quarta-feira, março 05, 2008

Melhores de 2007

09 – Maritime - Heresy & the Hotel Choir



O Maritime poderia ser uma banda fadada a repousar eternamente na sombra do passado de seus integrantes. Montado como um supergrupo de power pop, o então trio (hoje quarteto) se formou das cinzas de grupos influentes como The Promise Ring (Davey Von Bohlen – vocal e guitarra – e Dan Didier – bateria) e Dismemberment Plan (Eric Axelson – baixo) e, algumas mudanças de formação depois, hoje ainda não consegue passar por uma resenha sem uma introdução biográfica como essa.

Glass Floor, o primeiro disco da banda, parecia adicionar sorrisos ao vácuo deixado por Wood/Water – último disco do Promise Ring – colorindo a delicadeza à Belle & Sebastian buscada pela banda em sua fase final com o otimismo da paternidade recente. We, the Vehicles, de 2006, mereceria um lugar na minha lista de discos daquele ano se a mudança na sonoridade não tivesse me assustado tanto. Era como, de um disco para outro, o Maritime decidisse saltar da varanda e rumar para o espaço, e ver uma pessoa levantar vôo na sua frente não é experiência muito fácil de se absorver. Onde antes tínhamos violões e arranjos de cordas e metais, We, the Vehicles trazia guitarras atmosféricas, reverbs e teclados precisamente econômicos. Saíamos de um disco que refletia os laranjas do sol de outono e rumávamos para alguma esquina da noite, celebrando o silêncio da cidade e a possibilidade de respirar só encontrada em avenidas vazias. Canções que, num primeiro momento, me lembravam Coldplay e Death Cab for Cutie, aos poucos revelavam lugares muito mais particulares, e iluminavam a sonoridade noturna de We, the Vehicles como um momento muito mais especial do que o alcançado em Glass Floor.

Mas qual não seria minha surpresa ao acompanhar o Maritime no seu passo seguinte e perceber que Heresy & the Hotel Choir¸ o terceiro da banda, é um disco de rock! Do pôr-do-sol indireto de Glass Floor¸ passeamos pela noite em We, the Vehicles para, enfim, ver o dia nascer novamente em toda sua fúria no disco seguinte. “Guns of Navarone”, a extraordinária faixa de abertura, vai buscar em Strokes (a fase boa, claro) a paixão pelas estradas sem curvas, nos conduzindo por planícies de três acordes e bumbos que evitam contratempos. “For Science Fiction”, o primeiro single do disco, combina um refrão gigantesco (“I want to thank god for the science fiction / For the benediction, and the contradiction that all our souls are saved”) com baixo e bateria marcadamente sincopados, erguendo as bases para que os sintetizadores possam transitar livremente.

Se Von Bohlen fez o Promise Ring famoso com sua inabilidade vocal e o Maritime o desafiava trazendo sua voz para frente da banda, em Heresy ela volta a dividir espaço com as guitarras altas e a bateria mais solta e faladeira. Em alguns momentos, a limitação vocal de Von Bohlen é tão evidente quanto charmosa (os refrões de “Love Has Given Up”, por exemplo, e “Hand Over Hannover” – canção de frases fortes como “Honestly, we lie through our teeth” e “You can rent your life to death / Window-shopping high / Across the borrowed sky”), trazendo para o Maritime uma espontaneidade que Von Bohlen parecia auto-conscientemente evitar desde Nothing Feels Good. Até mesmo em “Aren’t We All Found Out”, canção que lembra a fatia leve da banda, melhor representada por “We Don’t Think, We Know” (de We, the Vehicles), encontra na curto alcance da voz de Von Bohlen ressonância maior para uma das estrofes mais fortes do disco (“In the wave of car alarms, windows, doors and broken arms / We don't need any food, it harms us, everything we do / Yea my hands are sensitive, if I move my legs will surely give / I can't get away from how you touch me”).

Isso não significa, porém, que Heresy & the Hotel Choir perca o fôlego em sua pressa. “Pearl” é uma das melhores e mais arejadas faixas do disco, trocando as guitarras esmurradas por arpejos delicados sobre o andamento firme de baixo e bateria, buscando inspiração na dinâmica interna que fez do U2 uma das maiores bandas do mundo (e mais uma vez temos ao menos um grande verso de Von Bohlen em “Here completely. it beats me, keeps me and leaves me like a love”). “Be Unhappy” é outro bom momento onde a urgência é substituída por uma construção climática mais esburacada. O surpreendente é que, independente do caminho escolhido para cada uma das canções, em Heresy & the Hotel Choir o Maritime parece sempre encontrar maneiras de fazer tudo funcionar. Seja em baladas acústicas como “First Night On Earth” ou em canções sem freios como “Love Has Given Up”, a banda faz tudo parecer absolutamente orgânico e natural. Como os grandes escritores, faz o difícil parecer fácil. E isso já é, sem dúvida, feito que garante ao Maritime umas horinhas diárias de banho de sol.


For Dummies
Álbuns do Maritime recomendados em ordem decrescente de interesse:

1 – We, the Vehicles (2006)
2 – Heresy & the Hotel Choir (2007)
3 – Glass Floor (2004)

* * *

Aqueles sentindo falta de meus resmungos cinematográficos podem ler críticas minhas sobre Sangue Negro e Marock na Cinética.

3 comentários:

Anônimo disse...

Se tem o maravilhooouuuso Belle & Sebastian na resenha, então o disco só pode ser maravilhoooouuuuso também.

Kyd Vynyl

Anônimo disse...

Engraçado.... Gosto muito dos dois primeiros discos da banda, mas este terceiro (apesar da incrível faixa de abertura) não me conquistou...
Porém, após a leitura, darei mais um pouco de carinho e atenção.

Fábio Andrade disse...

insista e verá que, como todos os prazeres da vida, o disco crescerá dentro de você. ou isso ou eu estou realmente afrouxando, o que também não seria novidade pra ninguém...