terça-feira, outubro 28, 2008

Top 5 (mas meio manco) da semana

Filmes
Em semana um bocado lenta, apenas quatro filmes vistos.

1- O Império do Crime (The Big Combo)
de Joseph H. Lewis (EUA, 1955) – 9/10

Clássico do noir de Joseph H. Lewis, hoje um tanto raro em DVD, The Big Combo sempre foi digno de antologias pelo primoroso chiaroscuro da fotografia de John Alton. O que poucos falaram é que o brilhantismo real do trabalho do fotógrafo divide visualmente o mundo em blocos de brancos e negros para, ao fundo, confundir o espectador diante da ambiguidade absoluta do roteiro de Philip Yordan. São personagens mergulhados, todos, em um mar de tons de cinza. Com a onipresença dos múltiplos sentidos (pois duplo é pouco) conviventes, The Big Combo equilibra o crime e a lei em uma linha fina e móvel de agressiva sexualidade. O que, talvez, o coloque como um dos exemplos mais acabados – ideologicamente, sem dúvida – da fatia do cinema norte-americano conhecida como noir.

2- O Profundo Desejo dos Deuses (Kamigami no Fukaki Yokubo)
de Shohei Imamura (Japão, 1968) – 8/10

Filme tão épico quanto irregular, O Profundo Desejo dos Deuses é, como grande parte das obras das décadas de 1960 e 1970, movido pela vontade de resumir toda a história de um país. Pois, basicamente, o que faz Imamura é recontar a história do Japão (o filme se passa em uma ilha) reencenando o mito de Amaterasu, deusa do sol (imagem que, salvo engano, abre e encerra o filme) – com direito até à dança erótica distrativa de Uzume (Toriko, interpretada por Hideko Okiyama) – respondendo à chegada da industrialização e à destruição aparente dos mitos e crenças. Nesse desfile de ícones japoneses – dos deuses ao benshi, narrador que reconta a história local para as novas gerações – Imamura volta às suas mais básicas questões: a quase indistinção entre homens e animais, seja pelo espelhamento ou pela convivência em um mesmo espaço. Pelo domínio absoluto da composição visual e da mise-en-scène, Imamura é capaz de resumir complexas questões narrativas em um único plano, uma única fala, um único movimento. Meu momento favorito é o plano em que o engenheiro observa um crustáceo trocar de concha, enquanto ele próprio troca seu passado na cidade, por um presente na ilha.

3- PTU (idem)
de Johnny To (Hong Kong, 2003) – 8/10

Na revisão, PTU se firma como um dos filmes a melhor condensar a relação de Johnny To com o gênero policial. Basicamente por dar conta, em pouco mais de 80 minutos, do amplo arco rítmico que marcaria a impressionante trilogia de Eleição: da construção climática dos cuidadosos tempos esticados (Eleição) ao descarrilamento coreográfico absoluto (Exilados), sempre conduzido com a inabalável firmeza das mãos de Johnny To. Além disso, o filme parece ser quase uma refilmagem em negativo de Warriors, de Walter Hill.

4- A Luta Solitária (Shizukanaru ketto)
de Akira Kurosawa (Japão, 1949) – 7/10

Kurosawa raramente me arrebata como Ozu ou Mizoguchi – os outros bastiões mais reconhecíveis do cinema clássico japonês – mas, a bem dizer, até mesmo filmes menores como esse me embalam pela precisão de sua carpintaria cinematográfica. Como maior exemplo, as transições com as grades vistas pela janela - imagem tão graficamente interessante quanto narrativamente significativa. Interessante ver como, apesar de ainda fundado sobre um certo moralismo, A Luta Solitária já deixa antever a ruína das certezas que se daria no ano seguinte, com a obra-prima Rashomon.

Canções

1 – “Apartment Story”
National (Boxer, 2007)

Todo grande show me guarda alguma surpresa; alguma canção esquecida que, lembrada pela banda, parece me trazer um par de ouvidos virgens. No caso do National foi a estupenda “Apartment Story”, até então perdida entre as minhas expectativas de ouvir “Start A War”, “Secret Meeting”, “Fake Empire” e algumas outras favoritas mais óbvias - pedidos silenciosos atendidos, todos, pela banda. Começando com uma guitarra com oitavador que faz pensar nos baixos de Peter Hook, do New Order, a canção segue pulando passos pela bateria travada e a sobriedade psicopata de Matt Berninger. A maravilha inesperada, porém, é ela explodir em um contido gran finale, com melodia que – à maneira do National – faz pensar na redenção final de “Under Pressure”. Ao vivo, o coral de vozes dos outros integrantes empurrou esses últimos versos para o céu, e fez, por alguns segundos, a Marina da Glória parecer um templo de fés individuais e não-misturáveis, que se completavam pela entrega de cada uma das pessoas dispostas a mergulharem naquele canto de purgação. Não eram tantos, mas, naquele momento, eram todos infinitos.

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2 – “Mesmo Que Mude”
Bidê ou Balde (É Preciso Dar Vazão Aos Sentimentos, 2004)

Não é de se admirar se o ouvinte mais dedicado tenha desistido dessa banda portoalegrense após o primeiro disco. Embora começasse com o belo hit “Melissa”, Se Tudo É Sexo Só O Rock É Sobre Amor era uma bomba capaz de estrago considerável. Surprendente, portanto, que depois disso o Bidê ou Balde espalhasse uma dúzia de canções bem bacanas (o que, sejamos sinceros, é mais do que sua inspiração maior – os Rentals – jamais conseguiram fazer) em dois álbuns irregulares, mas bastante interessantes. Passei a ver a banda com olhos mais generosos após um contagiante show de abertura para o Lemonheads, em 2004, e comprei este último e melhor cd quando lançado pela Outra Coisa. O resto da discografia, confesso, só fui ouvir essa semana. Isso tudo porque um comercial cretino da Mtv trazia “Mesmo Que Mude” na trilha, e me lembrei de como a música era incrível. Por mais que canções como “Melissa” e “Bromélias” já indicassem uma fonte de bom gosto que a banda teimava esconder por trás de uma penca de micagens, “Mesmo Que Mude” é de uma perfeição estrutural absolutamente surpreendente. Começa com um belo solo, corta para versos onde os riffs marcados de guitarra são aveludados por fluidas linhas de baixo e teclados e, quando tudo já parece bom demais, ainda nos leva a um puta refrão. Tudo no tempo certo, passando de uma parte a outra com cuidado e bom gosto. E se as letras da banda sempre oscilavam entre um certo talento de criação de personagens, e um universo paródico que chegava às raias do incantável, a de “Mesmo Que Mude” é uma simples e bem acabada jóia.

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3 – “Brand New Start”

Little Joy (Little Joy, 2008)

Vazou o disco de estréia do Little Joy, banda de Rodrigo Amarante (Los Hermanos) e Fab Moretti (Strokes). Cantado quase todo em inglês, o álbum evidencia um dado de construção não muito feliz: parece, como é, produto de uma banda que, com duas ou três canções já escritas, se trancou em um estúdio para compor e gravar todo o resto em alguns poucos dias. Dito isso, é uma surpresa bastante agradável perceber que Little Joy flui bem melhor do que os últimos discos das bandas principais de seus integrantes, articulando bons e maus momentos em uma unidade que, embora desequilibrada, extrai alguma graça da iminência da queda. Os melhores momentos são justamente aqueles em que a pseudo-embriaguez circense de Amarante vai à América, em canções que lembram tanto as incursões vaudeville de Tom Waits (Alice e as canções de realejo de Frankie’s Wild Years), o burlesco bufão do Modest Mouse, ou a graça pueril do I’m From Barcelona. “Brand New Start” é uma mistura dessas três coisas e, nessas primeiras audições, salta ao ouvido como o hit mais óbvio do bolo.

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4 – “Paper Planes”
I’m From Barcelona (Who Killed Harry Houdini?, 2008)

Depois de três audições completas, é difícil não lamentar que o segundo álbum do I’m From Barcelona ainda não tenha causado nem a sombra do impacto do grande Let Me Introduce My Friends. Talvez por a banda ter trocado o ensolarado veraneio dos cantos de jardim de infância do primeiro disco, por texturas de primaveril psicodelia. O problema é que, com esse movimento, o I’m From Barcelona parece ter perdido um tantão considerável de carisma, e se tornado um primo menos resplandescente do Polyphonic Spree. “Paper Planes” é uma das poucas canções do disco que parecem capazes de fazer frente ao repertório anterior da banda, embora não tenha a estatura de “Oversleeping”, “Chicken Pox”, “Tree House” ou “We’re From Barcelona”. De minha parte, seguirei ouvindo o disco diariamente, esperando que essas três primeiras audições não passem de equívocos de um ouvido emburrado.

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5 – “For Today”

Jessica Lea Mayfield (With Blasphemy, So Heartfelt, 2008)

Jessica Lea Mayfield tem 19 anos, cabelos de menino, um par de coturnos e um piercing no meio do nariz. Talvez se torne um novo ícone do indie folk, escrevendo a trilha para um próximo Juno. Talvez não. Vi dois shows seus em Los Angeles, abrindo para o fabuloso Lucero, e me pareceu ter algum carisma. Finalmente achei seu disco de estréia (que ainda não tinha sido lançado na época), e a relação foi menos afetuosa. Talvez por, em disco, não poder ver o baixista gordo e barbudão, que tocava cada nota de seu baixo acústico como se estivesse se transformando no rinoceronte do Jumanji. “For Today” é uma canção bem bonita, e a que parece melhor ter conservado, no disco, o brilho das performances ao vivo. É dessas baladas tristealegres, nunca desagradáveis de se ouvir pela manhã.

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