domingo, fevereiro 15, 2009

2008 em 10 discos

10 – The Killers – Day & Age


Mais uma vez, começo minha lista de melhores com uma moderada decepção. Mas como poderia, eu, falar dos discos do ano sem passar pelo insolúvel quebra-cabeça de cinco peças que é Day & Age, terceiro álbum dos Killers? Pois, considerando os excessos (já que excluí-los seria matar a banda), quantas bandas recentes foram tão bem sucedidas usando como mote criativo a esquizofrenia completa de idades e influências, criando um rosto que é, ao mesmo tempo, moderninho e anacrônico; belo e repugnante; vagabundo e glamouroso; másculo e aviadado? Ouvir os discos do Killers é, em diversos momentos, como se aproximar demais de um rosto conservado jovem por sucessivas cirurgias plásticas - às vezes, você só consegue enxergar as cicatrizes.

É plenamente compreensível, portanto, o bloqueio de fãs de música bastante dedicados diante do Killers, pois a aproximação com a banda atravessa essa espinhosa parede de referências trabalhadas em chaves que as desmentem, muitas vezes neutralizando o exato valor que a banda foi buscar ali. Em Hot Fuss, o bonde do rock de garagem era projetado contra as bolas de espelho já enferrujadas dos anos 80, desnudando a nova pose de rebeldia em uma penteadeira de sintetizadores. Em Sam’s Town, a banda transformava a motivação épica das grandes bandas de rock de arena (Queen, U2, Bruce Springsteen) em um cabaré bolorento, onde os paetês já não tinham mais brilho algum, e as plumas eram substituídas por rabos de pombos mortos. De certa forma, a nobreza maior dos discos dos Killers está justamente nessa revelação da mágica como espetáculo; do épico como alegoria carnavalesca, mostrando o banquinho de madeira em que precisa subir o frontman para fingir que seus refrões são maiores que a vida. O rock é um espetáculo, mesmo em sua raiz mais espontânea, e o Killers simplesmente não compra o engodo; ao contrário, jogam-no, todo desmontado, no colo do ouvinte (o que faz da participação de Lou Reed em "Tranquilize" - tão polêmica à época - até mais coerente que as de Elton John e Neil Tennant em "Joseph, Better You Than Me").

Day & Age é ainda mais exigente, pois não pretende sequer a ilusão de foco: desde o primeiro momento, somos apresentados a combinações que não se encaixam, influências evocadas em cômodos em que elas não cabem, versos ridiculos entoados como verdades divinas. “Are we human, or are we dancer?”, pergunta Brandon Flowers em “Human”, segunda e melhor faixa de Day & Age. Mas não pergunta, somente; se põe de joelhos, como se a resposta trouxesse solução para os mais secretos mistérios da existência – e faz isso sobre camas de teclados datados, melodia roubada de alguma balada do U2, e batidão pra se entrar correndo em um programa do Celso Portiolli. E, do lado de cá, o ouvinte olha aquela cena um tanto embaraçosa, sem saber exatamente o que fazer com aquilo - dividido entre o riso de deboche e a compaixão que o faz querer andar até o pobre coitado do cantor, e limpar os joelhos de sua calça. Até que o céu se abre e, lá de cima, Deus responde com majestosa impostação: “Dancer”.

É preciso, portanto, se assumir como dançarino, pois o Killers abre a porta para um fim de mundo onde só se caminha em passo marcado. O desafio, para roqueiros emburrados como eu, é esse exercício de soltar a franga, de se deixar levar por essa onda ridícula e, por isso mesmo, maravilhosa. É aprender a cantar banalidades como se sua vida dependesse disso; de acessar o armário de influências sem um mínimo de organização ou método, pois é essa a paixão do desvario. É entrar em Las Vegas (terra da banda) e enxergar o cenário de Fundo do Coração. E, como o Harry Haler de O Lobo da Estepe, não só perceber que o mundo é uma venda e é melhor mesmo aprender a rebolar; mas também que estamos em um livro que, apesar de ter sido levado a sério demais desde sempre, nunca deixou de ser raso e vagabundo.

O Killers é esse minúsculo leviatã de cultura pop; essa inofensiva máquina ceifadora de rádios. Daí misturarem, em “Joyride”, funk de branco com percussões de salsa, sax de cassino e um refrão que faz lembrar as melhores coisas do Modest Mouse; ou, em “Spaceman”, começarem com um oh-oh-oh vexaminoso para, depois, culminar em refrão gigantesco, digno das maiores arenas de Springsteen. É um saco onde cabe tudo - da Cinderella white trash de “A Dustland Fairytale”, à lambada Disney de “I Can’t Stay” - que parece se resumir perfeitamente nos primeiros 30 segundos de “This Is Your Life”: abrir com uma paródia dos coros do Queen, cobri-la com um cravo sintetizado e, logo depois, chutar a porta com harmônicos de extraordinário bom gosto, carimbando a canção com a elegância silenciosa das guitarras de The Edge.

É justamente essa colagem de fragmentos que impressiona, pois os extrai de qualquer contexto, isolando-os em sua força (ou falta de) individual. Daí o falsete roubado do Bono funcionar lindamente em “Neon Tiger” (0:48 da canção), e a emulação de Bjork em “Goodnight, Travel Well” parecer tão despropositada. Pois a força da música do Killers nunca esteve no raciocínio sobre as estruturas musicais pop convencionais, mas sim por tratar a canção como a apropriação de pequenas manifestações, de sonoridades que produzem uma emoção que eles tentam, à sua maneira, reproduzir. Nesse sentido, Day & Age é, igualmente, o mais ousado e menos bem sucedido disco da banda, pois se torna inteiro justamente em sua fragmentação indiscriminada e esquizóide. É o retrato fascinante e imperfeito de uma banda que busca, com afinco cada vez maior, se tornar uma paródia de si mesmo.


For Dummies
Álbuns do Killers recomendados em ordem de interesse

Sam’s Town, 2006
Hot Fuss, 2004
Day & Age, 2008 (Download)

2 comentários:

Anônimo disse...

Meio suspeito gostar de artistas que revelam o épico como alegoria carnavalesca. Mas eu também gosto de the killers ;)

Fábio Andrade disse...

Sacanagem acusar o morto de gostar de Killers. Ah se ele pudesse se defender...