terça-feira, agosto 26, 2008
Postado por Fábio Andrade às 11:12 AM
Top 5 da semana
Filmes
1 – O Ano Passado em Marienbad (L’Année dernière à Marienbad) – Alain Resnais, 1961
Por mais que já se tenha falado de O Ano Passado em Marienbad, revê-lo no cinema, em uma cópia novinha em 35mm, foi uma experiência de impacto difícil de se prever. Muito por, apesar de já ter sido sugada vorazmente pela crítica e a academia, a obra-prima maior de Resnais sobreviver como, sobretudo, um insolúvel enigma. Mais importante do que a compreensão narrativa são o fluxo de imagens absolutamente pregnantes, o deslize dos travellings, a geometria da composição (não só de distribuição dos elementos no quadro, mas também dos pretos com os brancos), a ousadia da fotografia (quantas imagens mais impactantes o cinema produziu do que a câmera superexposta que ameaça se jogar pela janela?) e os rostos inesquecíveis de Giorgio Albertazzi e Delphine Seyrig. Além de ser uma colagem de planos exclusivamente memoráveis, O Ano Passado em Marienbad traz uma das mais marcantes criações da história do cinema: o jardim-memória, clean e controlado, mas cercado por árvores grandes, escuras e absolutamente misteriosas (imagem que, a seu luto, Naomi Kawase resgataria em Floresta dos Lamentos).
2 – Hiroshima, Mon Amour – Alain Resnais, 1959
Muito do dito acima sobre Marienbad se aplica, também, a Hiroshima, Mon Amour – primeiro longa de Resnais, com roteiro de Marguerite Duras (Marienbad fora outra contribuição com o noveau roman, escrito por Alain Robbe-Grillet). Tido por muitos como o filme que inaugura o cinema moderno, Hiroshima traz reflexões muito presentes no cinema de hoje: indivíduos que se misturam com o espaço que habitam, projetando sobre eles toda a sua interioridade (paralelos com o cinema de Wong Kar-wai e Tsai Ming-liang são absolutamente acertados); o tempo que se acumula sobre a pele (a extraordinária imagem dos corpos cobertos de cinzas, logo no início do filme); a montagem como reflexão acerca (e não reconstrução) dos acontecimentos; o amor. É um grande filme, e só fica atrás de Marienbad por sua revisão ter se confirmado como reafirmação, não como surpresa.
3 – Dottie Gets Spanked – Todd Haynes, 1994
O plano era que este top 5 fosse exclusivamente dedicado a Alain Resnais. Mas, em meio à rotina de idas e vindas ao CCBB, este brilhante média-metragem, feito para a televisão por Todd Haynes, se infiltrou em meu fim-de-semana. Dottie Gets Spanked é uma ficção auto-biográfica sobre um garoto de 6 anos apaixonado por um programa de tv à I Love Lucy, na Nova York da década de 1960. O equilíbrio preciso entre cultura pop e Freud, sonho e realidade, invenção e desejo narrativo, doçura e crueldade, fazem deste filme uma das obras a melhor se aproximaram do universo infantil. Ajuda muito, é claro, o rosto penetrante de Evan Bonifant – sem dúvida uma das melhores presenças infantis já registradas por uma câmera. Em meia hora de grande cinema, Haynes pensa não só a infância, mas também a sua relação com o mundo adulto, seja ela com os pais, a ficção, a sexualidade, os padrões de comportamento, e até mesmo a sua perspectiva enquanto criança.
4 – Noite e Nevoeiro (Nuit et Brouillard) – Alain Resnais, 1955
Da primeira vez que vi Noite e Nevoeiro, tive certeza de estar diante de uma obra-prima absoluta. Da segunda, comecei a me incomodar com a necessidade de Resnais em escancarar suas intenções com o filme em toda oportunidade, por vezes iluminando demais algo que já era visto com bastante clareza (a idéia de que nenhum filme seria capaz de traduzir, de fato, o horror). Neste terceiro contato, nem tanto o mar, nem tanto a terra; apenas a certeza de o quanto gosto e desgosto de o que gosto e desgosto. O peso do filme permanece intacto, firmando-se muito provavelmente como o maior feito cinematográfico sobre o holocausto. Quando mantem seu tom à cinejornal – quase científico – Noite e Nevoeiro ganha, nessa suposta indiferença, uma força brutal. Quando mergulha mais fundo em uma vontade de derrame poético, por vezes se machuca em sua própria vaidade. O que, aliás, não são arranhões difíceis de se admitir. Mesmo com ressalvas hoje bastante sólidas, sigo encantado com Noite e Nevoeiro – filme que seria obrigatório, se existissem filmes obrigatórios.
5 – Stavisky... – Alain Resnais, 1974
Mais do que todo o velho papo sobre a memória, a revisão condensada da maior parte da obra de Resnais (por questões de horário, perderei alguns poucos filmes) ressalta qual é a sua grande questão cinematográfica: a mise-en-scène. O que parece fascinar o diretor é justamente descobrir como chegar aos melhores caminhos cinematográficos para traduzir suas questões. Assim como Hiroshima e As estátuas também morrem são filmes de choques de montagem, e O Ano Passado em Marienbad e Noite e Nevoeiro são filmes essencialmente horizontais (isso se ficarmos apenas nos filmes vistos e revistos na mostra, até agora), Stavisky incorpora a vertigem social de seu personagem-título em uma decupagem basicamente vertical, com suas gruas, elevadores e caminhadas que sobem e descem as escadas e as ruas, sempre em perspectiva. Embora claramente menor dentro da filmografia do diretor, Stavisky tem, ao menos, um grande plano: os espelhos irregulares que partem a imagem Arlette (Anny Duperey) nos degraus da escada que Stavisky (Jean-Paul Belmondo), em sequência, subirá.
Músicas
1 – “Nights Like These” - Lucero
Ver o Lucero por duas noites seguidas em minhas férias foi uma das experiências mais afirmadoras de minha vida (e ajuda muito que Ben Nichols tenha apertado minha mão com gosto quando fui me apresentar e trocar duas palavras): apenas uma banda de rock, sem roadies ou qualquer tipo de produção, tocando para 200 pessoas todas as noites, ganhando apenas o suficiente para chegar até a cidade seguinte, só encerrando quando o álcool não permitir mais a saída das palavras. Na platéia, um público igualmente sedento por uma experiência menos produzida: garrafas de cervejas erguidas em todos os refrões, uma comoção de machos que entoam todas as palavras, a ocasional briga que ameaça irromper – ressaltando o desejo de perda de controle que não raro vai um pouco longe demais. Se ver um show do Lucero é uma das experiências mais rocks no rock da atualidade, curiosamente, apenas seus dois últimos discos (Nobody’s Darlings e Rebels, Rogues & Sworn Brothers) são assumidamente roqueiros: “Nights Like These”, uma das mais belas baladas do deslumbrante Tennessee, marcou presença nas duas noites. É canção que reduz o country a frangalhos, despedaçando duros corações sulistas ao verem uma mulher chorar. Traz, ainda, um verso notável:
“The beer tastes like blood and my mouth is numb / I can't make the words I need to say /
She had a weakness for writers / And I was never that good at the words anyways”.
2 – “My Kind Of Soldier” – Guided By Voices
A maior satisfação de se gostar de uma banda que prima pela irregularidade é descobrir, em meio à sua vasta discografia, um disco extraordinário que você ainda não conhecia. É o caso do Guided By Voices e Earthquake Glue, um dos mais sólidos álbuns já lançados pela banda. Embora suas canções sirvam ou para reafirmar o gênio de Bob Pollard, ou sua falta de vontade em editar seu próprio material, “My Kind Of Soldier” – a primeira de Earthquake Glue – vem certamente puxando a primeira fila. Com melodia que gruda logo no primeiro contato, está ali, junto com “Glad Girls”, “Back to the Lake”, “I Am A Tree” e “The Official Iron Man Rally Song”, entre as melhores coisas já gravadas por eles.
3 – “Space City” – Drive-By Truckers
De todas as bandas que vestem a camisa do southern rock, o Drive-By Truckers é certamente a mais abrangente: suas canções vão das raízes do Lynyrd Skynyrd à curva alternativa do Soul Asylum, passando por Uncle Tupelo, Replacements, blues, country, rock de arena e folk. “Space City” é uma áspera balada tirada do genial A Blessing and a Curse, de 2007. Buscando a melodia sob toneladas de areia, os dedos raspam pelas cordas de aço do violão, como se uma mudança de acorde fosse capaz de decepar a orelha do ouvinte. A Blessing and a Curse é mais uma descoberta tardia que, se feita em tempo, muito provavelmente encontraria lugar em minha lista de melhores do ano.
4 – “Sleeping In” – The Postal Service
Embora eu ache o Death Cab For Cutie uma banda agradável, por vezes seu gosto pela choradeira dá no saco. O Postal Service, projeto de música eletrônica do vocalista Ben Gibbard com Jimmy Tamborello, traz todo o lado positivo do DCFC sem a mão pesada, e isso faz toda a diferença. Embora Give Up já esteja em rotação por aqui há alguns anos, frequentemente retorno ao disco com o desejo dos hábitos recentes. Recheado de ótimas canções, Give Up lhe dá a única tarefa de escolher sua favorita para a semana. A que volta e meia retoma o posto é “Sleeping In”, hit instantâneo cheio de barulhinhos maneiros e um ótimo refrão.
5 – “Say It Right” – Nelly Furtado
“Say It Right” é tão boa que, até dois dias atrás, eu acreditava ser uma música da Madonna. Até que vi o clipe e descobri que não: era Nelly Furtado, mulher que carrega a culpa pela atrocidade que é “Promiscuous Girl”. Ainda não conheço o suficiente de seu repertório para me posicionar, mas sei que “Say It Right” – parceria com Timbaland – é um hit absoluto.
sábado, agosto 23, 2008
Postado por Fábio Andrade às 12:58 AM
Contrabando de Formigas
2. The Meaning
As narrativas sobre iluminações divinas provocadas por viagens não são poucas, e o gênero não precisa de novas lombadas na estante. Ainda assim, o período longe de casa é sempre assombrado pela busca de um sentido, uma razão, um porquê que faça da peregrinação um trajeto à Pícaro. Algumas pessoas trombam com a epifania diante de um quadro pendurado em uma parede de um museu. Outras chegam ao sentido da vida observando como mendigos de primeiro mundo são cidadãos tão dignos que sequer pedem esmolas. Outras mais justificam o dinheiro torrado no momento em que, enfim, ouvem suas canções favoritas pisando fora do mundo dos simulacros. Já eu, percebi-me frente ao significado de minha viagem nos jardins de um museu na sudorenta Philadelphia:
sexta-feira, agosto 22, 2008
quinta-feira, agosto 21, 2008
Postado por Fábio Andrade às 11:10 AM
Top 5 da semana
Atrasado pela ida a São Paulo, mas mantendo semanas de apenas sete dias como critério de transparência! Ontem comecei o mergulho na inestimável mostra completa de Alain Resnais, no CCBB (Rio e SP). Aguardem cinco filmes dele comentandos aqui, na semana que vem.
Filmes
1 – Pai e Filha (Banshun) – Yasujiro Ozu, 1949
Se existem sempre aqueles malucos capazes de, na cara limpa, perguntarem quem seria o maior diretor de todos os tempos, eu sou o maluco que, sem titubear, responderia à pergunta: Yasujiro Ozu. Revi Pai e Filha para escrever um texto que, em breve, será publicado na Cinética. Como rápido traço blogueiro, vale dizer que ter um dos melhores filmes de Ozu lançado em DVD no Brasil (é só o segundo, gente, só o segundo!) merece semanas de comemoração. Mesmo que precisemos, no processo, relevar a tradução (do inglês, obviamente quase literal) meio porquinha da edição da Lume Filmes.
2 – Rushmore – Wes Anderson, 1998
Conheci o trabalho de Wes Anderson pela obra-prima Os Excêntricos Tennenbaums. Embora venha acompanhando sua carreira desde então, faltava-me conhecer seus dois primeiros e elogiadíssimos filmes. Rushmore tapa o primeiro buraco, sem o vento de novidade que deve ter sido à época de seu lançamento. O contato tardio vem, felizmente, calar uma incômoda dúvida: minha decepção com O Expresso de Darjeeling tem muito mais a ver com um momento menos inspirado na carreira do diretor, do que com um tédio meu em relação ao seu universo. Mesmo não sendo novidade alguma, o final em slow motion, as composições rigorosamente frontais, as caras de vazio, os rocks bem escolhidos, e todos os outros supostos "maneirismos" de Anderson me bateram fortemente neste seu segundo longa-metragem. Resta, agora, Bottle Rocket, na pilha de DVDs, esperando seu melhor momento.
3 – Pecados de Guerra (Casualties Of War) – Brian De Palma, 1989
Mais um De Palma riscado da lista, não exatamente entre os maiores, mas bem acima dos menores. É impressionante como um gênero aparentemente tão pouco frutífero aos interesses mais claros do cineasta abre brechas para suas mais manjadas obsessões, sem que a hostilidade do universo filmado confine De Palma nos cantos mal iluminados de um desejo obsessivamente realista, ou da necessidade de curvar sua mise-en-scéne diante de um grande tema. Pecados de Guerra é, rigorosamente, um filme de Brian De Palma, e traz, ao menos, duas das mais surpreendentes sequências de sua carreira: os túneis vietnamitas que fazem campo do extra-campo; e o assassinato da garota vietnamita – filmado como sequência de filme de horror. A mistura de gêneros deixa de ser assinatura estilística e se torna, nesse cruzamento, uma forte declaração política: filmar o horror como horror, puro e simples.
4 – Encarnação do Demônio – José Mojica Marins, 2008
Salvos os louros sem freios, a politicagem crítica, a sombra do tempo longe das telas, a montagem muitas vezes descaralhada, a caricatura da superexposição invertida das últimas décadas, os repórteres obcecados com suas unhas, etc; o retorno de José Mojica Marins à direção traz algumas das imagens mais impactantes vistas no cinema este ano. Apesar de os problemas do filme me afastarem do coro de “obra-prima”, é difícil imaginar uma volta mais apropriada para Mojica e seu Zé do Caixão. Por vezes, o filme toma vias de atualização que giram em círculo; mas quando ele decide, de fato, se pensar como um novo momento em um longo e admirável processo (os filmes antigos que voltam à tela; as impressionantes personagens em preto e branco que caminham pelas cores; a mulher que sai do porco; a putaria; os banhos de sangue; o esconderijo na favela; o céu vermelho; o trem-fantasma), Encarnação do Demônio acaba sendo um dos mais emocionantes filmes do ano. Mojica sempre teve consciência absoluta de sua posição como realizador, e o tempo longe das câmeras parece não tê-la abalado em rigorosamente nada.
5 – Man In The Sand – Kim Hopkins, 1999
Man In The Sand é um documentário sobre a realização de Mermaid Avenue – álbum em dois volumes de Billy Bragg e Wilco, a partir de letras inéditas de Woody Guthrie. Mais notável do que o inevitável fetichismo em ver parte do processo escancarada é a maneira como, pelo trabalho de Bragg e da filha de Woody Guthrie, uma figura tão escorregadia quanto Guthrie começa a ganhar contornos pela recuperação de uma memória que não é a dele, mas sim a de quem o busca. Uma memória inventada. Seja pela estória com traços de “h”, narrada por Nora Guthrie (e a câmera colocada na cabine de gravação, expondo o rosto da voz em off, é uma escolha brilhante), ou pela maneira como Billy Bragg monta seu Woody Guthrie a partir dessas canções (a cena em que Bragg comenta “Ingrid Bergman” em um show, por exemplo), o filme de Kim Hopkins equilibra-se nessa busca fadada à incompletude, nessa necessidade de se criar Guthries particulares, pois o Woody Guthrie de Woody Guthrie não está mais ali.
Canções
Especial “Eu fui no show do Josh Rouse”! Fotos tiradas pela Clarissa, da fileira H do Sesc Vila Mariana.
1 – “Streetlights”
Todos sabíamos que “Winter In The Hamptons” – maior hit de Rouse – seria um momento memorável, por isso reservo estes cinco lugares a canções menos esperadas; às surpresas que todo grande show reserva (pois a noite com a Rouse foi, definitivamente, grande). Sempre achei “Streetlights” uma de suas mais belas canções, afinal, a identificação com um refrão que diz “We can talk about the streetlights” era inevitável – tão próximo que está do meu universo de composição. Como Rouse tem muitas canções, estava preparado para não ouvi-la. Mas se o show deixou uma impressão incontornável a respeito de Rouse é a sua plena consciência de quais são suas melhores canções, e “Streetlights” veio marcada pelo violão de 12 cordas, já próxima ao final da noite. Ao contrário de canções como “Givin’ It Up” – sensivelmente lascada pela falta das cordas – em “Streetlights”, a saída dos violinos gerou uma versão mais crua, mas talvez ainda mais forte, mais orgânica, do que a conhecida em Nashville.
2 – “Hollywood Bassplayer”
Embora mal possamos ouvir guitarras em seus dois últimos discos, é ela o instrumento que permaneceu nos braços de Rouse pela maior parte da noite. Não espere, porém, ouvir transposições de arranjos para o instrumento, ou sequer ver Josh Rouse mover os dedos pelo braço da guitarra para fazer um solo – os essenciais ficam a cargo de Mike Cruz, que em duas ou três canções abandonaria o teclado para tocar uma segunda guitarra. Em “Hollywood Bassplayer”, a ausência foi tapada por um recurso genial: o agudo solo de guitarra foi “cantado” por toda a banda. “Hollywood Bassplayer” é a melhor canção de Country Mouse, City House, seu mais novo álbum, comentado aqui à época dos Melhores de 2007.
3 – “Quiet Town”
Faixa de abertura do impecável Subtítulo, “Quiet Town” é uma canção quase boba, mas que ganhou contornos realmente inesperados em sua versão ao vivo. Seja pelo trabalho de luz durante sua apresentação (nesse momento, apenas um corte amarelo retirava o rosto de Rouse da escuridão do palco) ou pela acentuada dinâmica no momento em que o violão passa a ser acompanhado pelo resto da banda, “Quiet Town” mostrou, ao vivo, uma força que sua versão em estúdio – por melhor que seja – nunca pareceu encontrar.
4 – “His Majesty Rides”
A organização do SESC é tão competente que chega a alguns absurdos: na entrada do show, havia uma pilha de programas que, além de explicarem quem era Rouse, anunciavam o repertório completo do show. Embora não tenha resistido a uma breve conferida em minhas favoritas, fiquei um pouco chateado de a inevitável olhada estragar as possíveis surpresas da noite. “His Majesty Rides” foi a primeiríssima canção da noite, contrariando a fraca “Pilgrim” (que apareceria, mais tarde, só para eu ter uma canção para, imaginariamente, substituir pelas grandes que ficaram de fora - como "Rise", "My Love Has Gone", "Nothing Gives Me Pleasure", "1972", "Late Night Conversation"...), anunciada como abertura no folheto. E ali passei a agradecer por, embora impecável, a organização do SESC também ter suas falhas.
5 – “It’s The Nighttime”
Já estava com o nome da canção rodando na boca, percebendo que o show caminhava para o fim e ela ainda não havia aparecido. Pensava que não haveria maneira mais bonita de encerrar noite tão especial do que com canção que dizia “It’s the nighttime, baby, don’t let go on my love”. Antes que pudesse gritar por ela, Rouse assinou embaixo da intuição de que temos cabeças musicais extremamente parecidas, puxando a canção ao violão para encerrar o tempo regulamentar. Ele voltaria ao bis com “Slaveship”, “Sad Eyes” e “Directions”, mas “It’s The Nighttime” foi a canção que me acompanhou até o hotel. Fato digno de nota: ao fazer o check in, após o show, vejo que a Clarissa olhava fixamente para o bar do hotel. Perguntei o que era, e sua resposta foi manter os olhos fixos. Olho pro bar e lá estão Josh Rouse e banda. E eu fui lá agradecer mais uma vez, por tudo, antes de ir dormir.
Faixas tocadas:de Home - "Directions"
de 1972 - "Come Back", "Love Vibration" e "Slaveship"
de Nashville - "It's The Nighttime", "Winter In The Hamptons", "Streetlights", "Carolina", "Why Won't You Tell Me What" e "Sad Eyes"
de Subtítulo - "Quiet Town", "It Looks Like Love", "Summertime", "His Majesty Rides" e "Givin' It Up"de Country Mouse, City House - "Sweetie", "Pilgrim" e "Hollywood Bass Player".
quarta-feira, agosto 13, 2008
Postado por Fábio Andrade às 8:37 PM
O susto e o sorriso
Estava lendo o ótimo Calmantes com Champagne (aliás, prometo em breve fazer uma lista apresentando mais detalhadamente as leituras recomendadas aí ao lado) quando, em meio a um post sobre o fim de uma banda que não conheço, dou de cara com a bomba:
"Então vamos parar com esse lenga lenga porque a vida segue em frente e, sexta, em São Paulo, tem show do graaaande Josh Rouse (que eu saiba, ainda tem ingressos)..."
Senti o coração parar por um ou dois minutos, me perguntando como uma notícia feita para mim (até poucos meses atrás, Josh Rouse era o meu número um no Last.fm. Hoje, ele só perde para o Bruce - o que não deveria sequer ser considerado uma derrota) poderia ter me escapado por todo esse tempo. Descobri que o show fora confirmado quando eu ainda estava fora, e que, além desta data em SP, Rouse só faria uma outra apresentação no Brasil, no MADA. E olha que, no estrangeiro, sempre dava uma olhada no Lúcio Ribeiro, para confirmar que o mundo aqui continuava muito mais caído do que o mundo de lá. Mesmo assim, nem uma nota, sequer, sobre a surpreendente passagem de Rouse pelo Brasil.
Depois de uma hora de tremedeira e dedos correndo pelos teclados (do computador e do telefone), estou com as confirmações de uma passagem da Gol (que o vôo não atrase, Clarissa, que eu já tô chegando!) e dois pares de ingresso na última fila do mezanino do Vila Mariana. Faço esse post como símbolo de meu agradecimento ao Marcelo Costa (dono dos calmantes), e como gesto de generosidade para outros possíveis fãs desavisados que, como eu, ainda podem descobrir que depois de amanhã, a última fila do mezanino do Sesc da Vila Mariana será o lugar mais feliz do mundo.
segunda-feira, agosto 11, 2008
Postado por Fábio Andrade às 8:10 PM
Top 5 da semana
Sim, eles estão de volta.
Filmes
1. Warriors – Os Selvagens da Noite (The Warriors) – Walter Hill, 1979
Warriors é uma das minhas mais caras memórias cinematográficas da infância – é o filme de menino por excelência – e retomar contato com marcos tão profundos é experiência não raro frustrante. Não é esse, porém, o caso deste grande filme de Walter Hill. Se o fascínio por uma Nova York disputada palmo a palmo pelas mais excêntricas gangues de rua imagináveis (quantos personagens tão absurdos o cinema já gerou quanto os Baseball Furies?) permanece forte na revisão, chamam muita atenção o trabalho sempre pulsante da câmera de Hill; a cuidadosa transposição estilística do universo das histórias em quadrinho à encenação, à decupagem e à edição; o carisma de atores que, pela irregularidade de suas carreiras posteriores, parece exclusivo àqueles personagens; e a nada convencional mistura de temperaturas de cor de Andrew Laszlo.
Além disso, o filme tem uma cena capaz de traduzir o underdog como o cinema poucas vezes soube fazer: o encontro de Swan (Michael Beck) e Mercy (Deborah Van Valkenburgh) com dois casais a caminho de uma festa de formatura, em um trem do metrô. A maneira como a câmera busca os pés sujos de Mercy espremidos em sapatos de salto alto é um dos movimentos mais abertamente políticos já realizados por Hill. Se é uma pena a memória ser tão freqüentemente traída pelas revisões, pena maior é os marcos cinematográficos da infância nem sempre serem da estatura de Warriors.
2. A Vida de um Tatuado (Irezumi ichidai) – Seijun Suzuki, 1965
Suzuki é um dos sujeitos mais particulares da história do cinema japonês: “operário” das linhas de montagem de um grande estúdio (Nikkatsu), fazendo quase três filmes ao ano, levou o gênero yakuza a uma estilização formal sem paralelos, esticando a tolerância da indústria até sua marginalização oficial, depois do brilhante A Marca do Assassino, de 1967. Assim como em Vagabundo de Kanto, de 1963, A Vida de um Tatuado tem seus dois primeiros terços marcados por uma mise-en-scène cirurgicamente narrativa, para, na meia hora final, culminar em uma alucinada apoteose de rigor, criatividade e pancadaria eximiamente coreografada.
O absoluto despudor das cores de Suzuki levaria o estúdio obrigá-lo a filmar exclusivamente em preto e branco, após o pandemônio de amarelos em Tóquio Violenta (único filme de Suzuki lançado em dvd no Brasil). Em A Vida de um Tatuado, sua palheta ainda vibra em plena exuberância: a luz vermelha que se faz de filhete de sangue a escorrer pelo chão, a luta de guarda-chuvas, o cenário em camadas coloridas que se abre em profundidade, o céu em berrante vermelho. A Vida de um Tatuado entra, ao lado de Juventude da Besta e os já citados Tóquio Violenta e A Marca do Assassino, para a galeria de obras-primas maiores realizadas por um dos sujeitos mais curiosos e talentosos que os espectadores parecem, enfim, começar a trazer da margem para o centro da história do cinema.
3. Amanhã a gente muda de casa (Demain On Déménage) – Chantal Akerman, 2004
Meu primeiro contato com um longa de Chantal Akerman veio marcado pelo arrebatamento profundo causado por Tombée de nuit en Shanghai – episódio no coletivo O Estado do Mundo que, a propósito, anda na programação do Canal Brasil (achando, enfim, uma utilidade para o embaraçoso episódio de Vicente Ferraz). A disparidade não poderia ser maior: Demain On Déménage é uma aceleradíssima comédia slapstick, girando sempre vários tons acima do naturalismo, sem nunca esbarrar no contemplativo de Tombée. A surpresa tirou-me do conforto, e o filme de Chantal foi me conquistando à medida que a razão de seu humor se mostrava mais clara: parodiar sem contornos os clichês e os cânones da cultura francesa. Vamos do cinema neurótico barato às comédias que confundem vazio com leveza (onde todas as personagens sabem tocar piano), passando pela chanson, o erotismo e a apropriação do espaço como manifestação da subjetividade (as relações visionárias com Medos Privados em Lugares Públicas são muitas e inevitáveis). Até Proust vira alvo de uma das melhores piadas do filme: a madalena transfigurada em frango com tomilho, que faz lembrar “lembranças, natureza e armários de carvalho”.
4. A Questão Humana (La Question Humaine) – Nicolas Klotz, 2007
É curioso como, ao refletir questões absolutamente presentes na vida contemporânea, o francês Nicolas Klotz se faz valer de estratégias e armações muito caras ao cinema moderno francês, em especial Alain Resnais e Claude Chabrol (que, aliás, tem em cirucito o ótimo Uma Garota Dividida em Dois). O que me parece mais forte, porém, são justamente os contrapontos que Klotz impõe à frieza nacional-socialista das grandes corporações com cenas marcadamente musicais, onde o corpo e a câmera saem de um registro estático para uma mobilidade que – embora coerentemente, reconheço – por vezes me parece faltar ao filme. Não conheço os dois trabalhos anteriores de Klotz mas, apesar de não me bater como a obra-prima que ressoa em outros blogs e publicações, A Questão Humana é filme que faz o espectador sair da sala remoendo tudo o que acabou de ver. Se esse feito já não é em nada desprezível, o filme ainda tem a seu favor todas as inevitáveis comparações: consegue adentrar tematicamente as organizações corporativas sem nunca cair na chatice discursiva de um O Corte, ou, pior, um O Que Você Faria?
5. Luz Silenciosa (Stellet Licht) – Carlos Reygadas, 2007
Outro primeiro contato, desta vez com o cinema do mexicano Carlos Reygadas. Luz Silenciosa estava na minha lista de intenções do Festival do Rio do ano passado, mas acabou deixado de lado pela exaustão pós-Floresta dos Lamentos, de Naomi Kawase. Agora em circuito, o filme de Reygadas ainda me deixa indeciso se seus acertos são realmente inspirados, ou apenas flutuam em um repertório imagético de cinema de grife. Embora o filme me acerte com inegável força, também me deixa com uma série de dúvidas: como um sujeito tão econômico em sua construção narrativa deixa escapar aberrações como aquele plano em que a folhinha cai do teto? Seria o mesmo realizador aquele que cria um espaço cênico tão intrigante (personagens saídos de Ordet, de Carl Th. Dreyer, soltos nos campos do México) e, em certos momentos, decupa seqüências de maneira tão desconjuntada (o dolly in que afunda na garagem, e depois parte para um vai-e-vem de cortes despropositado; ou a própria seqüência da morte de Esther). Apesar das dúvidas, Luz Silenciosa impressiona (quando vai bem, é excepcional) pelo inabalável rigor da mise-en-scène, e pela coragem ao desmontar a fé de Ordet – um dos maiores filmes já feitos – em um desejo de atualizações e de contato com o hoje que é muito lúcido e, diria até, urgente.
Canções
1. “Marry Me” – St. Vincent
Após ver o show de Annie Clark e banda, em um fim de tarde ensolardo em Nova York, escrevi em meu caderninho sobre a faixa título de seu único álbum solo:
“Existem poucas coisas tão comoventes quanto a entrega despudorada de uma garota ao compor uma canção pedindo a um rapaz que se case com ela”.
Marry Me, o álbum, tem ótimas canções em todos os ângulos, mas me são mais caras as baladas. Além de ter pés próprios e firmes, o disco é privilegiado pelo atalho de uma velha afetividade: a voz de Annie é muito parecida com a de Sarah Shannon, vocalista do excelente Velocity Girl.
2. “If You Don’t Care” – Smoking Popes
Eu achava que o punk rock (ou ao menos, novas canções do gênero) já não tinha mais nenhum efeito sobre mim. Até que ouvi Stay Down, disco que marca a volta do fabuloso Smoking Popes (visto em um Blender quase vazio, em Nova York - o que explica o fato de, ao contrário das outras bandas, eu não ter conseguido achar uma foto sequer do show que assisti), e percebi que o problema é que as bandas de punk rock que eu sempre gostei vinham mesmo lançando discos muito ruins. Stay Down é rápido, marcante e maravilhoso logo na primeira audição – coisa que todos os discos de punk rock deveriam almejar. A mistura de base instrumental em alta rotação com melodias à Smiths segue em grandessíssima forma e, depois de três audições, Stay Down já vem deixando pegadas entre os melhores de 2008. “If You Don’t Care”, a segunda do disco e a primeira do show, é o tipo de canção que os fãs de Dookie gostariam que o Green Day ainda quisesse escrever. E já começa com um verso fortíssimo: “If you don’t care, I don’t care / We don’t belong together ‘cause we don’t belong anywhere”.
3.“Lebanon, Tennessee” – Ron Sexsmith
A mais grata surpresa de minha estada em Nova York foi a adição de um show solo de Ron Sexsmith ao meu calendário pessoal. Voz e violão, público silencioso e bem aconchegado nas cadeiras e sofás do Joe’s Pub, e uma voz absolutamente extraordinária, capaz de encher o ambiente e fazer frente aos graves do metrô que, a cada três músicas, passava embaixo da casa. Ele não tocou “Secret Heart”, mas tocou uma belíssima versão para “Brandy Alexander” (para ele, nome de garota) – parceria com Feist, e uma das mais bonitas canções de The Reminder. “Lebanon, Tennessee” , porém, alugou quarto em minha cabeça justamente por, em voz e violão, transpirar uma força que eu não havia encontrado na versão original. E, melhor de tudo, alguém decidiu filmar a canção justamente naquela minha última noite na cidade que nunca dorme, mas dorme cedo.
4. “Big Empty” – Stone Temple Pilots
Passei todo o show dos Stone Temple Pilots com olhos grudados em Scott Weiland. Saí sem saber se o magnetismo era natural como seu suor, ou fruto de cuidadoso estudo de grandes performers (Axl Rose, Bono, Iggy Pop, David Bowie, Freddie Mercury, Lacraia, etc). Meus olhos, porém, não desviaram nem por um segundo. De certa forma, a dúvida espelhava a divisão do show em momentos de inesperada inspiração, e o uso extensivo das convenções roqueiras. Em alguns deles, o gosto pelo esperado saía pela culatra – “Interstate Love Song”, por exemplo, perdeu muito de sua força por vir emendada em uma matadora versão de “Plush”, lembrando que dois hits enfileirados são como a boa piada perdida, justamente por ter sido contada quando o público ainda ria da primeira. Em outros, o inesperado falava alto, e um show seguro bem pisava terrenos menos firmes. O mais marcante, sem dúvida, foi ver a banda abrir o show com a deslumbrante balada “Big Empty” – canção tão improvável como faixa de abertura que pareceu não poder, nunca mais, ceder essa vaga a qualquer outra.
5. “Glad It’s Over” – Wilco
Os EUA são a terra onde, acompanhado pelo rádio ao volante, às 3 da manhã, existe a chance real de você ouvir uma música do Wilco que nunca ouvira antes, fazendo você se emocionar quando essa era a última coisa que você esperava ser possível acontecer naquele momento.
quinta-feira, agosto 07, 2008
Postado por Fábio Andrade às 10:38 PM
Contrabando de formigas
Tentei escrever um poema quando uma formiga atravessou o papel em branco. Nada escrevi, posto que o misterio da natureza por ali havia passado. (Mário Quintana).
1. Magic Kingdom
- Have you found what you were looking for? - perguntou-me um brooklyniano gente boa, depois de me ver passar um ou dois minutos com meus olhos colados no mapa do Prospect Park.
Ele tinha longos cabelos grisalhos presos em um rabo-de-cavalo, parecia ter passado as duas últimas horas correndo pelo parque e, como manda a etiqueta nova iorquina, estava louco para encerrar o dia demonstrando seu conhecimento geográfico local.
- Not really – respondi – I’m looking for the bandshell.
- The bandshell? Easiest thing in the world! – disse ele, feito um personagem tipificado em algum esquete do SNL. Como em um carteado de verbo e gesto, abriu à mesa cinco ou seis maneiras diferentes de se chegar à concha acústica do parque, sendo que todas elas poderiam ser resumidas em “escolha um desses caminhos e siga em frente que você chegará lá”. Agradeci e ele me pareceu querer fazer o mesmo.
- Who’s playing tonight?
- Feist.
- Five?
Abri um sorriso (que não fecharia pelo resto da noite) ao lembrar da banda que cantava “Everybody Get Up” e “Keep On Moving”. Pareceu-me uma boa maneira de começar uma nova amizade.
- No, Feist. The canadian singer.
Com o rosto, deixou claro que nunca tinha ouvido aquele nome antes.
- She’s really good - continuei.
- Really? Well, unfortunately, I already have plans for tonight. But have a good show!
Segui pela ciclovia que se espichava ao lado da estrada principal, no sentido contrário dos carros e ciclistas. O asfalto cortava o verde enquanto, às margens, um número descomunal de vaga-lumes acendia um prenúncio de noite que ainda tardaria a cair. Não via vaga-lumes há alguns anos, mas naquela caminhada acreditei ter esgotado os créditos para as próximas duas ou três vidas.
Peguei meu ingresso na tenda da Ticketmaster (“You look scared”, comentou a moça ao ver a foto do meu visto), comprei uma camiseta que dizia (e diz) “The limit to your love” e, imitando todos que não estavam nas filas dos bares ou dos banheiros químicos, sentei-me na grama, como que esperando por um piquenique. Logo, subiu ao palco Juana Molina (“it rhymes with Argentina” – disse ela, ao se apresentar), com um violão, dois teclados e uma quantidade estonteante de pedais. Levantei-me e segui para as fileiras da frente, já que ali se concentravam os poucos pingados afim de ver o show de pé.
Com riffs e ritmos minimalistas, Juana sobrepunha camadas sonoras gravadas on the fly, rodando em loops hipnóticos, em playbacks gravados ao(s) vivo(s olhos da platéia), em performance que talvez seduzisse mais pelo malabarismo de engenhocas do que por sua real musicalidade. Conforme os nativos iam amolecendo com seu sotaque, a organicidade (Indígena? Japonesa? Inca?) da música de Juana se acumulava em um transe crescente, com todo o contágio que o equilibrado empilhamento sonoro de vozes, violões, teclados e sintetizadores almejava promover. Até que o dia resolveu ratificar meu óbvio desejo de Shara, caindo com um extrovertido temporal sobre os corpos que pesavam sobre a grama. Os sentados levantaram-se em direção ao palco, tentando se abrigar sob o resto de teto que protegia da chuva as primeiríssimas fileiras. Seco por levantar-me cedo, mas com algum desejo de me molhar também, permaneci em local marcado pela queda d’água. Juana se foi, com aplausos.
Se o show de abertura embaçara a fronteira sonora entre o vivo e o simulacro, o de Feist mergulharia no mesmo processo, mas em sua natureza visual. Um biombo branco é colocado em frente ao microfone. As luzes se apagam, e apenas um contraluz projeta a sombra do microfone sobre a tela branca. Feist entra no palco pelas laterais, carregando uma lanterna de fazenda na mão e um chapéu meio ridículo na cabeça. A pessoa, vista aqui tantas vezes como imagem, aparece, ali, real. Anda até o outro lado do palco, fingindo procurar algo com sua lanterninha. E pára ao centro, voltando a ser imagem, em silhueta que faz lembrar a capa de The Reminder. Canta, sozinha, que a ajuda já está a caminho. A banda entra em palco, toda de branco, enquanto o biombo é retirado e voltamos a vê-la novamente.
“When I Was A Young Girl”, “Mushaboom” e “My Moon, My Man”. O som é límpido e maravilhosamente baixo. As palavras vêm bater à porta dos lábios, mas o desejo de cantar junto é quase sempre calado pelo medo de que uma voz estrangeira possa quebrar aquela atmosfera tão delicada. Sobre o fundo do palco, duas artistas projetam intervenções plásticas realizadas sobre um retro-projetor. Um vaga-lume ocasional cruza o palco, em apropriado lampejo de espontaneidade. Feist tem gestos afetados o suficiente para seus amantes considerarem adoráveis, e seus detratores, enervantes.
Lembro que, fora 3 ou 4 que eu desconhecia, de Let It Die foram cinco (“Gatekeeper”, “Mushaboom”, “Let It Die”, “When I Was A Young Girl” e “Inside And Out”), e oito de The Reminder (“I Feel It All”, “My Moon, My Man”, “The Water”, “The Limit To Your Love”, “Sea Lion”, “1234”, “Honey, Honey” e “How My Heart Behaves”). Alguns dias depois, veria “Brandy Alexander” na voz do parceiro Ron Sexsmith, em uma memorável noite de voz e violão. Lembro também de, em dado momento, ouvi-la dizer “Sincerity is the new irony, guys”. E de, ironia das ironias, a frase ter realmente soado sincera. E lembro de, após o fim do show (“slow dance the way back home” com “Let It Die”) ter olhado para o palco já vazio e visto, lá em cima, vaga-lumes que acendiam e apagavam e acendiam e apagavam novamente.
Os sentados.
O chapéu e as franjas.
O sorriso sob o óculos familiar, entre o indie cabeçudo e a menina loira de blusa azul.
Fotos: Brooklyn Vegan
terça-feira, agosto 05, 2008
Postado por Fábio Andrade às 3:13 PM
I'm back with scars to show
Aguardem o derrame de cicatrizes (ou melhor, um caderninho cheio de anotações que preciso revisar e ver até que ponto permanecem interessantes sem o brilho dos pés no estrangeiro) neste blog, pelos próximos dias.