segunda-feira, março 03, 2008

Melhores de 2007
Discos

É curioso como, fazendo esses balanços gerais de fim de ano (que aqui se estendem por alguns meses do ano seguinte), chegamos a impressões conjunturais que, por vezes, passam despercebidas no presente dos acontecimentos. Em 2006, enquanto os cinco primeiros lugares da minha lista de filmes traziam os adornos em ouro característicos das obras-primas, minha lista de discos transitava por álbuns interessantes, mas nunca exatamente perfeitos. Já em 2007, a coisa toda se inverteu: se, no cinema, a única obra irretocável chegou por aqui na despedida do ano, as primeiras posições dos álbuns foram decididas logo nos primeiros meses.

Mais difícil, portanto, seguir fingindo que essa lista tem pretensão de salvar os melhores, em vez daqueles que, simplesmente, me dão vontade de escrever sobre. Por esse motivo, ficarão de fora discos reveladores de artistas com quem demorei a roçar cotovelos, como Spoon, Band of Horses e LCD Soundsystem, além de gratas descobertas, como Andrew Bird, Bishop Allen e Beirut. Como o catálogo de lançamentos nacional é restrito e, no primeiro ano em que não comprei legalmente nenhum dos discos da minha lista, absolutamente irrelevante, o recorte é feito seguindo as datas de lançamento oficiais do AllMusic. Por esse motivo, bons discos lançados nos EUA em 2007 ficam de fora. É o caso do belo – mas, a essa altura, bem esburacado pelo tempo – segundo disco da Amy Winehouse e do segundo, e muito melhor, álbum dos Magic Numbers – ambos com a primeira data de lançamento oficial ainda em 2006. Fora isso, entre excluídos, só os hypes que não souberam me fisgar em poucas audições (Animal Collective, Panda Bear, Radiohead e outros pitchforkistas) e alguns dos favoritos que lançaram trabalhos pálidos em 2007 (Ben Lee, Foo Fighters e Ryan Adams). Destaque tristemente inevitável para o desastroso álbum de retorno da minha banda favorita: Zeitgeist, do Smashing Pumpkins, é tão insosso que me deixa com muita, muita saudade do Zwan.

10 – Josh Rouse – Country Mouse, City House


e She’s Spanish, I’m American


É bastante significativo, para a compreensão do critério dessa lista, saber que a inauguro com um álbum que, de certo modo, poderia ser alocado entre as decepções. Por outro lado, me parece desonesto começar de outra maneira que não por quem, em 2007, saiu do nada, para o topo da minha lista de mais ouvidos do Last.FM. Josh Rouse talvez seja o artista que melhor sintetize uma relação de apropriação livre com a cultura pop que me parece muito marcante nesse momento. Não existe território proibido para suas canções, que, com a mesma naturalidade, saem do indie rock (“Late Night Conversation”) para a disco (“Giving It Up”); de Carole King (“1972”) a Smiths (“Winter In The Hamptons”); do piano (“Sad Eyes”) às cuícas (“His Majesty Rides”); da voz e violão (“El Outro Lado”) ao dueto (“The Man Who Doesn’t Know How To Smile”). Nesse desafio de inventariar e atualizar toda a música pop, Rouse tem como característica a capacidade de aparar todas as contra-indicações e marcas do tempo de seus ambientes originais. Muito por isso, seu salto para o posto de artista que mais ouvi em 2007 foi tão natural quanto imperceptível: Josh Rouse é tão agradável de se ouvir justamente por não trazer contra-indicações.

O problema é que, mais cedo ou mais tarde, essa ausência de contra-indicações pode se tornar a sua grande contra-indicação. Assim como Rouse é capaz de invocar os Bens (Lee, Kweller e Folds) sem os excessos de esperteza muitas vezes irritante dos originais (pensemos em quase todo o último disco do Ben Lee), ou de recuperar melodias do Abba sem a grossa camada de poeira que cobre os suecos, ao mesmo tempo seus passeios pela discografia do Smiths não trazem a refinada ironia de Morrissey, como sua inclinação country não vem acompanhada da coragem de um Dylan. Em uma definição clássica, mas aqui bastante efetiva, Rouse seria um artista interessado pelo craft, pelo aspecto estrutural das canções pop. Em vez de psicografar melodias e palavras, Josh Rouse – como um Ryan Adams – parece enxergar os acordes e convenções como peças em um jogo de encaixe onde a meta é sempre a canção pop perfeita.

A questão é que, quando bem sucedido, esse jogo chega a feitos extraordinários; mas, quando mal encaixado, ele se torna francamente insípido. É o caso de algumas das canções de Country Mouse, City House – e o fato de Rouse ter trocado o trabalho extensivo pelo intensivo, lançando discos com uma periodicidade notável, mas sempre com poucas faixas, amplia essa sensação. Enquanto “Sweetie” abre o álbum com uma admirável mistura de temperos de diferentes locais (a lap steel guitar do Tennessee, local imortalizado por Rouse em seus discos passados, e la-la-las em progressão por menores que podem, facilmente, ser atribuídos à sua mudança para a Espanha). “Italian Dry Ice”, porém, desestabiliza um álbum logo na segunda faixa – mais por ter sido pessimamente posicionada no início do álbum, do que pela discrição de seu brilho.

Country Mouse, City House se divide entre canções que não funcionam muito bem (“Italian Dry Ice”, “God, Please Let Me Go Back” e “Pilgrim”), e outras onde Rouse passa por terrenos já pisados, mas sempre marcados por seu talento. Pois se a inquietação formal do artista parecia corresponder à migração constante de sua vida pessoal, o segundo disco de Rouse gravado na Espanha é tomado por um conforto e uma serenidade inéditos em sua obra. Mesmo em suas melhores canções, Country Mouse, City House deixa de buscar novas moradias possíveis, e prefere aprimorar pesquisas já indicadas em canções anteriores. A extraordinária “Hollywood Bass Player”, por exemplo, resgata a base do refrão de “It Looks Like Love” (de Subtítulo) para, sobre os mesmos acordes, construir uma linha melódica ainda mais marcante. “Nice To Fit In” resgata uma urgência perdida desde a obra-prima Nashville, enquanto o expressivo delay vocal em “London Bridges” faz com que a primeira parte da canção pareça cantada pela voz da própria consciência do personagem que pede para ser visto como mais que uma ponte.

Se as fraquezas de Country Mouse, City House ficam mais evidentes por tomarem uma porcentagem maior do que normalmente encontramos em sua obra (é um disco de apenas 9 músicas), felizmente 2007 também nos trouxe o belíssimo ep She’s Spanish, I’m American. Gravado em parceria com a namorada Paz Suay (cantora que motivara a mudança de Rouse para a Espanha, e que já havia emprestado sua voz à belíssima “The Man Who Doesn’t Know How To Smile”, de Subtítulo), o ep parece deixar claro que o caminho mais frutífero da jornada de Rouse pelo velho continente é mesmo o do coração. Trocando a pesquisa formal pelas páginas de um diário, as cinco canções de She’s Spanish, I’m American trazem de volta a vitalidade mal trocada pela calmaria de Country Mouse¸ passeando, aqui, por caminhos que o compositor ainda não esgotara.

Marcam o compasso saltitantemente funkeado de “Car Crash” (uma das melhores canções de Rouse), as camadas de sintetizadores e tremolos de “Jon Jon”, o vocal-vento de Paz Suay em “The Ocean Always Wins”, a melodia morosamente flutuante de “These Long Summer Days” (em um momento onde a sonoridade dos instrumentos parece capturar as intenções da letra com precisão espantosa) e o marcante trabalho de programações (abandonadas por Rouse desde Under Cold Blue Stars) de “Answers”. Somadas ao que Country Mouse, City House tem de melhor, as cinco canções de She’s Spanish, I’m American afastam todas as dúvidas de que Rouse ainda é dos compositores mais confiáveis que o mundo (pois ele é, definitivamente, cidadão do mundo) tem a oferecer, e que sua jornada pela música pop pode se tornar mais interessante à medida que o interesse pelo universo do outro passa a ser substituído por um olhar para dentro de si.


For Dummies
Álbuns de Josh Rouse recomendados em ordem decrescente de interesse:

1 – Nashville (2005)
2 – Subtítulo (2006)
3 – Under Cold Blue Stars (2002)
4 – 1972 (2003)
5 – Dressed Up Like Nebraska (1998)
6 – Country Mouse, City House (2007)
7 – Home (2000)

2 comentários:

Anônimo disse...

ladrão de cotovelos!

Fábio Andrade disse...

pô, fico emocionado de ver os comentários voltando. já tinha feno rodando por aqui há bastante tempo!