quinta-feira, junho 05, 2008

Melhores de 2007

02 – Wilco – Sky Blue Sky




Quando escrevi, na minha lista de filmes, sobre Os Donos da Noite, de James Gray, lembro de ter ressaltado a surpreendente força extraída, pelo diretor, de construções narrativas absolutamente clássicas, habilmente contrapostas a um mundo em que o esvaziamento narrativo se tornou lugar comum. De certa forma, sentimento muito próximo me tomou ao ouvir, pela primeira vez, Sky Blue Sky – a mais nova obra-prima do mais genial grupo de rock de nosso tempo (superlativos sempre insuficientes). Mas, enquanto o projeto de cinema de Gray responde a seus pares, a conversa do Wilco é com seu próprio passado. Jeff Tweedy, o líder da banda, inventou o alt-country ainda na adolescência, tocando com o fundamental Uncle Tupelo. Finada a banda, Tweedy forma o Wilco com a ambição de desconstruir o gênero que ajudara a criar. Abre esse processo com certa timidez, em AM, disco que – embora promovesse um frutífero flerte do gênero com o indie pop – serve mais como um ótimo espanador do que como retrato do potencial da banda.

A partir do ambicioso álbum duplo Being There, Tweedy e escudeiros sujam as mãos pondo ao chão suas próprias fundações, em canções que sorvem goles de sabores tão diversos como Velvet Underground (“Misunderstood”), David Bowie (“Sunday” – quase-plágio inspiradíssimo de “Rebel, Rebel”) e Beach Boys (“Outta Site, Outta Mind”), passeando pelo rock setentista (“I Got You (At the End of the Century)”), o pop atemporal (na belíssima “Say You Miss Me”) e o country da idade do mundo (“Someday Soon”). Recolhem e reempilham os tijolos em Summerteeth - disco impressionante por sua capacidade de ser mais desafiador à medida que se revela mais pop – para depois derrubá-los novamente com os monumentais Yankee Hotel Foxtrot e A Ghost Is Born.

Sky Blue Sky nasce como resposta a uma inevitável interrogação: quais canções seriam possíveis após o fim do mundo? Pois não é menos que o apocalipse o que a banda buscava com A Ghost Is Born. Enquanto Yankee Hotel Foxtrot cantava os restos do mundo, seu sucessor tentava traduzir em canções o som da deterioração desses restos. Sons produzidos pelo seu próprio desaparecimento. Vácuos que poderiam circular aprisionados em um eterno andamento (“Spiders (Kidsmoke)”), na balada do desejo de auto-aniquilação (“Handshake Drugs”), nas asas de um espírito do passado (“Hummingbird”), ou na insuportável prisão de um ruído sem pausas (o pós-canção de “Less Than You Think”). O aceno de resposta vinha, porém, ao fim do funeral: após o prólogo de “Less Than You Think”, somos presenteados com uma nostálgica e quase frívola cançãozinha chamada “The Late Greats”. “The best life never leaves your lungs”, canta o defunto. Troca-se o desejo de encontrar curvas no minimalismo por um retorno ao útero (à terra, se pensarmos em Naomi Kawase) das canções pop, em sensação próxima à alcançada pela última parte de Nossa Música, de Jean Luc-Godard.

Depois de destruir o mundo, parece nos responder o Wilco, a única coisa decente a se fazer é pedir desculpas. Pois é como uma longa retratação que Sky Blue Sky se configura. Não temos mais esquinas que dão em outras esquinas. Como deixa clara a repetição de seu próprio título, a ambição do Wilco parece ser dar a volta no mundo em uma só reta, para chegar, enfim, novamente ao princípio. Esse desejo é cuidadosamente arquitetado em todos os níveis que discursam em Sky Blue Sky: enquanto Yankee Hotel Foxtrot era fruto do empenho de se extrair novas texturas sonoras pela manipulação sonora promovida pela tecnologia, Sky Blue Sky é gravado e mixado como um disco de 30 anos de idade. A bateria é encaixada em um canto dos headphones, seca em espacialidade como costumava ser antes do abuso de compressão se tornar lei de mercado; as texturas são extraídas de instrumentos essencialmente orgânicos (órgãos, claro, mas também violinos e a slide guitar de Nels Cline), não mais de plug-ins de Pro-Tools; a voz de Tweedy, mais áspera e imperfeita do que jamais foi, troca o universo imagético críptico dos discos anteriores pelo encanto diante da cor do céu.

Depois do fim do mundo, temos a infância do mundo. A vida se torna circular quando os homens se percebem inseridos em uma horizontalidade absoluta. Depois do azul do céu, existe, ainda, o céu azul. As vontades e as satisfações, em Sky Blue Sky, são as mais mundanas. “With a sky blue sky / This rotten time / Wouldn’t seem so bad to me now”, canta Tweedy na faixa-título. “Oh I didn’t die / I should be satisfied / I survived / That’s good enough for now”. O mundo acabou, mas o sujeito percebe que ainda está vivo. E esse olhar recém-ressucitado é capaz de uma generosidade extraordinária. Enquanto A Ghost Is Born era um mergulho no ser-eu, Sky Blue Sky é um conjunto de pequenas epifanias mundanas. É a tradução musical do eterno retorno. É um disco sobre a intensa sensação de pertencimento ao mundo.

Muito por isso, é um álbum obcecado com a idéia do movimento da vida. Logo na primeira faixa, “Either Way”, Tweedy se entrega a um jogo de “talvez” que vem justamente colocar suas canções em um ritmo uno, inabalavelmente mantido ao longo de todo o disco. “Maybe you still love me / Maybe you don’t”. Nove faixas depois, na deliciosa “Walken”, encontraremos compasso parecido em “I was singing / This song about you / I was thinking about singing / This song for you” – sensação que se repete no título de “Leave Me (Like You Found Me)”; ou na reiteração que é ferramenta para a aceitação do inevitável em “Hate It Here”; ou ainda como “white light”, “one light” e “what light” se misturam na penúltima canção do disco. Tweedy busca força na repetição dos fonemas (ou dos riffs – como em “Impossible Germany”), e aproveita a abundância de consoantes da língua inglesa como tradução concreta desse sentimento de repetição, de retorno.

Mas se a repetição nos leva do fim ao princípio, não existem fins nem princípios. O que existe é o som de uma vogal que atravessa o tempo, soando, soando, soando. Tweedy atinge, enfim, o objetivo que colocará para si no primeiro verso de "Hummingbird": torna-se um eco. A busca quase budista pelo som do universo fecha o disco em “On And On And On” – a canção que a banda parece ter passado todos esses anos tentando fazer. As vogais são reinterpretadas pela linha-base de piano e guitarra – que, conscientemente, evita que o som do contato dos dedos com os instrumentos interrompa o soar das notas, como as consoantes interrompem o som que sai pela boca. O Wilco realiza, com esse último e brilhante número, a canção-de-ninar que a banda já, antes, buscara um sem número de vezes (“In A Future Age”, “My Darling”, “Reservations”, “Wishful Thinking”). E com isso, Sky Blue Sky faz valer a máxima de que as obras-de-arte mais bem acabadas são aquelas construídas com um rigor formal tão absoluto que ele se torna transparente. Vê-se através dele como se ele não estivesse ali. Em canção que continua soando após o disco acabar, voltamos ao início novamente, no delicioso movimento de, ao fim de Sky Blue Sky, continuar enfileirando blue sky blue sky blue...


For Dummies
Álbuns do Wilco recomendados em ordem decrescente de interesse:

01 - Sky Blue Sky (2007)
A Ghost Is Born (2004)
Yankee Hotel Foxtrot (2002)
Summerteeth (1999)
Being There (1996)

06 - AM (1995)

2 comentários:

Anônimo disse...

Vamos todos sair por aí correndo, gritando e com os braços pra cima.
Óoauêaíó.

Anônimo disse...

Wilco é chato demais.