segunda-feira, março 10, 2008
Postado por Fábio Andrade às 4:45 PM
Melhores de 2007
08 – New Pornographers – Challengers
Se o Maritime surgiu com status de superbanda, o que falar do New Pornographers? Formado por toda sorte de micro estrelas da cena indie de Vancouver (Neko Case, Dan Bejar, Carl Newman, John Collins, etc), o New Pornographers nunca me pareceu mais do que um projeto de pesquisas formais realizado por um grupo de artistas em pleno domínio de seu ofício, mas onde o desejo de compor canções memoráveis era substituído por uma abordagem mais transversal da música pop, desmontando convenções para construir seqüências melódicas mais inusitadas e grafar imagens nascidas em universos extremamente particulares. A questão é que o resultado em disco acabava sempre muito próximo ao de se ouvir uma palestra: pinçamos coisas interessantes dali, mas que, pensando em relação com o todo, só se tornavam notáveis pela reverberação em sua própria redundância. Apesar de polvilhados com momentos notáveis, os discos do New Pornographers sempre me pareceram um tanto enfadonhos. Seu trabalho de construção melódica, embora intelectualmente instigante, nunca parecia orgânico como no Smoking Popes ou no Pixies – chegar perto dos Beach Boys, até aqui, nem pensar. Até Challengers, ao menos.
O último álbum da banda já começa deixando muito clara uma mudança de postura: embora a construção em plumas de “My Rights Versus Yours” tenha suas ambições “acadêmicas” condensadas em sua mistura de Left Banke e Beach Boys (enfim!), esse interesse pela estrutura é revertido em nome da canção. Fica evidente, nessa primeira canção, o novo direcionamento que já era esboçado em Twin Cinema: as referências da banda não são mais a new wave e o synth pop dos anos 1980, como nos dois primeiros discos, mas sim o rock e a psicodelia das décadas de 1960 e 1970. O vocal escala a escala com uma fluidez tão impressionante que passa de uma oitava a outra sem que a necessidade do falsete pareça forçada ou vaidosa. A ambição estrutural dos New Pornographers é ressaltada em um verso da extraordinária letra da canção (“Complex notes inside the chords / On every wall inflections carved / Deep as lakes and dark as stars / Remember we were the volunteers”), ressaltando que o jogo formal dará espaço a uma fuga existencial mais sólida.
Em vez do desafio matemático, que norteava os álbuns passados da banda, temos frases belíssimas em um horizonte imaginário onde o desfile de imagens oníricas se completa em preciosidades como “You left your sorrow dangling / It hangs in air like a school cheer” ou na “mirage of loss” que já me fizera jorrar reverências quando publiquei, aqui, minha coletânea de grandes canções do ano. Mais do que uma indicação dos caminhos tomados para Challengers, “My Rights Versus Yours” é uma canção que evidencia, em sua própria escritura, as decisões formais tomadas pela banda. Saímos das bandeiras agitadas pelo formalismo dos discos anteriores e ganhamos um império em farrapos; a verdade em uma tarde livre.
“All the Old Showstoppers”, a seguinte, busca inspiração no Kinks (fase Lola vs. the Powerman) e – com os oooohhhs, e com as guitarras mimetizadas pelos arranjos de cordas – indica muitos dos terrenos por onde a banda transitará nas faixas seguintes. “Challengers” leva à perfeição as canções reservadas para a voz de Neko Case, mas que antes costumavam se afogar em harmonias desconjuntadas como em “The Bones of an Idol” (do anterior, Twin Cinema). Aqui, o reverb da guitarra de notas solteiras ressalta o passeio guiado do violão, em uma distribuição melódica tão coerente e assimilável quanto surpreendente em seus contratempos. Mais que isso, a faixa que dá nome a Challengers vem consolidar uma impressão já enunciada em “My Rights Versus Yours”: a organicidade melódica buscada nas referências do passado é espelhada em uma relação orgânica com o mundo natural que tomará as melhores letras do disco. Em “My Rights Versus Yours” era a verdade da tarde livre; em “Challengers” é o casal que desafia o desconhecido metaforizado pelo nascer do dia. “Yes I know it was late / We were greeting the sun / Before long”, começa a canção, para depois passar para “On the walls of the day / In the shade of the sun / We wrote down / Another vision of us / We were the challengers of the unknown”. A solidificação da volatilidade do espírito na camada de aparência mais física do mundo (manhã-tarde-noite) é metáfora preciosa para a música encontrada em Challengers, pois a relação linear com o tempo dos discos anteriores (canções pensadas um acorde após o outro, sem a intenção de criar, com isso, blocos melódicos coerentes) é trocada por uma relação mais precisamente circular (as canções estruturadas em partes – verso-ponte-refrão – como o tempo se estrutura em atos de luz – manhã-tarde-noite).
“Myriad Harbour”, a próxima faixa, aperfeiçoa uma operação vocal à Broadway – rua mencionada literalmente na canção – que a banda já apresentara no passado em “Jackie, Dressed In Cobras” (também de Twin Cinema) ao aproximá-la da reconstrução melódica promovida pelos Pixies. Os riffs de violão e guitarra solo são, claramente, recortados da cartilha de Joey Santiago, mas o vocal de Bejar é entrecortado pelos parênteses de Newman e Neko Case em dinâmica de musical, em um passeio pelos fascínios noturnos de Nova York. O dia segue em seu giro (“See just how the sun sets in the sky”), mas é nas imagens abandonadas pela noite que “Myriad Harbour” encontra seus grandes momentos: “All the boys with their home-made microphones / Have very interesting sounds / All the girls falling to ruin, dropping out of school, breakin' daddy's heart / Just to hang around”. A perfeita integração do corpo melódico com um universo de imagens capturadas pela retina nos relances de uma caminhada pela cidade fazem de “Myriad Harbour” uma das melhores canções de Challengers, e, conseqüentemente, da carreira dos New Pornographers.
“All the Things That Go to Make Heaven and Earth” flerta com o bubblegum (desvio de olhar que já rendera as ótimas “All For Swinging You Around”, de Electric Version, e “Letter From An Occupant”, de Mass Romantic), mas adiciona progressões melódicas de Doors à sua base ramônica – se os Ramones incorporassem tantas notas e mudanças de andamento às suas canções. “Failsafe” retoma algumas das imagens de “My Rights Versus Yours”, mas, musicalmente, é a continuação de “All the Old Showstoppers”, trancando as horas (a relação com o tempo volta a aparecer) com mais um par de versos geniais (“Signing a check with a name that’s not mine”). O retorno à noite em “Unguided” é movido pelo elemento que perturba a ordem no belo refrão da canção (“Something unguided in the sky tonight”) – que ainda traz verso capaz de resumir toda a insegurança que alimenta o amor (“You chased the spotlight into her arms”).
É impressionante como, embora a maior parte do disco seja composta/cantada por Carl Newman, as canções de Dan Bejar – com sua métrica sempre estranha – trazem não só perspectivas melódicas diferentes, como também os melhores riffs de Newman – em uma concentração de talento que a divisão entre o instrumento e o vocal principal parecia inibir. É o caso de “Myriad Harbour”, mas também de “Entering White Cecilia” e “The Spirit of Giving” – as outras duas canções de Bejar em Challengers. Se “Entering White Cecília” não traz versos inspirados como “Myriad Harbour”, “The Spirit of Giving” traz momentos de iluminação como “And remember the wolves that you run with are wolves / Don't forget they exist to give you something to regret / I'll beat them to it / With something sadder than that brass portrait that shines through your morning din”. A canção fecha o disco em clima mais sereno, ainda mais por se colocar após “Adventures In Solitude” – estupenda concentração de doçura composta por Newman, com direito a uma grandiosa entrada vocal de Neko Case após um solo de banjo singelamente marcante.
Challengers marca a entrada na maturidade de uma banda até então encantada demais com seus próprios dispositivos, com as possibilidades formais de seu próprio ofício. De todos os discos do New Pornographers, é o primeiro que me parece ser, do início ao fim, tomado por música boa de se ouvir, sem com isso perder o saudável levantar de sobrancelhas que seu passado angular trazia consigo. Sem nunca desviar de sua busca por caminhos menos explorados em universo limitado por escalas e convenções, os New Pornographers parecem encontrar, enfim, uma maneira de converter essa inquietação em canções de fato extraordinárias e fazem, com isso, seu primeiro grande disco.
For Dummies
Álbuns do New Pornographers recomendados em ordem decrescente de interesse:
01 – Challengers (2007)
02 – Mass Romantic (2000)
03 – Twin Cinema (2005)
04 – Electric Version (2003)
1 comentários:
Pelo menos tem um cara de bigode na capa.
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