consigo pegar em dvd. o pior é o "na boca, não", que eu não vou conseguir ver mesmo, e só deus sabe quando rolará outra chance. tristeza.

Eduardo Valente disse...

indo fim de semana que vem pra sampa de novo, vc vê os dois!

ah, e o Gilberto tb me falou hoje que não gosta do Vida é um Romance, que eu vejo amanhã.

Fábio Andrade disse...

Conversando com o Ruy na saída, ele também me disse achar o mais fraco do Resnais.

Olha que vontade de ir pra São Paulo e não voltar mais não me falta...