segunda-feira, janeiro 28, 2008

Melhores de 2007

05 – Novo Mundo (Nuovomondo) – Emanuele Crialese


Sempre que passo para um próximo filme nessa lista, dou uma olhada em algumas críticas que lembrava dizerem coisas interessantes sobre a obra em questão. Não é questão de busca de inspiração ou referências (embora eu não veja problema algum nisso), mas sim de separar o consciente do inconsciente, e tentar garantir que o texto traga, ao menos, uma ou outra observação original (ou, na pior das hipóteses, uma tentativa de alcançar algo do tipo). No caso de Novo Mundo, fica um pouco mais difícil de encontrar algo novo a se dizer depois de ter lido a excelente crítica-romance que o Rodrigo de Oliveira escreveu para a Contracampo. Não pretendo, portanto, esgotar o filme plano a plano, por simplesmente acreditar que não o faria com o brio e a paixão que o Rodrigo o fez (embora Novo Mundo ganhe um louvado quinto lugar em minha lista, tenho certeza que ele subiria algumas posições – todas, provavelmente – na lista do Rodrigo).

Existem, porém, coisas absolutamente encantadoras em Novo Mundo suficientes para render centenas de texto. Se a tentativa de capturar a migração de italianos para a América ganha, nas mãos de Crialese, estatuto de inventário do cinema italiano (já que, no filme, Fellini, Pasolini, Visconti e todos os outros mestres italianos parecem de fato conviver em plena fantasia), o que mais me fascina no filme é o estreitíssimo limite entre um cinema realista e outro assumidamente fantástico que o filme se propõe como único caminho. Nada mais coerente: a migração é sempre movida pelo sonho, pela possibilidade, pelo desejo. Um relato estritamente realista estaria imediatamente excluindo o combustível de seu objeto. Crialese não só percebe isso como realiza, em Novo Mundo, uma fusão de dois mundos: pessoas movidas por sonhos tendem sonhar acordadas.

“ ‘Você não é delicado’, disse ela com sentimento. ‘Você é resistente – como todo artista. Mas quando se trata do mundo, e estou falando de lidar com o mundo, você não passa de um bebê. O mundo é maldoso de uma ponta a outra. Você vive nele, é verdade, mas não pertence a ele. Você leva uma vida encantada. Toda vez que você se defronta com uma experiência sórdida, você a converte em algo lindo’.” Se Henry Miller escreve esse sermão para si mesmo, em Plexus, é porque o eu de seus livros (que é sempre um eu passado) sonhava em ser escritor. Em Novo Mundo nenhum dos personagens sonha viver artista; eles sonham, somente, com uma vida melhor. Mas não seria a auto-realização (o ser artista) de Henry Miller também um sonho com uma vida melhor? Se pensarmos o trecho acima à luz do filme de Crialese, não restam dúvidas de que resistente não é o artista, mas sim o sonhador. Aquele que enfrenta toda sorte de provação pela chance de realizar o ideal que traçou para si. O talento da teimosia.

As personagens de Novo Mundo (ou a maior parte delas) sonham com a América. Para a família Mancuso é a fartura de possibilidades o grande atrativo: a América sonhada por eles é o lugar onde as frutas e legumes são do tamanho de pessoas, onde moedas chovem das copas das árvores e os rios são feitos de leite. Crialese assume a visão dos personagens como a do próprio filme, tornando concretos os sonhos que a realidade poderia vir a frustrar. Saem daí alguns dos planos mais deslumbrantes de Novo Mundo, construindo atos que parecem saídos diretamente das Cidades Invisíveis, de Calvino (referência espacial que, talvez, possa ser aplicada a todo cenário do filme): os garotos que carregam cenouras gigantes, a chuva de moedas que cai sobre a lente da câmera, as galinhas maiores que cavalos. A câmera de Crialese, porém não faz distinção entre o imaginário de seus personagens: assim como filma o sonho, filma o rompimento da partida sentido por um, a possibilidade de um casamento em terras jovens vislumbrada por outra, o inferno de um navio que insiste trazer para o chão os pés de personagens com cabeças de balão. A América que acolhe, mas também a que expulsa. O país que oferece uma chance de submissão. O caminhar rápido e ordenado da modernidade que indica que Metrópolis há muito já está em andamento.

O mais bonito nesse abraço ao sonho dado em Novo Mundo é que, embora sejam sonhos diferentes para cada um de seus personagens, são desejos que só podem ser concretizados. Não pela ingenuidade que conduz à goela do leviatã, mas sim porque o sonhador dedicado não aceita a frustração. Sua entrega ao sonho se revela uma capacidade transformadora, pois é capaz de fazer enxergar azeitonas gigantes mesmo se a razão lhes disser o contrário. O filme de Crialese acaba sendo a devida recompensa a esse novo homem, fazendo esse mundo de sonhos se tornar concreto na tela do cinema. A migração, a mudança é apenas o passo necessário para que o mundo antes imaginado agora apareça vivo e em movimento – mesmo que a realidade e o tato digam diferente. O novo mundo já estava lá, pronto, esperando apenas a decisão de cada um se deixar levar pela correnteza dos rios de leite. O rio que transforma toda e qualquer experiência – por mais sórdida que seja – em algo lindo.

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Se o cinema em 2007 pareceu com preguiça de mostrar suas jóias mais valiosas – muitas delas chegando só no segundo semestre – 2008 já começa com um gás asfixiante. O primeiro grande filme do ano, A Espiã, de Paul Verhoeven, ganha crítica minha na Cinética. Se somarmos o filme de Verhoeven a Paranoid Park e Em Paris (que, enfim, estréia no Rio na próxima sexta-feira) já temos três fortíssimos candidatos para a lista do fim do ano que vem. Isso em ano em que ainda teremos os Coen, Wong Kar-wai, Brian de Palma, Tim Burton, Hou Hsiao-hsien (assim espero), Tarantino, Cronenberg, Todd Haynes...

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