segunda-feira, outubro 20, 2008

Top 5 da semana

De volta após o Festival do Rio, em semana de filmes assustadoramente fortes. Pelo populismo, passei a incluir as cotações do imdb ao lado dos títulos.

Filmes

1 – Bom Trabalho (Beau Travail)
de Claire Denis (França, 1999) – 10/10

Na revisão, a obra-prima de Claire Denis (diretora que traz uma penca de grandes filmes no currículo, e pelo menos outra obra-prima – Desejo e Obsessão, de 2001) conseguiu me impressionar ainda mais. É, sobretudo, um filme grego – lembrando, com o glorioso balé de músculos frente ao céu azul, as estátuas dos deuses em O Desprezo, de Jean-Luc Godard. Além de ter um dos finais mais marcantes do cinema contemporâneo, toda a coreografia de Bom Trabalho se torna monumental pelo brilho primoroso dos key lights de Agnès Godard – que a bela cópia em DVD da Artificial Eye consegue conservar.

2 – Os Três Bêbados Ressuscitados (Kaette kita yopparai)
de Nagisa Oshima (Japão, 1968) – 10/10

Por sua incorruptível crueza, Oshima sempre me pareceu quem melhor incorporou o sentimento dos cinemas novos. Os Três Bêbados Ressucitados traz diversos dos elementos mais caros a essa geração – a juventude, o cinema como tema a ser problematizado, as drogas, as mulheres, a desorientação política – com um senso de humor tão admirável quanto cortante. Parte de uma simples imagem – a célebre foto do vietnamita morto com um tiro na cabeça que, apesar de revelada de fato apenas ao fim, ronda a narrativa desde os primeiros minutos – para pensar todo um manancial imagético dos jovens na década de 1960, questionando política e moralmente essa relação, sem nunca querer ser denúncia de coisa alguma. É um filme sobre consequências – não sobre causas – e isso faz uma diferença brutal.

3 – As Damas do Bois de Boulogne (Les Dames du Bois de Boulogne)
de Robert Bresson (França, 1945) – 9/10

Realizado logo antes da ruptura estética (Diário de um Pároco de Aldeia, filme seguinte a este) que marcaria o Bresson que o mundo conhece, As Damas do Bois de Boulogne é movido por uma transparência narrativa que faz lembrar sujeitos como David Lean (Desencanto, sobretudo), Max Ophuls e até Josef Von Sternberg. Mas é um parentesco surpreendente justamente pela maneira particular que Robert Bresson explorará a decupagem clássica. Talvez a seqüência que melhor expresse isso seja justamente a inicial: ao ouvir de um amigo que seu marido não lhe amaria mais, Hélène (María Casares) torna uma situação banal tão particular por uma simples distorção dos corpos: em vez de interagir com o amigo, Bresson a coloca olhando levemente na direção contrária – para fora do carro e do quadro. “Eu só vejo e ouço o que desejo”, diria ela, mais tarde. Já estava dito por aquele olhar, naquele plano. Hélène parece, ao fim, representar a própria figura do diretor: uma personagem que manipula as estruturas à sua volta para, com o máximo de discrição, conduzir os outros a produzirem ações que pareçam espontâneas e naturais, mesmo quando rigorosamente armadas. Antes de desenvolver todo o seu solidíssimo projeto artístico, Bresson já abalava as estruturas convencionais em cenas como a do carro (e como o diálogo no bosque que é abafado pelo som da cachoeira), ou por falas tão brilhantes quanto “Ela queria viver para dançar, e não dançar para viver”.

4 – Uma Ave no Vento (Kaze no naka no mendori)
de Yasujiro Ozu (Japão, 1948) – 9/10

Se Ozu não assinasse todas as suas imagens em letras garrafais, não seria difícil assistir a Uma Ave no Vento acreditando ser, na realidade, um filme de Kenji Mizoguchi. Um dos filmes menos conhecidos de Ozu, Uma Ave no Vento forma com o filme seguinte – a obra-prima Pai e Filha – um retrato duplo sobre os efeitos da segunda guerra mundial em seu cinema. Cineasta das contingências, é bastante natural as famílias de Ozu também serem afetadas pela vida na guerra, e Uma Ave no Vento se torna – por isso mesmo – o momento em que uma circunstância tão pontual ganhou maior destaque em sua carreira. Ozu não precisa de mais do que uma seqüência para pôr a trama em movimento: vemos uma mãe interagindo com o filho para, com um corte, passarmos à foto do marido vestindo um uniforme militar. O filho fica doente e, com o marido na guerra, a mulher se vê obrigada a se prostituir para pagar as contas do tratamento. Se para Mizoguchi esse detalhe renderia (como rende) questão para vários filmes, Ozu passa rapidamente por isso e faz o marido voltar logo da guerra. A partir daí pode pensar seu único tema: os efeitos do tempo sobre o núcleo familiar. Filme de intensidade estranha a Yasujiro Ozu, Uma Ave no Vento traz uma das imagens mais fortes já criadas pelo diretor: a mãe que carrega, literalmente, o filho nas costas.

5 – A Rua da Vergonha (Akasen chitai)
de Kenji Mizoguchi (Japão, 1956) – 9/10

Curiosa uma semana que contrapõe visões tão complementares: assim como Uma Ave no Vento aproxima o universo de Ozu ao de Kenji Mizoguchi, os primeiros minutos de A Rua da Vergonha parecem, de fato, um filme de Yasujiro Ozu. Último grito de Mizoguchi – lançado em dvd esplendoroso na série Masters of Cinema – A Rua da Vergonha parece expor o ambiente mais caro ao diretor (um bordel) aos efeitos do tempo que passa. Quando ouvimos a possibilidade da aprovação de uma lei que tornaria a prostituição ilegal (e Mizoguchi faz clara declaração de princípios ao dividir a discussão em uma amigável conversa entre um dono de bordel e um policial), temos a impressão de que Mizoguchi estaria enxergando, ali, o fim de seu cinema. O mais perturbador, porém, é que a lei não é aprovada, fazendo a discussão sobreviver à morte do diretor. Mizoguchi retorna ao que todos seus filmes deixam claro: seu interesse não está nas questões pontuais, mas sim nos valores. Não à toa temos, aqui, em meio a discurso tão múltiplo quanto complexo, a inserção de meninas que já absorveram trajes e hábitos ocidentalizados (fazendo lembrar de O Fim do Verão, também de Ozu), e que, com notável impetuosidade, quebram o jogo de máscaras das relações japonesas expondo-as na nudez de sua natureza: é comércio, puro e simples. Além dos talentos já conhecidos de Mizoguchi (o exímio controle da luz; o trabalho cuidadoso das camadas de profundidade dos cenários; a certeza de seus movimentos de câmera), fica como interessante vislumbre a trilha de Toshirô Mayuzumi – compositor que, embora tenha trabalhado com Ozu e Mizoguchi, se tornaria mais conhecido pelo trabalho de vanguarda com a geração seguinte de realizadores japoneses, em especial ao lado de Shohei Imamura.

Canções

1 – “I Wish I Knew How It Would Feel to Be Free”
de Nina Simone (Silk and Soul, 1967)

Clássico gravado por Nina Simone em Silk and Soul, “I Wish I Knew How It Would Feel to Be Free” deveria ser adotada em cursos de música como tradução perfeita do conceito de “dinâmica musical”. Uma única linha melódica é repetida ao longo de toda a canção, mas vai ganhando corpo ora pelas variações da letra, ora pela entrada de novos instrumentos (os metais, em especial) ou, ainda mais complexo, pela dobra da levada de bateria na estrofe final. É de um minimalismo extremo que, pelo brilhantismo do arranjo e a interpretação carnal de Nina Simone, se constrói como pura redenção.

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2 – “Diane”

de Guster (Keep It Together, 2003)

Muito provavelmente o melhor disco lançado em 2003, Keep It Together levaria a um nível inimaginável as potências pop que o Guster já deixara claras em Lost and Gone Forever, de 2001 (e um tanto pálidas em Ganging Up On the Sun, de 2006). “Diane” é a primeira de uma seqüência de 9 canções perfeitas (só parando para um breve respiro depois da linda “Come Downstairs and Say Hello”) e, mesmo depois de tantas audições, seu brilho permanece intacto. Basicamente um jogo de camadas de uma mesma voz (a de Ryan Miller – já que Adam Gardner faz apenas alguns dos backing vocals da canção), “Diane” alcança novos níveis de emoção conforme Miller sobe no registro (os agudos de “The theme returns so deep / and visits us in sleep...”, e do backing “And I may leave in time you'll see / I'll come right back for you”). Keep It Together é um disco delicioso, e – assim como Lost and Gone Forever e o primoroso dvd ao vivo Guster On Ice – traz uma banda interessantíssima em seu melhor momento.

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3 – “Your Lies”

de Shelby Lynne (I Am Shelby Lynne, 2000)

Procurei I Am Shelby Lynne por recomendação do Sérgio Alpendre em seu Melomania, e logo me vi de joelhos diante de “Your Lies”, o furacão retrô que abre o disco. A canção faz lembrar as Ronettes (em especial por a produção revitalizar as cordas de Phil Spector), mas talvez só como um lado b descartado por não ser alegre o suficiente para as três moças do Brooklyn (embora ainda seja florido demais para as Shangri-las).

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4 - "All My Stars Alligned"
de St. Vincent (Marry Me, 2007)

A melhor canção de Marry Me continua sendo a faixa título, mas "All My Stars Alligned" deixa muito claro que, por mais que as canções mais angulares de Annie Clark sejam divertidas, é realmente nas baladas que seu disco se torna especial. "All My Stars Alligned" tem tanto de Joni Mitchell quanto de Walt Disney - com direito a um mergulho nas sombras da canção por volta dos 2:35. É também a canção em que a voz de Annie mais lembra a de Sarah Shannon, do saudoso Velocity Girl.

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5 - "A Car That Sped"

de Gene (Olympian, 1995)

Sempre que vou passar um fim de semana em Barra Mansa, desencravo algum cd esquecido para ouvir durante minha estada. Nesse último foi a vez do Gene, banda que nunca nem tentou se esquivar das comparações com os Smiths. Seja pela influência incortonável de Morrissey na empostação levemente afetada de Martin Rossiter, ou na própria capa de Olympian, o quarteto inglês de britpop sempre deixou clara sua filiação à seminal banda de Manchester. A grande diferença, é que o Gene adicionava às melodias agridoces um punch de banda de rock que os Smiths talvez só tenham almejado em "London". Hoje finado e esquecido, o Gene lançou quatro álbuns de estúdio (e um outro ao vivo) sem nunca alcançar a notabilidade que suas belas canções mereciam. Olympian segue como o melhor trabalho da banda, e a bela "A Car That Sped" se destacou no novo contato com seu fortíssimo refrão - em um disco que ainda tem pérolas como "Haunted By You", "London Can You Wait" e a velha favorita "Sleep Well Tonight".

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1 comentários:

Anônimo disse...

Bom Trabalho valeu cada hematoma no joelho!