terça-feira, agosto 26, 2008
Postado por Fábio Andrade às 11:12 AM
Top 5 da semana
Filmes
1 – O Ano Passado em Marienbad (L’Année dernière à Marienbad) – Alain Resnais, 1961
Por mais que já se tenha falado de O Ano Passado em Marienbad, revê-lo no cinema, em uma cópia novinha em 35mm, foi uma experiência de impacto difícil de se prever. Muito por, apesar de já ter sido sugada vorazmente pela crítica e a academia, a obra-prima maior de Resnais sobreviver como, sobretudo, um insolúvel enigma. Mais importante do que a compreensão narrativa são o fluxo de imagens absolutamente pregnantes, o deslize dos travellings, a geometria da composição (não só de distribuição dos elementos no quadro, mas também dos pretos com os brancos), a ousadia da fotografia (quantas imagens mais impactantes o cinema produziu do que a câmera superexposta que ameaça se jogar pela janela?) e os rostos inesquecíveis de Giorgio Albertazzi e Delphine Seyrig. Além de ser uma colagem de planos exclusivamente memoráveis, O Ano Passado em Marienbad traz uma das mais marcantes criações da história do cinema: o jardim-memória, clean e controlado, mas cercado por árvores grandes, escuras e absolutamente misteriosas (imagem que, a seu luto, Naomi Kawase resgataria em Floresta dos Lamentos).
2 – Hiroshima, Mon Amour – Alain Resnais, 1959
Muito do dito acima sobre Marienbad se aplica, também, a Hiroshima, Mon Amour – primeiro longa de Resnais, com roteiro de Marguerite Duras (Marienbad fora outra contribuição com o noveau roman, escrito por Alain Robbe-Grillet). Tido por muitos como o filme que inaugura o cinema moderno, Hiroshima traz reflexões muito presentes no cinema de hoje: indivíduos que se misturam com o espaço que habitam, projetando sobre eles toda a sua interioridade (paralelos com o cinema de Wong Kar-wai e Tsai Ming-liang são absolutamente acertados); o tempo que se acumula sobre a pele (a extraordinária imagem dos corpos cobertos de cinzas, logo no início do filme); a montagem como reflexão acerca (e não reconstrução) dos acontecimentos; o amor. É um grande filme, e só fica atrás de Marienbad por sua revisão ter se confirmado como reafirmação, não como surpresa.
3 – Dottie Gets Spanked – Todd Haynes, 1994
O plano era que este top 5 fosse exclusivamente dedicado a Alain Resnais. Mas, em meio à rotina de idas e vindas ao CCBB, este brilhante média-metragem, feito para a televisão por Todd Haynes, se infiltrou em meu fim-de-semana. Dottie Gets Spanked é uma ficção auto-biográfica sobre um garoto de 6 anos apaixonado por um programa de tv à I Love Lucy, na Nova York da década de 1960. O equilíbrio preciso entre cultura pop e Freud, sonho e realidade, invenção e desejo narrativo, doçura e crueldade, fazem deste filme uma das obras a melhor se aproximaram do universo infantil. Ajuda muito, é claro, o rosto penetrante de Evan Bonifant – sem dúvida uma das melhores presenças infantis já registradas por uma câmera. Em meia hora de grande cinema, Haynes pensa não só a infância, mas também a sua relação com o mundo adulto, seja ela com os pais, a ficção, a sexualidade, os padrões de comportamento, e até mesmo a sua perspectiva enquanto criança.
4 – Noite e Nevoeiro (Nuit et Brouillard) – Alain Resnais, 1955
Da primeira vez que vi Noite e Nevoeiro, tive certeza de estar diante de uma obra-prima absoluta. Da segunda, comecei a me incomodar com a necessidade de Resnais em escancarar suas intenções com o filme em toda oportunidade, por vezes iluminando demais algo que já era visto com bastante clareza (a idéia de que nenhum filme seria capaz de traduzir, de fato, o horror). Neste terceiro contato, nem tanto o mar, nem tanto a terra; apenas a certeza de o quanto gosto e desgosto de o que gosto e desgosto. O peso do filme permanece intacto, firmando-se muito provavelmente como o maior feito cinematográfico sobre o holocausto. Quando mantem seu tom à cinejornal – quase científico – Noite e Nevoeiro ganha, nessa suposta indiferença, uma força brutal. Quando mergulha mais fundo em uma vontade de derrame poético, por vezes se machuca em sua própria vaidade. O que, aliás, não são arranhões difíceis de se admitir. Mesmo com ressalvas hoje bastante sólidas, sigo encantado com Noite e Nevoeiro – filme que seria obrigatório, se existissem filmes obrigatórios.
5 – Stavisky... – Alain Resnais, 1974
Mais do que todo o velho papo sobre a memória, a revisão condensada da maior parte da obra de Resnais (por questões de horário, perderei alguns poucos filmes) ressalta qual é a sua grande questão cinematográfica: a mise-en-scène. O que parece fascinar o diretor é justamente descobrir como chegar aos melhores caminhos cinematográficos para traduzir suas questões. Assim como Hiroshima e As estátuas também morrem são filmes de choques de montagem, e O Ano Passado em Marienbad e Noite e Nevoeiro são filmes essencialmente horizontais (isso se ficarmos apenas nos filmes vistos e revistos na mostra, até agora), Stavisky incorpora a vertigem social de seu personagem-título em uma decupagem basicamente vertical, com suas gruas, elevadores e caminhadas que sobem e descem as escadas e as ruas, sempre em perspectiva. Embora claramente menor dentro da filmografia do diretor, Stavisky tem, ao menos, um grande plano: os espelhos irregulares que partem a imagem Arlette (Anny Duperey) nos degraus da escada que Stavisky (Jean-Paul Belmondo), em sequência, subirá.
Músicas
1 – “Nights Like These” - Lucero
Ver o Lucero por duas noites seguidas em minhas férias foi uma das experiências mais afirmadoras de minha vida (e ajuda muito que Ben Nichols tenha apertado minha mão com gosto quando fui me apresentar e trocar duas palavras): apenas uma banda de rock, sem roadies ou qualquer tipo de produção, tocando para 200 pessoas todas as noites, ganhando apenas o suficiente para chegar até a cidade seguinte, só encerrando quando o álcool não permitir mais a saída das palavras. Na platéia, um público igualmente sedento por uma experiência menos produzida: garrafas de cervejas erguidas em todos os refrões, uma comoção de machos que entoam todas as palavras, a ocasional briga que ameaça irromper – ressaltando o desejo de perda de controle que não raro vai um pouco longe demais. Se ver um show do Lucero é uma das experiências mais rocks no rock da atualidade, curiosamente, apenas seus dois últimos discos (Nobody’s Darlings e Rebels, Rogues & Sworn Brothers) são assumidamente roqueiros: “Nights Like These”, uma das mais belas baladas do deslumbrante Tennessee, marcou presença nas duas noites. É canção que reduz o country a frangalhos, despedaçando duros corações sulistas ao verem uma mulher chorar. Traz, ainda, um verso notável:
“The beer tastes like blood and my mouth is numb / I can't make the words I need to say /
She had a weakness for writers / And I was never that good at the words anyways”.
2 – “My Kind Of Soldier” – Guided By Voices
A maior satisfação de se gostar de uma banda que prima pela irregularidade é descobrir, em meio à sua vasta discografia, um disco extraordinário que você ainda não conhecia. É o caso do Guided By Voices e Earthquake Glue, um dos mais sólidos álbuns já lançados pela banda. Embora suas canções sirvam ou para reafirmar o gênio de Bob Pollard, ou sua falta de vontade em editar seu próprio material, “My Kind Of Soldier” – a primeira de Earthquake Glue – vem certamente puxando a primeira fila. Com melodia que gruda logo no primeiro contato, está ali, junto com “Glad Girls”, “Back to the Lake”, “I Am A Tree” e “The Official Iron Man Rally Song”, entre as melhores coisas já gravadas por eles.
3 – “Space City” – Drive-By Truckers
De todas as bandas que vestem a camisa do southern rock, o Drive-By Truckers é certamente a mais abrangente: suas canções vão das raízes do Lynyrd Skynyrd à curva alternativa do Soul Asylum, passando por Uncle Tupelo, Replacements, blues, country, rock de arena e folk. “Space City” é uma áspera balada tirada do genial A Blessing and a Curse, de 2007. Buscando a melodia sob toneladas de areia, os dedos raspam pelas cordas de aço do violão, como se uma mudança de acorde fosse capaz de decepar a orelha do ouvinte. A Blessing and a Curse é mais uma descoberta tardia que, se feita em tempo, muito provavelmente encontraria lugar em minha lista de melhores do ano.
4 – “Sleeping In” – The Postal Service
Embora eu ache o Death Cab For Cutie uma banda agradável, por vezes seu gosto pela choradeira dá no saco. O Postal Service, projeto de música eletrônica do vocalista Ben Gibbard com Jimmy Tamborello, traz todo o lado positivo do DCFC sem a mão pesada, e isso faz toda a diferença. Embora Give Up já esteja em rotação por aqui há alguns anos, frequentemente retorno ao disco com o desejo dos hábitos recentes. Recheado de ótimas canções, Give Up lhe dá a única tarefa de escolher sua favorita para a semana. A que volta e meia retoma o posto é “Sleeping In”, hit instantâneo cheio de barulhinhos maneiros e um ótimo refrão.
5 – “Say It Right” – Nelly Furtado
“Say It Right” é tão boa que, até dois dias atrás, eu acreditava ser uma música da Madonna. Até que vi o clipe e descobri que não: era Nelly Furtado, mulher que carrega a culpa pela atrocidade que é “Promiscuous Girl”. Ainda não conheço o suficiente de seu repertório para me posicionar, mas sei que “Say It Right” – parceria com Timbaland – é um hit absoluto.
3 comentários:
Fabio,
Tudo bem?
Vai conseguir redigir algum texto sobre a importante obra de Resnais? Acho que a melhor tentativa de compreensão é esboçar um texto que reflete a emoção de vê-los em sequência.
Mudando o tema: alguma expectativa com relação ao argentino La León, lançamento da Moviemobz nos cinemas? Eu vi e gostei bastante. A obra remete a Bresson, Malick e mais recentemente a Lisandro Alonso. Eu recomendo.
Um abraço.
luiz,
certamente vem algum texto por aí. estou pensando em algumas abordagens diferentes, e aí é questão de ver mais uns filmes (os que ainda forem possíveis) e ver qual dos recortes parece mais frutífero.
a emoção em vê-los em sequência é grande sim. mas aí, tenho para mim uma chatice metodológica: para eu escrever um texto com esse enfoque, só se tivesse condições de realmente ver/rever a obra completa. pela minha agenda, infelizmente não será possível.
ainda não vi o "la léon", mas lembro de ler coisas boas sobre, na época do festival do rio. vou tentar ver sim e, dependendo de como forem as coisas, ele entra em um top 5 de alguma semana futura.
abraço e obrigado!
Fabio,
Realmente após o fim da Mostra Resnais vai ser possível identificar um recorte para o texto.
Quanto ao La León tente ver logo, pois ele está em cartaz só no Estação Botafogo 3. Ou seja, infelizmente deve sair logo de cartaz. O filme é bastante recomendado e podemos iniciar uma discussão sobre ele em breve.
Um abraço.
Postar um comentário