domingo, maio 31, 2009

2008 em 10 discos

06 - Smoking Popes - Stay Down

Os Smoking Popes surgiram para o mundo, na segunda metade da década de 1990, como mais uma banda de pop punk a ser rapidamente assimilada pelas majors na onda pós-Green Day. Lançaram dois álbuns belíssimos (Born To Quit, de 1995; e o irrepreensível Destination Failure, de 1997); depois partiram para coletâneas de demos (Get Fired; depois relançado com faixas bônus, como 1988-1998) e de covers (The Party's Over) bem menos dignas de atenção e apareceram com músicas em trilhas-sonoras razoavelmente populares (As Patricinhas de Beverly Hills; Angus - O Comilão, filme que teve sua trilha lançada no Brasil, e acabou mais conhecido pelo cd do que por possíveis méritos cinematográficos - nada surpreendente, aliás). Até que Josh Caterer, vocalista e guitarrista da banda, encontrou Deus e, meio como o Rodox, resolveu que só cantaria letras de fé. Josh montou o Duvall para cantar sobre Jesus, banda que praticamente não existiu; Mike Felumlee lançou canções solo e teve uma breve passagem pelo Alkaline Trio; e Eli Caterer tocou com o Colossal. Enquanto isso, os discos dos Popes iam lentamente desaparecendo do catálogo da Capitol. As lembranças da banda apareceriam em um disco tributo, e nas constantes menções de Morrissey, que sempre apontava o quarteto de Chicago como sua banda "nova" favorita.

A história comercial dos Smoking Popes é, portanto, a mesma de diversas outras bandas do período, de Ruth Ruth a Muffs. Mas a história comercial é, também, a que menos importa. Musicalmente, os Popes passaram lamentavelmente por debaixo do radar de boa parte dos ouvidos mais dedicados - embora Destination Failure tenha recebido um nada desprezível 8.8 da Pitchfork - como mais uma entre as inúmeras bandas de pop punk descartadas no período. Uma audição mais atenta, porém, seria suficiente para perceber não só uma abordagem bastante única do gênero (pelo simples fato de Josh Caterer desafiar as paredes de guitarra como um crooner de graves inabaláveis - preferência que ficava ainda mais clara no repertório nada ortodoxo de The Party's Over), mas principalmente uma inquietação aguda diante das convenções melódicas que caracterizaram o punk desde seu nascimento. Por baixo do verniz de simplicidade, as canções de Caterer invariavelmente tomavam os rumos menos prováveis, mudando de tom ou andamento quando já parecíamos ter roubado seu mapa, e buscando menores e diminutos que, em um primeiro momento, pareciam travar a fruição, mas logo depois se mostravam muito mais recompensadores. Enquanto os acomodados engoliam qualquer coisa lançada pela Fat Wreck Chords ou pela Epitaph, e os inconformados se expandiam para os catálogos da Dischord e da Jade Tree, os Smoking Popes morriam em um fosso de desatenção.

Até que Josh resolve voltar a cantar sobre o que sempre cantou. A banda faz uma turnê de reunião (com um novo baterista se juntando aos irmãos Caterer) e, dois anos depois, lança Stay Down, seu primeiro disco de inéditas em 10 anos. E, numa uruca de timing sem tamanho, se restabelecem como uma banda que não interessa a quase ninguém. Pois Stay Down é um disco muito mais direto que a maior parte das pessoas está disposta a se interessar, sem artifícios de momento que simulem algum frescor (penso, aqui, na emulação de Springsteen que tenta esconder o pop punk quadradíssimo feito por bandas como Gaslight Anthem e Loved Ones, por exemplo), ou interesses acessórios que possam vir a falar mais alto que as canções (da ironia babaca dos últimos do Weezer, à precariedade conceitual de bandas como Vivian Girls, Matt & Kim e No Age). As canções dos Popes continuam ricas demais para os ouvidos simplórios, e simples demais para os esnobes. Enquanto todos se surpreendem com a pegada roqueira que Morrissey vem afiando em seus últimos discos (lembremos, inclusive, que Destination Failure foi uma das melhores produções de Jerry Finn - falecido gênio das frequências que vinha pilotando os últimos do Moz), a banda que parece ter inspirado tudo isso segue lançando discos belíssimos, fadados ao desconhecimento.

Stay Down é, por diversos ângulos, o mais puro dos discos dos Smoking Popes. Enquanto Destination Failure construía encantamento nas dobras surpreendentes da escala musical, em Stay Down toda canção parece absorver essas esquinas com uma naturalidade serena. Seja pela urgência latente ("Welcome to Janesville", "Maybe I'll Stay") ou pela delicadeza de suas canções quase infantis ("Little Jane-Marie", "Into The Summer Sky", a própria faixa-título), os Popes deslizam pelas 12 faixas de seu último disco com a facilidade dos talentos natos. Josh ainda tem a voz de um anjo, Eli Caterer ainda cria riffs penetrantes, Matt Caterer ainda sai com linhas de extremo bom gosto (o baixo de "If You Don't Care" é um grande exemplo), e Neil Hennessy (dos Lawrence Arms) preenche os pedais de Mike Felumlee com absoluta precisão. Apesar dos momentos de fraqueza ("It's Never Too Late (For Love)" é a canção mais acomodada que a banda, entre erros e acertos, já escreveu), Stay Down tira a poeira de um gênero extremamente desgastado pelos anos de mau uso e excesso de exposição, sem nunca precisar recorrer a falsos conceitos, atalhos, makeovers que fracassam por sempre tenderem a uma nova caricatura. E se o disco me faz retomar um caminho que venho abandonando há alguns anos, é porque o que faltava eram boas canções, registradas com honestidade e paixão, sem a impressão de estarmos ouvindo a um plano de marketing. Aqui estão elas.




For Dummies
Álbuns dos Smoking Popes em ordem de preferência

Destination Failure (1997)
Stay Down (2008)
Born to Quit (1995)
Get Fired (1996)
The Party's Over (2001)

sexta-feira, maio 22, 2009

Be quick or be dead

Na subida da Rua Itapirú, um camelô vende um jogo de Playstation que traz, na capa, a foto de Adriano vestindo novamente a camisa do Flamengo.

terça-feira, maio 19, 2009

I Am Trying Not To Break Your Heart



sexta-feira, maio 15, 2009

Cinética


Como já faz um tempo que não aviso sobre meus textos pra Cinética, segue uma lista das últimas coisas que escrevi pra lá. 

- Crítica de Eu Te Amo, Cara - filme de John Hamburg;
- Crítica do incrível Beijo Na Boca, Não - lançamento brasileiro bem atrasado para o filme de Alain Resnais;
- Crítica do não menos incrível Moscou, filme de Eduardo Coutinho visto no último É Tudo Verdade que ganha, também, outros três textos na revista;
- Ensaio sobre O Lutador, de Darren Aronofsky, à luz de Last Days, de Gus Van Sant; 
- Ensaio a partir da mostra dedicada à cineasta belga Chantal Akerman, que motiva ainda outros oito textos na revista;
- Declaração de amor aos filmes de Stan Brakhage, ao lado de três outros textos sobre o cineasta. 

Por lá, você ainda pode acompanhar a cobertura diária do Festival de Cannes 2009, ler críticas de outros filmes em cartaz e ensaios a partir da retrospectiva Marguerite Duras. Boa leitura. 

quinta-feira, maio 14, 2009

2008 em 10 discos

07 - Girl Talk - Feed The Animals



Girl Talk é o paroxismo do método deleuziano. Alinhando-se a obras tão distintas quanto um ...se um viajante numa noite de inverno, de Italo Calvino, e os Kill Bill`s de Quentin Tarantino, Feed The Animals é mais um trabalho que - consoante a tendências ultra contemporâneas - pensa a taxinomia, a evocação, o inventário como um discurso artístico. Desde Secret Diary, o DJ Greg Gillis (o homem por trás da garota) usa uma mesma técnica de composição: criar peças musicais novas a partir de samples de outros artistas. Até este momento, seus álbuns se enterravam em limitações bastante previsíveis desse formato: tanto nos mais (Night Ripper) quanto nos menos interessantes de seus discos (Secret Diary), sempre pairava a impressão de estarmos ouvindo um exercício curioso de associações, mas nunca uma obra com joelhos firmes. Com Feed The Animals, porém, somos convidados a pular todas as páginas restantes do manual para, enfim, botar o brinquedo pra funcionar. E Feed The Animals funciona.

A diferença dele para os títulos anteriores não é de método, mas sim de aplicação. Em Secret Diary, os samples eram esmigalhados em microframes, construindo batidas e linhas a partir da combinação desses fragmentos. Com isso, Gillis fazia, talvez, seu mais radical exercício, tirando daquelas ínfimas unidades a possibilidade mais ampla de reconhecimento. Mas o sample, o inventário, funciona justamente a partir da identificação. Podemos não saber de onde, exatamente, vem cada referência de Kill Bill, mas elas são escoradas pela certeza da familiaridade. Nunca vimos aquelas imagens antes, mas sabemos que elas vêm de lugares imaginários muito específicos. Enquanto Secret Diary era como um quebra-cabeças sem peças, Night Ripper trazia peças bastante reconhecíveis (de "Where Is My Mind?" a "Tiny Dancer") que, ainda assim, não formavam uma imagem muito interessante. Unstoppable, seu terceiro disco, juntava as duas pontas, e encaixotava um quebra-cabeças de peças que não se encaixavam.

Até aqui, portanto, a relação com o Girl Talk era - embora fascinante em essência - de resultados um tanto tolos. A arte como jogo de montar nunca foi exercício dos mais interessantes, e os discos do Girl Talk pareciam expor o problema mais grave do método popularizado e rubricado por Gilles Deleuze: enfileirar referências não é, em absoluto, um discurso artístico. A chave encontrada por Gillis, em seu quarto disco, é simples, mas de resultados não raro muito surpreendentes: ele deixa os trechos das canções durarem um pouco mais, mas nunca os deixa tocarem sós, se esvaziando como simples citação. Além de sua preciosa arqueologia musical, o Girl Talk tem a seu favor um talento notável para perceber proximidades, e sobrepor canções ( o tão falado mash up) muitas vezes separadas por décadas (momentos como o que um verso de Lil Wayne é projetado sobre a introdução de "Under The Bridge", do Red Hot Chili Peppers, são de um timing musical desconcertante) - algo que acontece, nesse disco, muito mais vezes do que nos anteriores.

Mas Feed The Animals é mesmo uma obra notável por, enfim, encaminhar as pulsões de uma geração que se comunica por citações, e busca, na cultura pop, encontrar voz para expressar sentimentos genuinos e fabricados. O que temos, aqui, é o som dessa voz. Em um primeiro momento, é impossível não se deixar levar pelo jogo de advinhações: Radiohead, Cranberries, David Bowie, Faith No More, Toni Loc, Thin Lizzy, Elvis Costello, Nirvana, Jay-Z, Avril Lavigne, The Cure (jogo que, a propósito, as montagens feitas no YouTube a partir das faixas de Feed The Animals servem bem como gabarito). Tudo isso marcado pela batida incessante (lembremos que Gillis sempre diz que sua música favorita é "Scentless Apprentice" - aquele genuíno pancadão do Nirvana) que vai esburacando essa grande dobra temporal, trazendo um "Jump! Jump!" pra cima de um refrão do The Band; indo buscar Sinnead'O'Connor e Ace of Base em lugares cobertos de luminosa poeira; emendando o refrão de "Lovefool", do Cardigans, com o hit do ano do Hot Chip. Tudo em uma velocidade galopante, trazendo, a cada novo sample, um número avassalador de lembranças.

No entanto, se existe algo comum que faz de Kill Bill e ...se um viajante numa noite de inverno obras notáveis, é justamente o salto da taxinomia para o discurso próprio. Buscamos as palavras dos outros porque as palavras são sempre as mesmas; mas podemos criar frases fabulosas trocando cada uma delas de lugar. Logo passamos para um segundo estágio, que é o de perceber o que é criado de novo a partir de combinações de elementos já tão sedimentados na memória. É esse sentido de unidade que faz de Feed The Animals um disco tão bacana, pois Gillis não só escava a memória de cada ouvinte com os samples que tira de sua discoteca, mas, principalmente, cria momentos extraordinariamente únicos na combinação desses elementos individuais. É claro que o solo de guitarra de "In A Big Country", do Big Country, é genial por si só; mas quão mais genial ele se torna quando combinado com o refrão de "Whoomp! (There It Is)"? Quando ouvimos "ABC" montada sobre um solo de "Bohemian Rhapsody" - talvez duas das canções mais reconhecíveis da história da música pop - e sentimos ouvir essas velhas conhecidas pela primeira vez, é sinal que uma operação muito especial está acontecendo ali. Feed The Animals é uma festa ininterrupta onde essas operações acontecem diversas vezes por minuto.


For dummies
Álbuns do Girl Talk recomendados em ordem de interesse

Feed The Animals, 2008
Night Ripper, 2006
Unstoppable, 2006
Secret Diary, 2004

sexta-feira, maio 08, 2009

Um parágrafo

The Pains of Being Pure At Heart


A maior surpresa do disco de estréia do The Pains of Being Pure At Heart - talvez o primeiro hype de 2009 - é a de que uma banda com um nome tão ridículo não seja uma merda. Não é. Na verdade, a suposta inclinação shoegaze advogada por aí é uma tentativa bastante desesperada de parte da crítica (ou da própria banda) em tentar legitimizar algo que, em si, já é plenamente legítimo: o TPOBPAH escreve ótimas canções pop. Se existe algo que impressiona mais do que o número alto de músicas boas no disco de estréia da banda, é o número quase inexistente de canções ruins. Tudo soa bastante derivativo, parecendo um disco perdido da virada da década de 1980 para 1990, mas não por isso menos agradável de se ouvir. É claro que eles cresceram ouvindo My Bloody Valentine, mas a influência aparece como roupa (os vocais enfumaçados, por exemplo) que esconde armações internas tiradas de outras fontes: Jesus & Mary Chain ("Contender"), Echo & the Bunnymen ("The Tenure Itch"), Teenage Fanclub ("Come Saturday" e "This Love Is Fucking Right!" parecem tiradas do Thirteen), Pretenders ("A Teenager In Love"), Cranberries ("Stay Alive") e até algo de Hoodoo Gurus (a ótima "Young Adult Friction"). Como se pode notar, o disco é uma festa indie pronta. Mas o que realmente me intrigou nas primeiras audições do TPOBPAH foi que, embora eu conseguisse detectar todas essas influências aí, na verdade eu só pensava em bandas indie brasileiras. Em algum momento pensava em Pin Ups, outro em Pelvs, Second Come, Cigarettes, brincando de deus... e quebrava a cabeça tentando entender o porquê dessa segunda camada de derivação. Até que meu pensamento foi interrompido pela décima quinta virada de bateria mal executada no disco. E aí, eu entendi.