segunda-feira, agosto 11, 2008

Top 5 da semana

Sim, eles estão de volta.

Filmes

1. Warriors – Os Selvagens da Noite (The Warriors) – Walter Hill, 1979



Warriors é uma das minhas mais caras memórias cinematográficas da infância – é o filme de menino por excelência – e retomar contato com marcos tão profundos é experiência não raro frustrante. Não é esse, porém, o caso deste grande filme de Walter Hill. Se o fascínio por uma Nova York disputada palmo a palmo pelas mais excêntricas gangues de rua imagináveis (quantos personagens tão absurdos o cinema já gerou quanto os Baseball Furies?) permanece forte na revisão, chamam muita atenção o trabalho sempre pulsante da câmera de Hill; a cuidadosa transposição estilística do universo das histórias em quadrinho à encenação, à decupagem e à edição; o carisma de atores que, pela irregularidade de suas carreiras posteriores, parece exclusivo àqueles personagens; e a nada convencional mistura de temperaturas de cor de Andrew Laszlo.

Além disso, o filme tem uma cena capaz de traduzir o underdog como o cinema poucas vezes soube fazer: o encontro de Swan (Michael Beck) e Mercy (Deborah Van Valkenburgh) com dois casais a caminho de uma festa de formatura, em um trem do metrô. A maneira como a câmera busca os pés sujos de Mercy espremidos em sapatos de salto alto é um dos movimentos mais abertamente políticos já realizados por Hill. Se é uma pena a memória ser tão freqüentemente traída pelas revisões, pena maior é os marcos cinematográficos da infância nem sempre serem da estatura de Warriors.

2. A Vida de um Tatuado (Irezumi ichidai) – Seijun Suzuki, 1965



Suzuki é um dos sujeitos mais particulares da história do cinema japonês: “operário” das linhas de montagem de um grande estúdio (Nikkatsu), fazendo quase três filmes ao ano, levou o gênero yakuza a uma estilização formal sem paralelos, esticando a tolerância da indústria até sua marginalização oficial, depois do brilhante A Marca do Assassino, de 1967. Assim como em Vagabundo de Kanto, de 1963, A Vida de um Tatuado tem seus dois primeiros terços marcados por uma mise-en-scène cirurgicamente narrativa, para, na meia hora final, culminar em uma alucinada apoteose de rigor, criatividade e pancadaria eximiamente coreografada.

O absoluto despudor das cores de Suzuki levaria o estúdio obrigá-lo a filmar exclusivamente em preto e branco, após o pandemônio de amarelos em Tóquio Violenta (único filme de Suzuki lançado em dvd no Brasil). Em A Vida de um Tatuado, sua palheta ainda vibra em plena exuberância: a luz vermelha que se faz de filhete de sangue a escorrer pelo chão, a luta de guarda-chuvas, o cenário em camadas coloridas que se abre em profundidade, o céu em berrante vermelho. A Vida de um Tatuado entra, ao lado de Juventude da Besta e os já citados Tóquio Violenta e A Marca do Assassino, para a galeria de obras-primas maiores realizadas por um dos sujeitos mais curiosos e talentosos que os espectadores parecem, enfim, começar a trazer da margem para o centro da história do cinema.

3. Amanhã a gente muda de casa (Demain On Déménage) – Chantal Akerman, 2004



Meu primeiro contato com um longa de Chantal Akerman veio marcado pelo arrebatamento profundo causado por Tombée de nuit en Shanghai – episódio no coletivo O Estado do Mundo que, a propósito, anda na programação do Canal Brasil (achando, enfim, uma utilidade para o embaraçoso episódio de Vicente Ferraz). A disparidade não poderia ser maior: Demain On Déménage é uma aceleradíssima comédia slapstick, girando sempre vários tons acima do naturalismo, sem nunca esbarrar no contemplativo de Tombée. A surpresa tirou-me do conforto, e o filme de Chantal foi me conquistando à medida que a razão de seu humor se mostrava mais clara: parodiar sem contornos os clichês e os cânones da cultura francesa. Vamos do cinema neurótico barato às comédias que confundem vazio com leveza (onde todas as personagens sabem tocar piano), passando pela chanson, o erotismo e a apropriação do espaço como manifestação da subjetividade (as relações visionárias com Medos Privados em Lugares Públicas são muitas e inevitáveis). Até Proust vira alvo de uma das melhores piadas do filme: a madalena transfigurada em frango com tomilho, que faz lembrar “lembranças, natureza e armários de carvalho”.

4. A Questão Humana (La Question Humaine) – Nicolas Klotz, 2007



É curioso como, ao refletir questões absolutamente presentes na vida contemporânea, o francês Nicolas Klotz se faz valer de estratégias e armações muito caras ao cinema moderno francês, em especial Alain Resnais e Claude Chabrol (que, aliás, tem em cirucito o ótimo Uma Garota Dividida em Dois). O que me parece mais forte, porém, são justamente os contrapontos que Klotz impõe à frieza nacional-socialista das grandes corporações com cenas marcadamente musicais, onde o corpo e a câmera saem de um registro estático para uma mobilidade que – embora coerentemente, reconheço – por vezes me parece faltar ao filme. Não conheço os dois trabalhos anteriores de Klotz mas, apesar de não me bater como a obra-prima que ressoa em outros blogs e publicações, A Questão Humana é filme que faz o espectador sair da sala remoendo tudo o que acabou de ver. Se esse feito já não é em nada desprezível, o filme ainda tem a seu favor todas as inevitáveis comparações: consegue adentrar tematicamente as organizações corporativas sem nunca cair na chatice discursiva de um O Corte, ou, pior, um O Que Você Faria?

5. Luz Silenciosa (Stellet Licht) – Carlos Reygadas, 2007



Outro primeiro contato, desta vez com o cinema do mexicano Carlos Reygadas. Luz Silenciosa estava na minha lista de intenções do Festival do Rio do ano passado, mas acabou deixado de lado pela exaustão pós-Floresta dos Lamentos, de Naomi Kawase. Agora em circuito, o filme de Reygadas ainda me deixa indeciso se seus acertos são realmente inspirados, ou apenas flutuam em um repertório imagético de cinema de grife. Embora o filme me acerte com inegável força, também me deixa com uma série de dúvidas: como um sujeito tão econômico em sua construção narrativa deixa escapar aberrações como aquele plano em que a folhinha cai do teto? Seria o mesmo realizador aquele que cria um espaço cênico tão intrigante (personagens saídos de Ordet, de Carl Th. Dreyer, soltos nos campos do México) e, em certos momentos, decupa seqüências de maneira tão desconjuntada (o dolly in que afunda na garagem, e depois parte para um vai-e-vem de cortes despropositado; ou a própria seqüência da morte de Esther). Apesar das dúvidas, Luz Silenciosa impressiona (quando vai bem, é excepcional) pelo inabalável rigor da mise-en-scène, e pela coragem ao desmontar a fé de Ordet – um dos maiores filmes já feitos – em um desejo de atualizações e de contato com o hoje que é muito lúcido e, diria até, urgente.

Canções

1. “Marry Me” – St. Vincent



Após ver o show de Annie Clark e banda, em um fim de tarde ensolardo em Nova York, escrevi em meu caderninho sobre a faixa título de seu único álbum solo:

“Existem poucas coisas tão comoventes quanto a entrega despudorada de uma garota ao compor uma canção pedindo a um rapaz que se case com ela”.

Marry Me, o álbum, tem ótimas canções em todos os ângulos, mas me são mais caras as baladas. Além de ter pés próprios e firmes, o disco é privilegiado pelo atalho de uma velha afetividade: a voz de Annie é muito parecida com a de Sarah Shannon, vocalista do excelente Velocity Girl.

2. “If You Don’t Care” – Smoking Popes


Eu achava que o punk rock (ou ao menos, novas canções do gênero) já não tinha mais nenhum efeito sobre mim. Até que ouvi Stay Down, disco que marca a volta do fabuloso Smoking Popes (visto em um Blender quase vazio, em Nova York - o que explica o fato de, ao contrário das outras bandas, eu não ter conseguido achar uma foto sequer do show que assisti), e percebi que o problema é que as bandas de punk rock que eu sempre gostei vinham mesmo lançando discos muito ruins. Stay Down é rápido, marcante e maravilhoso logo na primeira audição – coisa que todos os discos de punk rock deveriam almejar. A mistura de base instrumental em alta rotação com melodias à Smiths segue em grandessíssima forma e, depois de três audições, Stay Down já vem deixando pegadas entre os melhores de 2008. “If You Don’t Care”, a segunda do disco e a primeira do show, é o tipo de canção que os fãs de Dookie gostariam que o Green Day ainda quisesse escrever. E já começa com um verso fortíssimo: “If you don’t care, I don’t care / We don’t belong together ‘cause we don’t belong anywhere”.

3.“Lebanon, Tennessee” – Ron Sexsmith



A mais grata surpresa de minha estada em Nova York foi a adição de um show solo de Ron Sexsmith ao meu calendário pessoal. Voz e violão, público silencioso e bem aconchegado nas cadeiras e sofás do Joe’s Pub, e uma voz absolutamente extraordinária, capaz de encher o ambiente e fazer frente aos graves do metrô que, a cada três músicas, passava embaixo da casa. Ele não tocou “Secret Heart”, mas tocou uma belíssima versão para “Brandy Alexander” (para ele, nome de garota) – parceria com Feist, e uma das mais bonitas canções de The Reminder. “Lebanon, Tennessee” , porém, alugou quarto em minha cabeça justamente por, em voz e violão, transpirar uma força que eu não havia encontrado na versão original. E, melhor de tudo, alguém decidiu filmar a canção justamente naquela minha última noite na cidade que nunca dorme, mas dorme cedo.

4. “Big Empty” – Stone Temple Pilots


Passei todo o show dos Stone Temple Pilots com olhos grudados em Scott Weiland. Saí sem saber se o magnetismo era natural como seu suor, ou fruto de cuidadoso estudo de grandes performers (Axl Rose, Bono, Iggy Pop, David Bowie, Freddie Mercury, Lacraia, etc). Meus olhos, porém, não desviaram nem por um segundo. De certa forma, a dúvida espelhava a divisão do show em momentos de inesperada inspiração, e o uso extensivo das convenções roqueiras. Em alguns deles, o gosto pelo esperado saía pela culatra – “Interstate Love Song”, por exemplo, perdeu muito de sua força por vir emendada em uma matadora versão de “Plush”, lembrando que dois hits enfileirados são como a boa piada perdida, justamente por ter sido contada quando o público ainda ria da primeira. Em outros, o inesperado falava alto, e um show seguro bem pisava terrenos menos firmes. O mais marcante, sem dúvida, foi ver a banda abrir o show com a deslumbrante balada “Big Empty” – canção tão improvável como faixa de abertura que pareceu não poder, nunca mais, ceder essa vaga a qualquer outra.

5. “Glad It’s Over” – Wilco

Os EUA são a terra onde, acompanhado pelo rádio ao volante, às 3 da manhã, existe a chance real de você ouvir uma música do Wilco que nunca ouvira antes, fazendo você se emocionar quando essa era a última coisa que você esperava ser possível acontecer naquele momento.

2 comentários:

Anônimo disse...

A construção da metáfora: duas excelentes piadas contadas em seguida uma da outra, ótima.

Anônimo disse...

Valeu pelo Warriors e a Lacraia.

E faço questão de não saber o que significa decupagem.