segunda-feira, março 24, 2008
Postado por Fábio Andrade às 5:20 PM
Melhores de 2007
07 – The National – Boxer
Dias desses, tomava um chope com um amigo quando ele – em uma daquelas piadas que as pessoas costumam precisar de algumas horas de álcool pra se permitir fazer, mas que eu e meus amigos engolimos mesmo sem a ajuda de um copo d’água – disse que a melhor coisa que o Ian Curtis fez na vida foi se matar, pois só por conta disso o New Order veio a existir. Escondi meu sorriso atrás de um degradé de amarelos porque, no fundo, sua constatação me parecia absolutamente natural. Nunca gostei de Joy Division, pois personalidades como a de Curtis trazem – ao menos à distância – um excesso de bagagem de mão que não estou disposto a ajudar a carregar. O apreço exclusivo pela escuridão e pelo peso da própria mão nunca me encantou, porque me parece, sobretudo, uma maneira simplificadora de se pensar a complexidade. Muito por isso, nunca me interessei pelo Interpol, ou pelos discos que o Radiohead lançou depois de OK Computer.
Para mim, a noite (e aqui faço uso de imagens já um tanto desgastadas mas que, ao meu ver, ainda são as mais eficientes) sempre foi mais interessante como negação pelo contraste, como espaço de negros que a luz pode recortar. Muito por isso, várias das minhas bandas favoritas se tornam marcantes pelo uso do chiaroescuro. A capacidade do Wilco de ir de “A Shot In The Arm” a “When You Wake Up Feeling Old” em um mesmo disco; o contraste das letras de Morrissey com as guitarras de Johnny Marr; a maneira como Billy Corgan conjurava o sol no meio da noite em canções como “Mayonnaise” e “1979” – é esse convívio de antagonismos em um mesmo universo artístico que me encanta, pois parece olhar pro mundo com maior disposição de perceber suas matizes, de assumir a multiplicidade de estados de espírito, de pontos-de-vista, mesmo que esse esforço sirva apenas para o retorno ao seu próprio lugar. Algo que, fora da música, reúne meus favoritos em todas as suas disparidades: Salinger e seu peixe-banana; Mário Quintana com suas praças ensolaradas onde desfilam barcos apinhados de meninos mortos; Christophe Honoré e a discussão cantada ao telefone em Em Paris.
É esse equilíbrio que o National soubera conquistar no estupendo Alligator, e que reaparece em Boxer de forma ainda mais intensa. Pois embora o vocal de Matt Berninger seja mais do que influenciado pelo quase spoken word de Ian Curtis e Leonard Cohen, sua sobriedade intensifica o universo de imagens iluminadas de sua poesia. “Fake Empire”, a primeira canção do disco, é exemplo claro da ambigüidade que faz do National uma banda tão fascinante: assim como um David Lynch, Berminger passa os olhos sobre diversos ícones da americana, mas com uma entonação que se parte entre o encanto e a desconfiança, a superfície e o segundo plano. “Stay out super late tonight / Picking apples, making pies /Put a little something in our lemonade and take it with us / We’re half-awake in a fake empire”, canta Berminger na primeira estrofe, para logo depois adicionar novos tons com “Turn the light out say goodnight / No thinking for a little while / Let’s not try to figure out everything at once / It’s hard to keep track of you falling through the sky”.
Esse misto de euforia e desencanto é essencial para o National, pois suas canções parecem congelar justamente o momento da perda da inocência; o segundo em que o jovem se torna adulto; aquilo que não conseguimos enxergar quando um ambiente escuro é invadido por uma enxurrada de luz. O National canta sobre a pupila que abre e fecha, que tem a chance de enxergar o mundo de uma outra maneira, mas que, quando consegue adaptar os olhos às novas condições de luz, já é tarde demais.
É essa defasagem que norteia o desejo de viver pelos olhos dos amigos em “Green Gloves” (“Get inside their clothes / With my green gloves / Watch their videos, in their chairs / Get inside their beds / With my green gloves / Get inside their heads, love their loves”), que tenta restaurar o passado perdido de um relacionamento em “Start A War” (“Whatever went away I’ll get it over now. I’ll get money, I’ll get funny again”), ou que percebe a impossibilidade de se reconciliar com a juventude em “Mistaken For Strangers” (“Oh you wouldn’t want an angel watching over / Surprise, surprise they wouldn’t wanna watch / Another uninnocent, elegant fall into the unmagnificent lives of adults”). Esse desejo de retorno ao útero se torna ainda mais evidente na estupenda “Slow Show”, em que a vontade de voltar pra casa e entreter a bem-amada se revela sintoma de um retorno maior no último verso da canção (“You know I dreamed about you for twenty-nine years before I saw you”).
Assim como as letras oscilam entre o desejo e a nostalgia, o que faz do National uma banda irresistível é a maneira como a voz de Berninger é não raro acompanhada por explosões de otimismo melódico. “Apartment Story” é como uma nova “Age of Consent”. “Fake Empire” começa amarrando tons menores, para no final se jogar nos vibrantes arranjos de metais. A surpreendente influência de U2 – que já se fazia notar em discos anteriores pelas guitarras de “Secret Meeting” e “Available” – retorna no arranjo final de “Start A War”, lembrando o mergulho dissonante dos últimos minutos de “All I Want Is You”. Existe, na música do National, o gosto pelo balé de climas do Tindersticks e a obsessão por texturas do dEUS, mas a diferença é que a banda saber faz isso sem nunca parecer engordurada, ou buscar esses elementos com afinco suficiente para colocá-los acima das canções.
Porque, no fim das contas, é sobre canções que o National canta. “Hold ourselves together with our arms around the stereo for hours / While it sings to itself or whatever it does / When it sings to itself of its long lost loves”, diz o verso mais marcante de “Apartment Story”. Com Boxer, a banda parece ainda mais próxima da conclusão de que a vida é, de fato, um longo naufrágio. A grande diferença é que, enquanto se afoga, ela parece preferir desviar o valor para tudo aquilo que podemos levar, abraçados, junto conosco para o fundo do rio.
For Dummies
Álbuns do National recomendados em ordem decrescente de interesse:
01 – Boxer (2007)
02 – Alligator (2005)
03 – Sad Songs For Dirty Lovers (2003)
04 – The National (2001)
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