quarta-feira, dezembro 19, 2007

Top 5 da semana

Vou tentar, a partir dessa semana, levar a cabo um top 5 duplo: uma lista de filmes, outra de canções. As idéias de o quê escrever para o blog não jorram como eu gostaria, e essas listas aleatórias deixam de ser inúteis ao me conformarem a uma mínima periodicidade, forçando as palavras ao convívio com o mundo. Parece-me um bom exercício.

Por fim (antes do começo), não sei qual a temperatura da descoberta, mas hoje cedo fiquei sabendo de duas grandessíssimas aquisições do Telecine Cult para 2008: “O mundo”, de Jia Zhang-ke, e “Three Times”, de Hou Hsiao-hsien, entram para a grade do canal em Janeiro. Mais do que duas belas estréias, a abertura do canal a dois dos nomes mais importantes do cinema mundial contemporâneo (somada ao lançamento de “Em busca da vida” nos cinemas do Rio, e da já anunciada aquisição de “A viagem do balão vermelho” para distribuição comercial) talvez sinalize a entrada definitiva dos dois realizadores no circuito brasileiro. “Three times” não é irretocável como “Millennium Mambo”, “Adeus ao Sul” ou “Café Lumière”; a culpa, porém, é de seu primeiro tempo (o do amor). A beleza que Hou Hsiao-hsien alcança na primeira de suas três estórias é tão estonteante que acaba dificultando a vida das partes seguintes (quem será capaz de fazer frente a um jogo de sinuca ao som de “Smoke gets in your eyes”? Quem?). Parece-me, porém, uma ótima iniciação à obra daquele que muitos consideram o mais importante realizador em atividade. De Jia Zhang-ke, basta dizer aos que viram “Em busca da vida” (filme que certamente entrará na minha lista de melhores do ano) que “O mundo” é ainda melhor. Além disso, também pesquei um “Close Up” na grade do canal. Resta torcer para que seja, de fato, o de Kiarostami, e não uma excentricidade de tradução.

Filmes

01 – Império dos sonhos (Inland Empire) – David Lynch


A minha sensação de que o fim de ano guardava as melhores estréias vem se confirmando.Mais do que uma obra-prima, “Império dos sonhos” é mais uma confirmação de um cineasta de espírito inquieto, disposto a desafiar até mesmo a sua própria (já consagrada) estética. É um desses filmes que pedem, de fato, uma nova relação até mesmo dos espectadores mais vacinados (e quantos fãs de Claire Denis não conseguiram passar por “O Intruso”?). No caso de Lynch, o movimento é extremamente saudável: seus seguidores mais cartesianos são tipo dos mais chatos em qualquer discussão sobre cinema. “Império dos sonhos” me parece radical o suficiente para faze-los engolir os risos (e as risadas desconexas de toda a encenação da família-coelho me parece um recado bastante direto a todos que sempre acreditaram estar rindo com David Lynch) e os manuais de instruções, acuando-os para o fundo da sala.

02 – Repulsa ao sexo (Repulsion) – Roman Polanski


O que mais me impressiona no cinema de Polanski é sua capacidade de ir borrando, progressivamente, o limite entre a paranóia e o desejo obsessivo. “Repulsa ao sexo” se entrega a essa ambição com a mesma voluntariedade que “O bebê de Rosemary”, e o resultado não é nada menos impactante. Além do mais, a carcaça do coelho morto é metáfora de literalidade tão desconcertante que faz frente ao choro sobre o leite derramado de “Não Amarás”.

03 – Irmãs diabólicas (Sisters) – Brian de Palma


Quanto mais rumo ao passado de Brian de Palma, maior a impressão de ser ele um desses raros casos (como Orson Welles, Tsai Ming-liang, Quentin Tarantino) de diretores que já nascem com o olhar absolutamente maduro. “Irmãs diabólicas”, um de seus primeiros longas (e não conheço nenhum dos anteriores), já é tomado por todas as questões que povoam a obra de De Palma: o duplo (que reaparece em “Síndrome de Caim”, “Vestida para matar”), a consciência extrema da mise-en-scène, o jogo com uma estética popular (o início de “Irmãs diabólicas” é quase idêntico em estrutura ao de “Um tiro na noite”), a referencialidade (e Hitchcock é apenas a ponta mais óbvia de um repertório extremamente vasto), a resignificação dos objetos pelas convenções (a bisnaga de confeiteiro que é empunhada como uma faca, nos primeiros minutos de “Irmãs diabólicas”, indicando o assassinato que virá a ocorrer pouco depois). É um filme em que a contribuição que me parece maior em toda a obra do diretor já está em pleno vigor: a câmera que nunca olha, sempre espia, espreita, vê o que não deve, gerando uma mise-en-scène no entorno da diegese (a mise-en-scène de quem olha). Essa obsessão marcará toda a obra de De Palma: da antológica seqüência do vestiário feminino de “Carrie” à câmera que sobe o telhado para testemunhar um assassinato em “Dália negra” (e que toma o centro da narrativa em filmes como “Um tiro na noite”, “Dublê de corpo” e, pelo que indica o pouco que li, “Redacted”).

04 – Noites de lua cheia (Les nuits de la pleine lune) – Eric Rohmer


Às vezes basta você colocar telas de Mondrian no quarto de uma das personagens (e deixar que a estrutura das telas transforme as linhas da janela de um quarto em uma composição apropriada), e colunas gregas na de outro para indicar como seus olhares sobre uma mesma relação podem ser dissonantes. Eric Rohmer tem uma habilidade invejável em conciliar o rigor com uma fruição inabalavelmente agradável; muito do que falei sobre Bergman na semana passada parece encontrar resposta direta nos filmes de Rohmer, e “Noites de lua cheia” é apenas mais um bom exemplo.

05 – Um amor jovem (The Hottest State) – Ethan Hawke


O filme de Ethan Hawke provavelmente não entraria nessa lista se sobrasse na conta. Mas, façamos justiça, é ele que inspira a minha primeira contribuição à revista Cinética – onde você pode ler minha a minha crítica sobre o filme. O convite para escrever na Cinética vem dar vazão às minhas impressões sobre cinema, e espero que seja apenas a primeira de uma série de contribuições. E sim, eu dei um jeito de enfiar o Wilco e a Feist no meu primeiro texto por lá também.

Canções

01 – "Ol’ 55" – Tom Waits

Eu sou absolutamente obcecado pelo Tom Waits. O problema é que às vezes eu me esqueço disso, e preciso que o Godard esfregue “Ruby’s arms” em meu nariz para me fazer perceber que eu deveria estar ouvindo toda a discografia do Tom Waits no repeat, dia após dia. “Ol’ 55” é a canção que abre o fabuloso Closing Time, e é a favorita dessa semana. Por nenhum motivo que não o de ser uma canção absolutamente irresistível.

02 – "Rain" – Bishop Allen

É uma grande ironia sofrer com três dias de chuva ininterrupta após passar a semana inteira cantando “Oh, let the rain fall down and wash this world away”. Nesses dias o Rio parece ser o único lugar capaz de desafiar o mantra de Travis Bickle, pois quanto mais chove, mais sujeira parece sair das entranhas da cidade. Dando fim à digressão, “Rain” poderia ser uma canção do Guster, mas só se nascida de uma parceria com o Gordon Gano, movida pelo ciúme doentio que “Careful” sente da frivolidade de “Amsterdam”.

03 – "Sinner Man" – Nina Simone

E quando eu achava, do alto de meu conforto, que “Novo Mundo” havia amarrado o imaginário visual sugerido pela canção, lá me vêm os créditos de “Império dos sonhos”, trazendo à canção uma intensidade que parecia ainda inexplorada.

04 – "The Silence Between Us" – Bob Mould

Bob Mould é um de meus compositors favoritos, e é sempre reconfortante ouvir uma nova criação sua e se sentir testemunha de forma tão plena. “The Silence Between Us” é uma canção belíssima, e vem confirmar seu District Line como um dos mais aguardados discos de 2008.

05 – "1, 2, 3, 4" – Feist

No fundo, acredito já ter perdoado a Feist pelo perdidão no Tim Festival. Mas dia desses eu tava vendo Mtv (sim, eu nutro curiosidades que às vezes escapam a qualquer explicação) e passou uma vinheta com um trecho do clipe de “1,2,3,4”. Desde então venho me perguntando se custava muito ela ter vindo até o Congo fazer a meninada mais feliz.

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