segunda-feira, junho 30, 2008

Start spreading the news

A próxima quinta-feira marcará não só o início de um mês longe de todas as atividades que convencionei chamar de vida, mas também o mergulho na vontade de torrar todo o dinheiro guardado nesse último ano, rachando Julho entre Nova York e Los Angeles. Será meu primeiro ano com dois verões desde 1997, e a primeira viagem dedicada quase que exclusivamente ao rock. Estarei muito provavelmente afastado do blog durante todo o mês (a não ser que parar pra postar qualquer coisa pareça, por algum motivo, mais interessante do que desbravar mais um canto em uma cidade onde estarei ridiculamente feliz por estar), com visitas ocasionais à caixa de emails quando a abstinência se tornar insuportável. Prometo não trazer nenhum cd, um ou outro dvd que pareça realmente inalcançável por qualquer outro meio, e alguns cartões de memórias lotados de fotos que – um dia, quem sabe – podem parar em um Flicker da vida (para, pouco depois, virarem propaganda de um curso de música no interior de São Paulo).

Usem o espaço de comentários para recomendações de lugares que devo visitar, amigos de amigos que mereçam uma ligação, marcas de cerveja que eu não posso deixar de experimentar, ou qualquer outra coisa que confirme minha viagem de férias como um convite ainda mais sedutor, e que a volta sirva apenas para catar a Clarissa pelo braço, depois de vender meu corpo na loteria do Green Card.

Encontros roqueiros já agendados:

· Feist – top de 2007 com The Reminder, vice-musa da casa, e ausência sentida desde o perdidão no Tim Festival.

· Lucero – top de 2006, meia dúzia de belos discos e dois shows à $15, no meio da semana. Vou acabar vendo os dois.

· The Hold Steady – medalha de prata em 2006, com um belo disco novo já espalhado na rede. Não é tão bom quanto o álbum anterior, mas a soma dos hits de ambos rende, certamente, os melhores setlists possíveis na carreira da banda até hoje.

· Smoking Popes – quarteto de Chicago que parece capturar o Morrissey no momento em que seu desejo por se tornar um cantor de country se tornou incontornável, só que com uma banda punk de apoio. Lançaram dois discos lindos antes de acabarem (Born To Quit e Destination Failure), e, após uma tour de reunião, estão lançando um terceiro.

· Stone Temple Pilots – se o Scott Weiland de fato aparecer, tem tudo pra ser histórico.

· Jimmy Eat World – uma das poucas bandas da adolescência capaz de ainda sustentar meu interesse. Chase This Light, o último disco, não é nenhum Bleed American, mas é bem mais legal que Futures, o anterior. O show deve ser uma overdose de hits. Diversão garantida.

· Spoon – somando as favoritas de todos os discos, eles podem fazer um puta show. Se forem no sentido contrário, pode ser um saco. Reza a lenda que a banda não é boa ao vivo, mas eu vou me divertir mesmo se for muito ruim.

· Hot Water Music – vai ser ainda mais fera por proporcionar um encontro com vários amigos da west coast, em Philadelphia. Prometo não medir esforços pra tirar um foto ao lado da estátua do Rocky.

· Breeders – não fui vê-los no primeiro Curitiba Pop Festival porque, na época, Curitiba me parecia tão distante quanto Nova York. Eles fazem dois shows grátis em um mesmo fim de semana, mas o primeiro bate com a viagem a Philadelphia. O único disco deles que eu realmente gosto é o Last Splash, então o show pode acabar sendo um fiasco (um fiasco grátis, é bom lembrar). Ainda assim, poucas possibilidades me parecem tão imperdíveis quanto ouvir “Divine Hammer”, “Driving on 9” ou “Cannonball” em uma tarde de verão em Nova York.

· The Loved Ones – projeto atual de um ex-Kid Dynamite, seguramente a melhor banda de hardcore dos últimos 20 anos. O primeiro disco deles é bacana, e todos dizem que eu iria adorar o segundo. Eles abrem pro HWM e pro Hold Steady, então devo vê-los duas vezes. De qualquer maneira, é a única banda de abertura que parece digna de menção.

Possíveis adições:

· Alkaline Trio – tenho bastante vontade de vê-los ao vivo, mas os dois shows que batem na minha agenda já estão esgotados. Caso a Ticketmaster coloque outro lote à venda, ou eu consiga comprar um ingresso por um preço razoável, entram pra lista.

· Mighty Mighty Bosstones - embora eles não lancem um disco bom desde o essencial Let’s Face It, é um show que eu tenho muita vontade de ver. Ainda não comprei ingresso, mas eles tocam em Nova Jersey, no mesmo dia dos Breeders em NY, com os Dropkick Murphys – banda que me dá medo, mas que o Bruce gosta. Se a logística não parecer inviável, vai rolar.

· Vaselines – tocam duas vezes em Nova York. Nem sabia que a banda tinha voltado à ativa, e sei menos ainda o que esperar desses shows.

· St. Vincent – Marry Me é um disco bem interessante, e a moça faz um show grátis no mesmo dia do Vaselines. Tem tudo para virar um belo programa duplo.
.
· Brian Wilson – o ingresso é caríssimo ($125 o mais barato) e tenho quase certeza que sua atual presença seria mais fonte de depressão do que de saudável lembrança dos anos passados. É verdade que acho o sujeito um dos maiores gênios da história da música pop, mas é mais verdade ainda que aquele gênio muito pouco tem a ver com o homem que estará no palco, soterrando por uma monstruosa banda de apoio.

· Chuck Raggan – show solo de um dos vocalistas do Hot Water Music. Não sei. Mesmo.

· Bloc Party – não conheço bem, mas eles fazem dois shows em noites vazias em LA. Se alguém pilhar, acabo vendo.

· Less Than Jake / Goldfinger – esse aí só será levado em consideração se a insanidade das férias chegar a um nível tal que, no aconchego do meu apartamento, me é inconcebível. Já vi o LTJ aqui no Rio, e o Goldfinger não lança nada que preste há uns 10 anos. Se eles fossem tocar toda a primeira metade do Hang Ups, eu iria na hora, mesmo que só por consideração à adolescência. Como a chance de isso rolar é ínfima, a chance de eu ir não é nada maior.

Fora isso tem um show grátis do Sonic Youth (mas com reservas já esgotadas) no dia em que eu chego, Beach Boys (quem serão?), Zombies (e esses, então?), Shelby Lynne no mesmo dia do STP, Bob Mould, Bruce e Against Me! chegando a Nova York depois de minha partida, Wilco em Agosto, e o desejo de que as férias e o dinheiro durassem só um pouco mais.

* * *

Driving Music

Meus mais sinceros agradecimentos a todos que apareceram no primeiro show do Driving Music, na adorável cidade de Juiz de Fora. A experiência não foi traumática o suficiente para sufocar o desejo de repeti-la, e estou tentando marcar uma edição carioca para a minha volta de férias. As músicas tocadas no show estão na comunidade do Driving Music no Orkut – em tópico que já rendeu comentários, err, interessantes.

* * *

Cinética

Revista atualizada com textos meus sobre Fim dos Tempos – mais um belíssimo filme de M. Night Shyamalan – e a simpática surpresa Quando Estou Amando, de Xavier Giannoli.

sexta-feira, junho 20, 2008

Revisões e novos hits

Agora que meu ano finalmente acabou, posso começar meu processo favorito de toda a virada: revisões críticas! Na verdade, é só uma lista de canções que teriam entrado no meu mix de melhores do ano, caso ele fosse um álbum duplo.

01 - LCD Soundsystem – “All My Friends”

Qualquer pessoa que reserve um mínimo de atenção às publicações de música já deve ter enfiado o pé em uma poça de baba derramada em nome de James Murphy. Ao ouvir o álbum Sound of Silver, não é difícil entender o porquê: o LCD Soundsystem é, mesmo, uma coisa ótima de se ouvir em quase qualquer situação ou estado de espírito. De todas as faixas do disco, a melhor disparada é o single “All My Friends”. Embora os quase oito minutos oficiais da canção assustem, passada a longuíssima introdução de piano (cortada do single), “All My Friends” parece uma mistura do que há de melhor no New Order e no Jesus & Mary Chain em uma só canção. Duas notas, uma melodia vocal mais que grudenta, uma ótima letra e, para somar, um clipe que é uma versão de “Numb”, do U2, com maquiagem de luta livre.

02 – Band of Horses – “No One’s Gonna Love You”

Desde que eu ouvi falar no Band of Horses pela primeira vez, decidi que o nome da banda era genial demais para eu não gostar dela (imagine se eu soubesse que era uma banda de surfistas barbudos...). Insisti várias vezes com o álbum anterior, Everything All The Time¸ mas o contato nunca rendeu fagulhas significativas. Até que saiu Cease to Begin, e todos os fãs pareciam decepcionados. Por algum motivo, isso normalmente significa que eu vou acabar gostando muito do disco, e não deu outra: a química foi instantânea. “No One’s Gonna Love You” é uma balada insuportável de tão bonita, com sua guitarra insistente e o vocal à Flaming Lips (ou seria Supertramp?) de Ben Bridwell esticando as pontas de seus agudos. Ainda consegue uma proeza rara: começa com um ar meio nostálgico, mergulha de cabeça na tristeza na ponte para, depois, explodir em um refrão deliciosamente ensolarado. É uma canção incrível.

03 – Spoon – “You Got Yr Cherry Bomb”


Ga ga ga ga ga, sexto álbum de estúdio do Spoon, foi hypeado até não mais poder. Como vem acontecendo com todos os discos da banda, algumas faixas me parecem absolutamente extraordinárias, e outras francamente abomináveis (caso do single “Don’t You Evah”, cover da finada banda National History, insuportavelmente parecida com aquele hit mau caráter das Pussycat Dolls). Na metade boa de Ga ga ga ga ga, temos, porém, pérolas como “The Underdog”, “Don’t Make Me A Target” e a fabulosa “You Got Yr Cherry Bomb”, canção de refrão forte e de batida disposta a não parar por nada nesse ou em outro mundo. Músicas boas o suficiente para se juntarem ao repertório de esperanças do passado, e adicionarem o Spoon à minha lista de shows para ver nas férias.

04 – Andrew Bird – “Herectics”

O Andrew Bird é um talentoso violinista/cantor/compositor de Chicago que, além de contribuir com o Measure for Measure e tocar ocasionalmente com o Wilco, lançou, via Fat Possum, o interessante Armchair Apocrypha no ano passado. “Herectics”, sua melhor canção, soa como um improvável encontro entre Pavement (o vocal de Andrew lembra o Stephen Malkmus de Terror Twilight e Brighten the Corners) e Arcade Fire. A ponte faz uma mudança de tom meio incômoda, mas o ótimo refrão e os marcantes riffs de guitarra e violino fazem você querer retornar à canção várias vezes. E o bom é que, depois de algumas audições, a parte que parecia um pouco torta começa a fazer algum sentido.

05 – Cat Power – “Stuck Inside Of Mobile With The Memphis Blues Again”

É uma ironia dos diabos, mas sempre fico com a impressão de que a Cat Power rende mais como intérprete de repertório alheio do que como compositora. Por mais que eu goste de The Greatest (e eu gosto muito), não deixa de ser impressionante como ela sabe extrair vida nova de canções já queimadas na memória pelos anos de convívio. Seu último disco de covers, Jukebox, é prova contundente, mas não tão boa quanto sua versão para “Stuck Inside Of Mobile With The Memphis Blues Again”, gravada para a trilha-sonora de I’m Not There. Enquanto boa parte dos artistas convidados trabalhou o material original de Dylan com abordagens protocolares (caso de Jeff Tweedy e sua versão um tanto decepcionante para a bela “Simple Twist of Fate”, ou o Sonic Youth, fazendo exatamente o que se espera deles, com a faixa-título), Cat Power faz uma versão negona, hiper dançante do clássico de Blonde on Blonde. A canção dura quase 7 minutos, mas se durasse para sempre você não pararia de dançar.

06 – Stars – “Midnight Coward”

Existem poucas coisas tão agradáveis quanto encontrar, na pilha de RARs , um disco bacana que você baixou e, por algum motivo, acabou não ouvindo. In Our Bedroom, After the War, do Stars, foi minha mais recente grata surpresa. Lançado via Arts & Crafts, selo do Broken Social Scene (que, dizem, tem show imperdível confirmado no Canecão, em Setembro), o álbum do Stars é um conjunto de belas e delicadas canções pop, por vezes lembrando um Magic Numbers com menos guitarras (ou um Belle & Sebastian do espaço). O disco todo faz ótima companhia, mas minha favorita nesses dias é o belo dueto “Midnight Coward”.

- - - - - - - - - - - - - - - - -



É fato que meu ano só começa em Agosto, mas 2008 já tem, até agora, dois hits incontestáveis. Um, de escala global: “Ready For The Floor”, do Hot Chip, parece capaz de bombar toda e qualquer pista de dança no mundo. O outro, particular a esse cantinho: “Sequestered in Memphis”, primeiro single do álbum novo do favoritíssimo Hold Steady (que também vejo ao vivo, em Julho) já é pré-candidato a rock mais fera do ano.

quinta-feira, junho 19, 2008

Measure for Measure

Meu chapa Daniel Develly me mandou um email recomendando o blog Measure for Measure, do NY Times. Ainda não explorei os textos com o devido cuidado, mas pela ficha de autores (Suzanne Vega, Andrew Bird, Rosanne Cash e Darrell Brown) e o belíssimo texto de Suzanne acerca de "Luka", no topo da página, já tá entrando pro topo da lista de leituras diárias.

quarta-feira, junho 18, 2008

Primeiro show do Driving Music


Há muito venho considerando uma volta aos palcos. Lá se vão dois anos e um par de meses do último show do Invisibles e, embora as gravações do Driving Music tenham sido extremamente gratificantes, a vontade de encarar pessoas mais ou menos estranhas por meia hora e cantar um punhado de canções para elas vinha crescendo com o tempo. Até que rolou o convite para tocar na festa de lançamento da revista S+S+A, na adorável cidade de Juiz de Fora. De todas as paradas que o Invisibles fez por aí, foi sempre em Juiz de Fora que encontramos as pessoas mais generosas, os sorrisos mais abertos. Para completar, depois descobri que as irmãs da Clarissa já moraram na casa onde hoje funciona o lugar do show. Tamanho encontro de a favores foi fazendo o convite parecer cada vez mais irrecusável, então cá estamos: o primeiro show do Driving Music acontece por lá no próximo sábado, dia 21.

A indagação natural vem logo em seguida: como fazer show se eu sequer tenho uma banda? Bom, de fato, banda eu não tenho. Mas tenho um violão, dois dedos de piadas guardadas no bolso e uma inabalável cara de pau. Farei um set de aproximadamente meia hora, tocando versões acústicas de canções do Driving Music, algumas do Invisibles, e uma ou outra cover para temperar o ambiente. Tem tudo pra ser uma noite divertida. Na pior, o clima da cidade é ótimo e a cerveja é barata. Se eu não conseguir fazer nada para ajudar, essas duas coisas sustentam qualquer noite boa no meu caderninho. É isso. Seria um prazer inenarrável tê-los por lá.

Serviço:

No próximo sábado, venha prestigiar a festa de lançamento da revista S+S+A!

Quando: 21/06/08 - às 23hs.
Onde: Café Acústico, Av. dos Andradas, 197 - 2°piso - Centro.
Juiz de Fora - MG
Entrada + Revista: 10 reais [com flyer, 7!]

Cervejas Brahma/Skol 600ml à 3,50. ;)

Driving Music [Acústico] +
Dj's Monster Family: Danni Boy, Monstro e Claire. [Soul/Funk Rockabilly/Ska Rock'n'Roll]

Melhores de 2007

01 – Feist – The Reminder


Quem acompanha o blog com mínima regularidade já deveria intuir que, no trono do ano que passou, não se sentaria um rei, mas sim uma rainha. Afinal, quantas vezes uma artista ainda tão jovem (em carreira, não em idade) lança o melhor disco do ano, faz os melhores clipes e, logo em seguida, confirma shows pelo Brasil? Mas, por uma labirintite chamada Saturday Night Live, a Feist resolveu, na última hora, não vir, sendo imediatamente desclassificada (W.O.) dessa lista. Até que comecei a programar minha viagem de férias e, feito corno manso, reservei minha cadeirinha para nosso encontro de reconciliação, deixando de lado o ressentimento para fazer pazes com o óbvio: 2007 foi mesmo o ano da Feist.

É claro que, quando Wilco e Bruce Springsteen nos dão grandes álbuns, sou o primeiro a desconfiar de afirmações com vocação ao absoluto. Acontece que Wilco e Bruce já são mais do que veteranos, e grandes discos com suas assinaturas tocam a superfície do esperado (que sempre chega com vestes diferentes). Mas quem – e incluo aí os que, como eu, já eram viciados em Let It Die – quem imaginaria que Leslie Feist poderia lançar um disco tão apaixonante? The Reminder tem a seu favor a leveza inegável das doces surpresas, das companhias agradáveis que vão se alojando em nossos dias, tomando-os pouco a pouco sem nunca exigir, em troca, comprometimento que não venha de voluntário bom grado.

A surpresa é asfixiante por The Reminder ser, a rigor, o oposto de tudo que podíamos esperar de Feist: enquanto Let It Die (sim, estou, conscientemente, passando batido por Monarch e os remixes de Open Season) era um disco de estúdio, repleto de arranjos sofisticados e uma riqueza sonora exuberante, The Reminder é seco, cru, quase um rascunho. A variedade instrumental que sublinhava o disco anterior é trocada por um violão sem graves, uma bateria sem ataque e um punhado de belos arranjos de pianos e sopros. Existe um senso de intimidade fascinante no disco, e o fato de Feist ser mulher faz isso ser ainda mais interessante: ao ouvido masculino, The Reminder é como mergulhar na alteridade sem provocar respingos. Feist compõe como a menina que escreve para si, e que, no fluxo de sua intimidade, desenha um punhado de versos geniais sem nunca tomar conhecimento de qualquer traço de vaidade.

“So Sorry”, faixa que abre o disco, é quase uma parte 2 de “Gatekeeper” (primeira de Let It Die): pouca coisa parece ter mudado, embora letra e música tenham, já aqui, uma força que poucos momentos em seu outro belo disco conseguiam produzir. Como “Son of a gun”, dos Vaselines (popularizada pela ótima versão do Nirvana), é canção feita para se cantar no eco dos passos que levam a pessoa amada. Mas, logo em “I Feel It All”, adentramos os quartos do desconhecido com maior afinco: uma levada de bateria quase punk rock, baixo presente em ausência, três notinhas de piano mixadas no talo, e uma dinâmica crescente de vocais de inegável força. A letra repete um mesmo refrão por quase toda a canção, mas quando ela se desprende de seu próprio círculo, Feist acerta em versos aparentemente desconexos (“Put your weight against the door / Kick drum on the basement floor”) que ganham uma força impressionante pela métrica em que são cantados, pelas respirações, pelos estalos de língua. O baixo volta marcando passo em “My Moon, My Man” – canção marcial onde uma melodia vocal à Suzanne Vega, combinada à batida cravada ao chão por baixo e bateria, nos conduz a um dos refrões mais marcantes de todo o disco (melodia ainda mais forte quando solada pela guitarra afogada em reverb).

“The Park”, a quarta faixa do disco, traz Feist despida de todos os seus ornamentos, com os dedos dos pés enfiados na terra, e o canto em coro com o chiado da fita rodando e os pássaros que harmonizam ao fundo. Em um triste e belíssimo número, seu magro violãozinho passa a canção inteira encolhido em um canto da cama, esperando que o arranjo de trompas venha, de manso, lhe cobrir. O piano pinga, ao fim da canção, como se gotas d’água caíssem sobre as teclas. Com meia dúzia de canais, cria-se uma atmosfera de complexidade que pouquíssimas produções souberam, até hoje, construir na música pop. E ainda sobra espaço para, ao menos, duas estrofes devastadoras: “With sadness so real that it populates / The city and leaves you homeless again”; e a conversa com o passado em “Why would you think your boy could become / The man who could make you sure he was the one?”.

“The Water” reergue as pontes com Let It Die - em especial, o miolo central do disco (com “When I Was A Young Girl” e “Lonely Lonely”), marcado mais pela construção climática do que pela predominância melódica – levando The Reminder para banhos mais pantanosos, em melodia difícil de se prender entre os dedos. “Sealion” é uma recriação quase hardcore de “See-Line Woman”, a imortal canção de Nina Simone. A introdução – com palmas, chocalhos, moog fazendo barulhinhos e uma dobra vocal de grande efeito – prepara o arranjo em plena fermentação, crescendo fora de controle à medida que a canção avança. É como se a melodia de “See-Line Woman” fosse incorporada pelo transe de “Sinnerman”, com a diferença de que o transe, aqui, é de uma garota branca.

“Past In Present” retoma a estrutura de arranjos de “I Feel It All”: a bateria semi-nervosa, o riff de piano remontado pela slide guitar, e um refrão fortíssimo que mistura as palavras como passado e presente se tornam um na letra da canção. Após o vácuo de exceção criado por “The Water” / “Sealion”, “Past In Present” começa a estabelecer o padrão de tecelagem de todo o disco: a alternância entre momentos fortes, e pontuais tempos mortos que se penduram em uma frágil, mas eficiente construção climática. “The Limit To Your Love” é a balada mais bonita já escrita por uma moça canadense: uma linha absurdamente marcante de piano e baixo no refrão, uma construção dinâmica precisa, e um verso de abertura de simplicidade cativante (“Clouds part just to give us a little sun”). A estupenda “1234” reforça a curiosidade masculina com os olhos de mulher madura que versam sobre a adolescência. Uma melodia pueril vai ganhando corpo com a entrada de cada instrumento, até explodir na exuberância da vida adulta, cantando “For the teenage boys / They're breaking your heart”.

“Brandy Alexander” é uma bem dosada parceria com Ron Sexsmith (de quem Feist já havia gravado a belíssima “Secret Heart”). A letra mistura, sinestesicamente, o nome de um drink com o de um rapaz, em ambigüidade que, curiosamente, faz lembrar Cole Poter. “Intuition” e “Honey Honey” criam a segunda bolha climática de The Reminder: canções de belezas particulares, em equilíbrio de minimalismo instrumental e um vocal que ecoa em lagos de reverb. E, por fim, temos outra linda balada: “How My Heart Behaves”, canção de sobriedade cinzenta em que o coração se põe em harmonia com o mundo, e a natureza manifesta os estados de maior intimidade. Esse sentimento rende alguns versos belíssimos (fico particularmente impressionado com “On the ferry / That's making the waves wave”), e um dueto de gêneros vocais que encerra o disco com um de seus mais preciosos momentos. 12 canções que pedem parágrafos próprios, pois só passando por cada uma delas chegamos um pouco mais perto do brilho desse pequeno e belo disco.


For Dummies
Álbuns da Feist recomendados em ordem decrescente de interesse

01 - The Reminder (2007)
02 - Let It Die (2003)
03 - Monarch (1999)

sexta-feira, junho 13, 2008

Sobre o tempo

Janeiro de 1981


Junho de 1992


Novembro de 1993


Fevereiro de 1995


Julho de 1995


Maio de 1996


Maio de 2001


Novembro de 2002


Junho de 2008


sexta-feira, junho 06, 2008

Minha nova canção favorita para ouvir ao acordar

Duas vozes, dois acordes, pouco mais de dois minutos; e o mundo inteiro parece caber ali dentro.

quinta-feira, junho 05, 2008

Melhores de 2007

02 – Wilco – Sky Blue Sky




Quando escrevi, na minha lista de filmes, sobre Os Donos da Noite, de James Gray, lembro de ter ressaltado a surpreendente força extraída, pelo diretor, de construções narrativas absolutamente clássicas, habilmente contrapostas a um mundo em que o esvaziamento narrativo se tornou lugar comum. De certa forma, sentimento muito próximo me tomou ao ouvir, pela primeira vez, Sky Blue Sky – a mais nova obra-prima do mais genial grupo de rock de nosso tempo (superlativos sempre insuficientes). Mas, enquanto o projeto de cinema de Gray responde a seus pares, a conversa do Wilco é com seu próprio passado. Jeff Tweedy, o líder da banda, inventou o alt-country ainda na adolescência, tocando com o fundamental Uncle Tupelo. Finada a banda, Tweedy forma o Wilco com a ambição de desconstruir o gênero que ajudara a criar. Abre esse processo com certa timidez, em AM, disco que – embora promovesse um frutífero flerte do gênero com o indie pop – serve mais como um ótimo espanador do que como retrato do potencial da banda.

A partir do ambicioso álbum duplo Being There, Tweedy e escudeiros sujam as mãos pondo ao chão suas próprias fundações, em canções que sorvem goles de sabores tão diversos como Velvet Underground (“Misunderstood”), David Bowie (“Sunday” – quase-plágio inspiradíssimo de “Rebel, Rebel”) e Beach Boys (“Outta Site, Outta Mind”), passeando pelo rock setentista (“I Got You (At the End of the Century)”), o pop atemporal (na belíssima “Say You Miss Me”) e o country da idade do mundo (“Someday Soon”). Recolhem e reempilham os tijolos em Summerteeth - disco impressionante por sua capacidade de ser mais desafiador à medida que se revela mais pop – para depois derrubá-los novamente com os monumentais Yankee Hotel Foxtrot e A Ghost Is Born.

Sky Blue Sky nasce como resposta a uma inevitável interrogação: quais canções seriam possíveis após o fim do mundo? Pois não é menos que o apocalipse o que a banda buscava com A Ghost Is Born. Enquanto Yankee Hotel Foxtrot cantava os restos do mundo, seu sucessor tentava traduzir em canções o som da deterioração desses restos. Sons produzidos pelo seu próprio desaparecimento. Vácuos que poderiam circular aprisionados em um eterno andamento (“Spiders (Kidsmoke)”), na balada do desejo de auto-aniquilação (“Handshake Drugs”), nas asas de um espírito do passado (“Hummingbird”), ou na insuportável prisão de um ruído sem pausas (o pós-canção de “Less Than You Think”). O aceno de resposta vinha, porém, ao fim do funeral: após o prólogo de “Less Than You Think”, somos presenteados com uma nostálgica e quase frívola cançãozinha chamada “The Late Greats”. “The best life never leaves your lungs”, canta o defunto. Troca-se o desejo de encontrar curvas no minimalismo por um retorno ao útero (à terra, se pensarmos em Naomi Kawase) das canções pop, em sensação próxima à alcançada pela última parte de Nossa Música, de Jean Luc-Godard.

Depois de destruir o mundo, parece nos responder o Wilco, a única coisa decente a se fazer é pedir desculpas. Pois é como uma longa retratação que Sky Blue Sky se configura. Não temos mais esquinas que dão em outras esquinas. Como deixa clara a repetição de seu próprio título, a ambição do Wilco parece ser dar a volta no mundo em uma só reta, para chegar, enfim, novamente ao princípio. Esse desejo é cuidadosamente arquitetado em todos os níveis que discursam em Sky Blue Sky: enquanto Yankee Hotel Foxtrot era fruto do empenho de se extrair novas texturas sonoras pela manipulação sonora promovida pela tecnologia, Sky Blue Sky é gravado e mixado como um disco de 30 anos de idade. A bateria é encaixada em um canto dos headphones, seca em espacialidade como costumava ser antes do abuso de compressão se tornar lei de mercado; as texturas são extraídas de instrumentos essencialmente orgânicos (órgãos, claro, mas também violinos e a slide guitar de Nels Cline), não mais de plug-ins de Pro-Tools; a voz de Tweedy, mais áspera e imperfeita do que jamais foi, troca o universo imagético críptico dos discos anteriores pelo encanto diante da cor do céu.

Depois do fim do mundo, temos a infância do mundo. A vida se torna circular quando os homens se percebem inseridos em uma horizontalidade absoluta. Depois do azul do céu, existe, ainda, o céu azul. As vontades e as satisfações, em Sky Blue Sky, são as mais mundanas. “With a sky blue sky / This rotten time / Wouldn’t seem so bad to me now”, canta Tweedy na faixa-título. “Oh I didn’t die / I should be satisfied / I survived / That’s good enough for now”. O mundo acabou, mas o sujeito percebe que ainda está vivo. E esse olhar recém-ressucitado é capaz de uma generosidade extraordinária. Enquanto A Ghost Is Born era um mergulho no ser-eu, Sky Blue Sky é um conjunto de pequenas epifanias mundanas. É a tradução musical do eterno retorno. É um disco sobre a intensa sensação de pertencimento ao mundo.

Muito por isso, é um álbum obcecado com a idéia do movimento da vida. Logo na primeira faixa, “Either Way”, Tweedy se entrega a um jogo de “talvez” que vem justamente colocar suas canções em um ritmo uno, inabalavelmente mantido ao longo de todo o disco. “Maybe you still love me / Maybe you don’t”. Nove faixas depois, na deliciosa “Walken”, encontraremos compasso parecido em “I was singing / This song about you / I was thinking about singing / This song for you” – sensação que se repete no título de “Leave Me (Like You Found Me)”; ou na reiteração que é ferramenta para a aceitação do inevitável em “Hate It Here”; ou ainda como “white light”, “one light” e “what light” se misturam na penúltima canção do disco. Tweedy busca força na repetição dos fonemas (ou dos riffs – como em “Impossible Germany”), e aproveita a abundância de consoantes da língua inglesa como tradução concreta desse sentimento de repetição, de retorno.

Mas se a repetição nos leva do fim ao princípio, não existem fins nem princípios. O que existe é o som de uma vogal que atravessa o tempo, soando, soando, soando. Tweedy atinge, enfim, o objetivo que colocará para si no primeiro verso de "Hummingbird": torna-se um eco. A busca quase budista pelo som do universo fecha o disco em “On And On And On” – a canção que a banda parece ter passado todos esses anos tentando fazer. As vogais são reinterpretadas pela linha-base de piano e guitarra – que, conscientemente, evita que o som do contato dos dedos com os instrumentos interrompa o soar das notas, como as consoantes interrompem o som que sai pela boca. O Wilco realiza, com esse último e brilhante número, a canção-de-ninar que a banda já, antes, buscara um sem número de vezes (“In A Future Age”, “My Darling”, “Reservations”, “Wishful Thinking”). E com isso, Sky Blue Sky faz valer a máxima de que as obras-de-arte mais bem acabadas são aquelas construídas com um rigor formal tão absoluto que ele se torna transparente. Vê-se através dele como se ele não estivesse ali. Em canção que continua soando após o disco acabar, voltamos ao início novamente, no delicioso movimento de, ao fim de Sky Blue Sky, continuar enfileirando blue sky blue sky blue...


For Dummies
Álbuns do Wilco recomendados em ordem decrescente de interesse:

01 - Sky Blue Sky (2007)
A Ghost Is Born (2004)
Yankee Hotel Foxtrot (2002)
Summerteeth (1999)
Being There (1996)

06 - AM (1995)

segunda-feira, junho 02, 2008

Music in a foreign language


Agora há pouco, na minha habitual sessão de pilates, o dj da Antena 1 se deixou levar pelo senso de humor que só chega ao fim do expediente, e botou pra rolar "Take A Walk On The Wild Side". E as velhinhas, se alongando nas bolas de borracha como se não houvesse amanhã, não tinham a menor idéia de que, naquele mesmo ambiente, alguém cantava sobre travecos e felação.

Cinética

Percebi que desde o É Tudo Verdade não atualizo, por aqui, minhas contribuições cinéticas. Aproveito, então, a entrada de duas novas críticas, para lembrar outras que se perderam nesse lapso.

- Texto em um debate acerca de Speed Racer, dos irmãos Wachowski
- Crítica sobre Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, de Steven Spielberg
- Artigo remanescente do É Tudo Verdade sobre o épico Além dos Trilhos, de Wang Bing
- E críticas anteriores sobre Maratona do Amor, de David Schwimmer, e Quebrando a Banca, de Robert Luketic.