terça-feira, fevereiro 27, 2007

Melhores de 2006 - Discos



06 - The Lemonheads - The Lemonheads

Se existe algo que, apesar dos vários motivos, não aprendi em meus 24 anos é a me tornar imune a uma novidade referente ao Lemonheads. Que venham as formações duvidosas, outro renascimento de Evan Dando do submundo das drogas, ou o show de reunião que exige que você deixe seus ouvidos na entrada para não perceber o claro desentrosamento no palco (preço não de todo desagradável para se poder ouvir uma das melhores vozes do rock alternativo). Poucos compositores são capazes de transparecer tanta naturalidade em suas canções; poucos sabem fazer parecer tão fácil (ressoando em minha memória recente uma citação não identificada de que a função do artista seria justamente criar essa impressão de facilidade, apesar de todo o trabalho escondido por trás da obra). Naturalmente, quando fiquei sabendo que Evan Dando havia cativado seus (e de todos nós) heróis adolescentes, Karl Alvarez e Bill Stevenson (respectivamente baixista e baterista dos Descendents - sem dúvida alguma a cozinha mais talentosa da história do punk rock), para acompanha-lo em um novo disco, palpitações receosas chegaram com a primeira lufada de vento.

Meses depois, escuto The Lemonheads pela primeira vez. Procuro, obstinado, pelos hits flutuantes; canções que pudessem se juntar a “Confetti”, “If I could talk I’d tell you” ou “Into your arms”. Nada. Mudo o alvo para as baladas folk/country que temperavam o passado da banda, e sustentavam o último registro de Dando até então - o solo Baby I’m bored. Nenhuma nova “The outdoor type” à vista. Tento novamente, mas o que chega aos meus ouvidos são canções cruas e velozes, até mais diretas do que as da época em que Ben Deily ainda dividia os vocais da banda. Todas as faixas soam parecidas, e o disco dá a impressão de se dissolver no ar que o separa do ouvinte.

É provável que, se não estivéssemos falando de Evan Dando, eu tivesse deixado o álbum de lado após essas primeiras audições (e tenho calafrios ao calcular o número de grandes discos que perco nessas desistências). Mas como ainda não aprendi a desacreditar no talento do moço, insisti na travessia de mais um par de audições infrutíferas. E, em algum momento, a massa disforme e não-identificável que corrompeu minhas inocentes expectativas na primeira audição começou a ganhar corpo. Assim como fez em toda a sua carreira, Evan Dando nos nega qualquer legitimidade de pré-julgamento. Nossas expectativas são problema nosso, não dele. A ele cabe, e não é pouco, nos entregar o disco que quis fazer. E quando me recuperei do forçado exercício de humildade, me vi diante do melhor álbum da carreira do Lemonheads.

Por mais que certas canções fizessem valer o preço de cada um dos discos anteriores, Evan Dando nunca dosou seu talento igualmente em todas as faixas de uma gravação. It’s a shame about Ray tinha “Confetti”, “Alison’s starting to happen” e “My drug buddy”, mas também tinha “Kitchen” e “Ceiling fan in my spoon”. Come on feel the Lemonheads seria um disco perfeito, não fossem as duas versões de “Ricky James style” e “The jello fund”. Car button cloth é o lar de “If I could talk I’d tell you”, “Hospital” e “The outdoor type”, mas também trazia outro meio disco quase inaudível. The Lemonheads, o novo, não tem faixas de brilho tão imediato quanto as citadas acima; mas traz 11 excelentes canções que, juntas, formam o melhor disco da banda para se ouvir do início ao fim. A aparente falta de variedade nos arranjos se torna coesão, uma vez percebidas as inspirações particulares de cada composição, e a produção de Bill Stevenson dá ao Lemonheads uma solidez até então inédita. A música soa espontânea e inconseqüente, mas busca esses valores na maturidade de três músicos de raro talento.

Em obra tão inteira, difícil a tarefa de escolher pontos altos. “Black gown” abre o disco de forma mais urgente do que "Rocking stroll" fez 14 anos antes, enquanto “Let’s just laugh” usa as curvas da dinâmica para manter a pegada no refrão mais sorridente de todo o cd. “Pittsburgh” e “Poughkeepsie” trazem alguns dos melhores trabalhos de guitarra já feitos por Dando, livre sobre as bases surpreendentemente econômicas de Alvarez e a batida inconfundível de Stevenson. O baterista do Descendents é, também, autor de duas boas canções (“Steve’s boy” e “Become the enemy”), enquanto Tom Morgan (nome por trás de algumas das melhores canções já gravadas pelo Lemonheads – “The outdoor type” no topo da lista) co-assina “No backbone” e a quase-balada “Baby’s home”. Além disso, J.Mascis desenha seus inconfundíveis solos sobre “Steve’s boy” e “No backbone”, Gibby Haines (do Butthole Surfers) faz uns barulhinhos que ninguém percebe, e Garth Hudson, tecladista do lendário The Band, participa em duas faixas com ruídos um pouco mais perceptíveis.

É com esse disco de um só fôlego que Evan Dando reafirma sua relevância atual para além da formação de bons compositores (basta lembrarmos dos três Bens – Lee, Kweller e Folds - todos suas crias). Com os parceiros certos (e nunca foram tão certos quanto agora) ele continua mestre em seu ofício: criar canções boas de se ouvir. Diante da pretensão que pesa a mão de boa parte do pop atual (Keane, Demian Rice, Radiohead), o compromisso que Dando assume com o descompromisso permanece vivo e cativante. Reconheço que o diálogo reto que sua obra sempre travou com seus ouvintes aparece, aqui, meio que do avesso (um disco do Lemonheads que não funciona na primeira audição é uma contradição tão difícil de se conceber que só poderia ser real). Mas, no fim do dia, as contradições e irrelevâncias de Evan Dando continuam me sendo mais interessantes que as de quase qualquer outro artista por aí.

2 comentários:

Anônimo disse...

Se eu fizesse uma lista, acho que esse disco estaria no topo. "Steve's Boy" é uma das melhores coisas já gravadas pelo Evanzão.

Pô, aí... eu gosto de "Kitchen", hehehe.

Anônimo disse...

Lembro como foi bom o último show dele no Rio