sábado, outubro 11, 2008
Postado por Fábio Andrade às 5:58 AM
Festival do Rio 2008 – Balanço geral
Em primeiro lugar, registro aqui meu agradecimento aos leitores que, durante o festival, fizeram a média diária de acessos ao blog dobrar. Se eu ligasse um pouco mais pra essas coisas, a partir de hoje o blog passaria a ser um cópia ilustrada das minhas cotações do imdb. Como eu sou burro, retornarei aos textos que só a metade de vocês tem paciência de ler.
Muito por isso, achei que a experiência merecia um post um pouco mais longo, com comentários mais detidos e alguns gracejos que serviam pra puxar assunto com os amigos após os filmes. Aos que já ouviram algumas deles, mil perdões, mas sou famoso por contar as mesmas piadas várias vezes para todos que eu conheço. Ao menos isso já o classifica como meu amigo. Comecemos, então.
Ausências
Para quem acompanhou com interesse as primeiras programações divulgadas pela organização do Festival, é impossível não lamentar a ausência de, ao menos, quatro filmes:
- 35 Doses de Rum (35 Rhums) – de Claire Denis;
- Che – de Steve Soderbergh;
- Ponyo On The Cliff By The Sea – de Hayao Miyazaki;
- Blue – de Derek Jarman;
Os dois primeiros ficaram sem horários programados no site, e nem chegaram a sair no caderno especial do Globo. Ponyo caiu por determinação do estúdio do Miyazaki, e Blue não chegou nem pra repescagem. De qualquer maneira, são ausências que minguaram sensivelmente a programação. Se somarmos a isso a ausência do vencedor da Palma de Ouro desse ano (Entre Os Muros, que parece confirmado pra Mostra de SP), e de novos filmes de Jia Zhang-ke, Agnés Varda, Abbas Kiarostami e Johnny To (pra ficar nos que vêm à cabeça agora), qualquer intenção de cobrir os filmes mais importantes dos últimos anos (já que filmes como A Viagem do Balão Vermelho, Inútil e Na Cidade de Sylvia já tinham passado em SP no ano passado) vai pro ralo.
Salas
Destaque inevitável para a inclusão do Estação Vivo Gávea – salas novas, com os melhores projetores, o melhor som e – grande destaque – espreguiçadeiras confortabilíssimas nas primeiras filas de duas delas (não conheço a sala 3, mas pode ser que elas existam por lá também). Até a menor – sala 4 – tem uma tela bem razoável, e as espreguiçadeiras ficam a uma distância aceitável da tela. Se não fosse o ar condicionado brutal da Sala 5, ela se firmaria como nova sala favorita no Rio de Janeiro.
Risquei logo da lista o Botafogo 3, por ter tido minha entrada com credencial dificultada por funcionários e gerência da sala. Tive problemas nos primeiros dias no Espaço de Cinema, mas depois a coisa se normalizou. E o Botafogo 1 se firma como a pior entre as salas grandes da zona sul: projetor com lâmpada fraquinha, som em mono e cadeiras que, só na repescagem, me deixaram com uma dor na coluna que ainda não me abandonou.
Ruin
As projeções digitais da Rain continuam uma incógnita completa. Embora Inútil tenha tido uma belíssima projeção digital no Botafogo 1 (nas cabines) – a ponto de eu desejar que o Em Busca da Vida não tivesse sido lançado com aquele transfer safado – as outras duas sessões que vi em digital foram lamentáveis: Minha Mágica virou uma escuridão só, e Conto de Natal passou em um quase-VHS, com as laterais cortadas. Assim que vi o primeiro plano, abandonei a sessão.
Desejos não cumpridos (ou, Queria muito, mas não deu pra ver)
- Guerra Sem Cortes (Redacted) – de Brian De Palma (que tenho em DVD, mas não assisti ainda);
- Alexandra (Aleksandra) – de Aleksandr Sokurov
- Sob Controle (Surveillance) – de Jennifer Lynch
- Happy Go-Lucky – de Mike Leigh
- Ninho Vazio (El nido vacío) – de Daniel Burman
- Queime depois de ler (Burn After Reading) – de Joel & Ethan Coen
- O Casamento do Rachel (Rachel’s Getting Married) – de Johnathan Demme
- Todos Têm Problemas Sexuais – de Domingos Oliveira
- Ballast – de Lance Hammer
- Vicky Cristina Barcelona – de Woody Allen
Fora as retrospectivas de Derek Jarman, irmãos Taviani, e as Divas Italianas.
Aos filmes, então
1 – Sonata de Tóquio (Tôkyô Sonata) – de Kiyoshi Kurosawa
Meu favorito, já com crítica minha na Cinética.
2 – A Viagem do Balão Vermelho (Le Voyage du Ballon Rouge) – de Hou Hsiao-hsien
A musicalidade do cinema de Hou Hsiao-hsien, exuberante em um de seus mais singelos filmes. Sentindo o ritmo da construção visual de Hou, percebi que a única personagem chinesa de A Viagem do Balão Vermelho se chamava Song Chan, e que a inversão do nome era quase igual a chanson – palavra francesa para “canção” – e que eu seria capaz de escrever uma crítica inteira partindo disso aí. Até que percebi que o nome dela era Song Fang, e meu mundo todo ruiu.
3 – Aquele Querido Mês de Agosto – de Miguel Gomes
Dicão do Eduardo Valente, que se firmou como uma das melhores lembranças do Festival. Queria ter revisto, mas não ficou pra repescagem. Além de começar com um poema de João de Deus, é um filme especialmente forte, para mim, por reviver minha infância em cidade pequena, com festinhas parecidas com aquelas, mitologias populares parecidas com aquelas, e bandas de baile parecidas com aquelas. Lá pro final do filme, a banda toca e uma criança fica dançando na frente do palco, e aquilo ali me pareceu muito próximo das minhas recordações de vida mais antigas. E sim, eu sei que, no filme, a criança é uma menininha, mas vamos lá.
4 – A Mulher Sem Cabeça (La Mujer Sin Cabeza) – de Lucrecia Martel
A melhor adaptação acidental de Clarice Lispector já feita pro cinema, o fime de Lucrecia Martel parece um híbrido entre O Crime do Professor de Matemática e Amor (dois dos melhores contos de Laços de Família). As comparações com Lynch são acertadas, mas passei o filme pensando em 2046 (e em Brian De Palma), porque a maneira que a Lucrecia Martel trabalha o cinemascope é tão única quanto. E têm aqueles olhos inesquecíveis, em uma inversão da Maria Falconetti de A Paixão de Joana D’Arc, como o Reygadas adoraria ser capaz de fazer. Grande filme.
5 – Pai Patrão (Padre Padrone) – de Vittorio e Paolo Taviani
Talvez o melhor filme já feito sobre enfiar coisas pontudas em animais.
6 – Sad Vacation – de Shinji Aoyama
Em breve com crítica na Cinética.
7 – Noite e Dia (Bam gua nat) – de Hong Sang-soo
Com crítica minha na Cinética.
8 – Na Cidade de Sylvia (En La Ciudad de Sylvia) – de José Luís Guerín
Mais do que um belo filme, me parece um filme de belíssimas partes. Curiosamente, o todo não me emociona tanto quanto os momentos individuais. Ainda assim, a parte do café, a edição de som no Les Aviateurs, e aquelas fusões do rosto da Sylvia sobre os trens que correm, ao final do filme, são absolutamente asfixiantes. Queria gostar mais, mas só gosto muito, muito mesmo. Só.
9 – A Fronteira da Alvorada (La Frontière de l'aube) – de Phillipe Garrel
Tem dois momentos absolutamente antológicos:
1 – Quando Laura Smet adormece, um dos seus seios pende para fora da camisola, e o Louis Garrel vai lá acertar a roupa da moça;
2 – Quando ela cochicha no ouvido dele algo como: “Sabe o que eles dizem nas canções? É tudo verdade”. Melhor fala de todo o Festival.
10 – Segurando as Pontas (Pineapple Express) – de David Gordon Green
Com crítica minha na Cinética.
11 – Les Amours D’Astrée et de Céladon – de Eric Rohmer
Mais do que um filme de época, um filme sobre a representação de um filme de época.
12 – Cinzas do Passado Redux (Ashes of Time Redux) – Wong Kar-wai
Nunca foi dos meus favoritos de Wong Kar-wai, e se manteve razoavelmente igual na revisão. A mexida nas cores tem resultados ora interessantes, ora exagerados demais. Embora exibido em película, a correção de cores digital deixou a cópia final com uma baita cara de vídeo. Tenho curiosidade de saber o que o Chris Doyle (fotógrafo do filme, hoje brigado com Wong Kar-wai) achou do resultado.
13 – Velha Juventude (Youth Without Youth) – Francis Ford Coppola
Um filme sobre a história da imagem, desde sua formação física invertida, até à imagem especular de Gilles Deleuze. Gratíssima surpresa, mas seria ainda melhor se não tivesse aquela barriga explicativa que o Coppola se obriga a engolir logo depois da primeira hora. Não fosse aquilo, poderia ser um dos melhores filmes de Alain Resnais.
14 – Leonera – de Pablo Trapero
Martina Gusman possui um magnetismo cinematográfico como eu não via desde Rosane Mullholand, em Falsa Loura.
15 – Na Guerra (De la guerre) – de Bertrand Bonello
Para o bem e para o mal, o que acontece quando um cineasta francês se encanta com Mal dos Trópicos, de Apichatpong Weerasethakul.
16 – Aquiles e a Tartaruga (Achilles to kame) – de Takeshi Kitano
Em breve com texto na Cinética.
17 – A Erva do Rato – de Julio Bressane
Cleber Eduardo, alguns dias depois: “Vocês viram que a dublê de vulva do filme se chama Floresta Perpétua?”.
18 – Inútil (Wuyong) – de Jia Zhang-ke
Um Jia Zhang-ke menor, mas que ainda traz planos incríveis como o casal andando de moto, os garotos andando de bicicleta, e os filhotes de cachorro disputando as tetas da mãe.
19 – Vocês, Os Vivos (Du Levande) – de Roy Andersson
Absolutamente adorável, embora nem sempre forte, o filme de Roy Andersson tem um trunfo preciosíssimo: parte de um deboche da tal “estética de festival” (os planos em tableu, o esvaziamento psicológico das personagens, a musicalidade) e, com isso, revitaliza essas convenções como há muito não se via.
20 – O Lar (Home) – de Ursula Meier
A mais grata surpresa de todo o festival, com texto meu na Cinética.
21 – Glória Ao Cineasta (Kantoku * Banzai!) – de Takeshi Kitano
Já tinha visto em DVD e, com o atraso da cópia, acabei não revendo no Festival. Quando Kitano sacaneia todo o cinema de seus pares (de Wong Kar-wai aos espadachins voadores de Ang Lee e Zhang Yimou), é absolutamente hilário. Fica um tanto auto-indulgente na segunda parte, com altos bem altos, e baixos bem baixos. Kitano anda malucão.
22 – Quatro Noites com Anna (Cztery noce z Anna) – de Jerzy Skolimowski
Talvez o 23o melhor filme já feito sobre enfiar coisas pontudas nos animais. Com texto meu na Cinética.
23 – O Último Reduto (Dernier Maquis) – de Rabah Ameur-Zaimeche
Um filme neo-leninista sobre a força do trabalho, em que o próprio diretor interpreta um vilão chamado Mao.
24 – Sukiyaki Western Django – de Takashi Miike
Outro malucão japonês, que também se equilibra parcamente entre o trabalho apaixonado das referências e um senso de paródia meio aborrecido. Tem bons momentos, mas está longe de se aproximar dos melhores filmes de Miike.
25 – Juventude – de Domingos Oliveira
Com texto meu na Cinética.
26 – Sobre o Tempo e a Cidade (Of Time and the City) – de Terence Davies
Filme quase sempre bonito, mas nunca realmente arrebatador. Fica ali, naquele espaço morno e nada desagradável, junto com diversas outras maneiras interessantes de se queimar duas horas de vida.
27 – Waltz with Bashir – de Ari Folman
Em breve com texto meu na Cinética. Seria ótimo se fosse tão bom de assistir quanto é consciente do que faz.
28 – CSNY Déjà Vu – de Bernard Shakey
Apesar de todos os graves pesares, ainda assim tem o Neil Young. Com texto meu na Cinética.
29 – Sol Secreto (Milyang) – de Lee Chang-dong
Uma chatice razoável com alguns planos interessantes. Meu mundo não é tão pesado, e não é sempre que quero assumir o peso do dos outros. Guardo isso pro próximo da Naomi Kawase.
30 – Casa Negra (Geomeun jip) – de Terra Shin
Com crítica minha na Cinética.
31 – Minha Mágica (My Magic) – de Eric Khoo
Vou resistir ao ímpeto natural de fazer uma piada com o sobrenome do diretor. O filme não é mais que uma doce nulidade.
32 – Ano Unha (Año Uña) – de Jonás Cuarón
Com crítica minha na Cinética.
33 – Il Divo – de Paolo Sorrentino
Em breve com crítica minha na Cinética.
34 – Filme Pirata (Kaizokuban Bootleg Film) – de Masahiro Kobayashi
Outra chatice com bons enquadramentos, só que em vez do peso desmedido do luto, piadas sem graça sobre Quentin Tarantino e O Poderoso Chefão. O que, de alguma maneira, consegue ser ainda mais chato (só que com mais de uma hora a menos). Antes se reduzisse a um simples clone de Seijun Suzuki.
35 – Gomorra – de Mateo Garrone
É bastante revelador que, enquanto proposta de denúncia, a única força do filme venha justamente das cenas dos assassinatos. Garrone fez o filme errado.
36 – Joe Strummer: O Futuro Está Para Ser Escrito (Joe Strummer: The Future is Unwritten) – de Julien Temple
Com crítica minha na Cinética.
37 – Delta – de Kornél Mundruczó
Com crítica minha na Cinética.
38 – Paris – de Cédric Klapisch
Além da crítica que escrevi pra Cinética, apresento, aqui, as duas fotos do filme que eu escolhi pra matéria, mas que o Valente achou que eram engraçadas demais.
39 – Liverpool – de Lisandro Alonso
Liverpoop.
40 – Entre Cães e Deuses (Liu lang shen gao ren) - de Singing Chen
Com crítica minha na Cinética.
41 – RockNRolla – de Guy Ritchie
Com crítica minha na Cinética.
42 – O Visitante (The Visitor) – de Thomas McCarthy
Um imigrante sírio que, mesmo na casa dos outros, só curte tocar tambor de cueca.
5 comentários:
Caralho, "Il Divo" melhor que "Gomorra"??? Não consegui chegar nem ao terceiro rolo do primeiro...
"il divo" tem meia hora a menos. entre dois filmes ruins, isso faz uma baita diferença.
Belo o texto sobre a "sonata...". lúcido e, ao mesmo tempo, lírico.
sua escolha pelo trânsito das epifanias ganham um contorno de corte interessante, nos extremos beirais do sensório; só senti falta - e não sei se ocorre no filme - de um avanço da epifania, que pra mim é muito fecundo e é - pelo menos na literatura - o princípio do conceito: o nascimento do sujeito.
mas fico com o deslumbramento do texto; no quanto de luz essa palavra traz.
Bem, pelo menos são sou o único a achar o filme do Garrel melhor que do Rohmer.
é thiago, se eu tivesse que escolher um dos dois pra rever agora, certamente seria o do garrel. mas melhor mesmo é gostar mais de "segurando as pontas" do que do filme do rohmer! eu poderia falar que é só pelo hype, mas nem é.
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